Com fim do Auxílio Emergencial à vista, crise provocada pela pandemia se arrasta e trabalhadores seguem sem perspectivas | Economia


Mais de seis meses após o início da pandemia do coronavírus e da crise que ela trouxe, milhões de brasileiros ainda se veem em dificuldades econômicas, e sem perspectivas de voltar ao patamar de vida que levavam antes desse turbilhão.

A retomada gradual das atividades econômicas trouxe algum alento, mas muita gente ainda depende da solidariedade e de ‘bicos’ para conseguir pagar as contas e comprar o mínimo necessário para a sobrevivência.

O Auxílio Emergencial, que vem sendo pago desde abril, ajudou os brasileiros a atravessarem esse período. O fim dos pagamentos, no entanto, é mais motivo de angústia: a última parcela do benefício, principal fonte de renda para parcela da população, será paga em dezembro. E, até o momento, nenhum programa social foi definido para substituí-lo.

Em maio deste ano, o G1 contou a história de brasileiros que enfrentavam dificuldades financeiras para atravessar a pandemia. Agora, o pipoqueiro Mauro Junior, a manicure Rudania dos Santos Dias da Silva, o fotógrafo William Paiva e a empregada doméstica Débora Farias contam o que mudou de lá para cá.

Mauro Júnior, 27 anos, pipoqueiro

Mauro Júnior conseguiu quitar o novo carrinho de pipoca graças à doação de uma moradora de SP que se sensibilizou com sua história — Foto: Arquivo pessoal

Faz pouco mais de dois meses que o pipoqueiro Mauro Junior, de 27 anos, pôde voltar com seu carrinho de pipoca para as ruas da Zona Oeste do Rio. Mas, com as escolas ainda fechadas, seu faturamento ainda está longe de retornar ao patamar pré-pandemia. O Auxílio Emergencial e a solidariedade seguem garantindo a sobrevivência dele e da família – mãe, mulher e dois filhos.

“Estou faturando 30% a 40% do que eu tirava antes, mas está dando para comer. As escolas, de vez em quando, me dão doação de alimentos. E tem uma moça de São Paulo, Maria Luísa, que tem me ajudado bastante. As fraldas que ela me deu [em maio] só acabaram agora”, contou Junior.

Maria Luísa conheceu Junior a partir de uma reportagem publicada pelo G1 em maio, em que ele contava a situação de penúria que passava diante da pandemia. Sensibilizada com o relato e dizendo ter uma relação afetiva especial com pipoqueiros, ela decidiu contatá-lo e oferecer amparo financeiro e afetivo. “A gente se fala direto. Ela foi uma das pessoas que mais me ajudou”, enfatizou Junior.

À época da primeira entrevista, quando a pandemia paralisou as atividades, Junior e a mulher ainda esperavam a análise do Auxílio Emergencial. Além dos alugueis, dele e da mãe, atrasados, ele ainda devia cerca de R$ 400 do carrinho de pipoca que havia comprado na expectativa de ampliar as vendas em 2020. Foi Maria Luísa quem ajudou a quitar a dívida do carrinho.

O Auxílio Emergencial só saiu em agosto. O casal acabou de receber a terceira parcela do benefício e está na expectativa da próxima, prevista para novembro. Junior diz não contar com as parcelas de R$ 300, uma vez que demorou a ser aprovado o auxílio para ele e a mulher, que segue desempregada.

Para tentar reduzir os custos mensais, Junior e a mãe procuraram novas casas para morarem, na mesma comunidade, o Terreirão, no Recreio. Conseguiram reduzir o custo da moradia da mãe apenas, mas ele acabou encontrando uma casa maior para ele, mulher e filhos.

“O proprietário da casinha que eu morava não queria dar desconto no aluguel. Acabei encontrando uma casa pelo mesmo preço, mas com dois quartos, pelo mesmo preço”, destacou.

Junior segue ajudando financeiramente a mãe com o pouco que ganha. Com as escolas fechadas, tem levado o carrinho de pipoca para a frente de um shopping no Recreio nos dias úteis, entre as 16h e as 21h. Aos finais de semana, percorre a orla da praia vendendo suas pipocas.

“Graças a Deus, está voltando ao normal, mas aos poucos”, disse.

Rudania dos Santos Dias da Silva, 38 anos, manicure

Rudania dos Santos não conseguiu pagar as contas do salão desde o começo da pandemia — Foto: Arquivo pessoal

Cinco meses após relatar sua batalha para manter seu salão em funcionamento e pagar as contas, a vida da manicure Rudania dos Santos Dias da Silva, de 38 anos, continua sendo uma luta diária pela sobrevivência.

Rudania conta que deve R$ 9,6 mil de aluguel do seu salão localizado na região central de São Paulo. Desde o começo da pandemia, ela não conseguiu pagar o aluguel nem as contas do estabelecimento. A saída foi pedir empréstimo para o banco e tentar negociar os valores.

“A proprietária só quer tirar o aluguel de um mês. Então fui atrás de banco para ver se consigo empréstimo, estou aguardando para poder renegociar com ela, não quero desistir, estou lutando”, diz.

A saída foi começar a fazer rifas para ter alguma renda e pagar parte das contas. Ela está conseguindo pagar a metade do valor do aluguel do apartamento onde mora, mas as demais contas estão atrasadas.

Rudania não conseguiu receber o Auxílio Emergencial. “Fiz de tudo para conseguir, foi negado várias vezes, aí desisti.”

E, apesar de ter reaberto seu salão na segunda semana de junho com promoção de preços nos serviços, o movimento está muito fraco. Com isso, ela teve que baixar a porcentagem paga aos três profissionais que trabalham com ela. “Está muito fraco, tem muita gente que não quer vir, está difícil, muito complicado”, lamenta.

Antes da pandemia, aos sábados, chegava a atender seis clientes. Agora, atende apenas uma. Em dia de semana o salão chega a ficar vazio. Rudania ainda conta com a ajuda de algumas clientes para despesas como cesta básica e medicamentos. “É com esse dinheiro que eu consigo sobreviver”, diz.

William Paiva, 38 anos, fotógrafo

William Paiva — Foto: Reprodução/Acervo Pessoal

Quando conversou com o G1 no estouro da pandemia, em maio, o fotógrafo William Paiva, de 38 anos, esperava sua primeira parcela do Auxílio Emergencial. Agora, aguarda seu último depósito de R$ 600 em novembro e terá direito a apenas mais um do calendário suplementar de R$ 300.

Em todo esse tempo, a renda foi composta pelo benefício e pelo seguro-desemprego de sua namorada, além de alguns bicos.

O serviço de entregas que iniciou naquela semana não foi para a frente. A cidade de São Paulo anunciou, pouco tempo depois, um rodízio que intercalava dias de proibição para placas com finais pares e ímpares, o que atrapalhou o serviço.

Quando a economia começou a reabrir, Paiva fez trabalhos pontuais como servente de pedreiro, pintor e pequenos reparos. A fotografia só voltou a dar algum faturamento no mês passado.

“Fiz dois eventos, um há cinco semanas e outro há três. Ainda assim, o cachê foi bem mais baixo do que o usual”, diz ele.

Com a lenta retomada do mercado, o fotógrafo procura emprego em sua área de especialidade, além de cenografia e no mercado editorial – em que tem formação acadêmica. O número de vagas abertas é maior, segundo ele, mas os retornos ainda são poucos.

Paiva reconhece que o leque de trabalho está aberto. Nesta semana, mandou currículo para uma vaga de bartender, função que exercia como fonte extra de dinheiro em outros tempos, mas o setor é um dos que ainda sofre bastante com a pandemia.

“Está difícil ter trabalho nessa área porque as casas estão trabalhando com equipes bem reduzidas. E, se precisam contratar, dão preferência para quem está com mais prática”, diz Paiva.

Débora Farias, 43 anos, doméstica

Débora Farias — Foto: Arquivo Pessoal

A empregada doméstica Débora Farias, de 43 anos, está conseguindo sobreviver graças ao Auxílio Emergencial que ela conseguiu em maio. Ela deve receber a quinta e última parcela de R$ 600 neste mês. O marido também conseguiu o benefício, mas por enquanto só recebeu uma parcela. Débora ainda não sabe se terá direito às parcelas adicionais de R$ 300.

As faxinas estão voltando aos poucos, mas Débora ainda conta com a ajuda de alguns clientes que continuam pagando mesmo preferindo não ter o serviço.

A pandemia atingiu em cheio a renda de sua família. Em maio, quando deu entrevista ao G1, ela contava com metade do ganho mensal porque, mesmo sem as faxinas, ela recebeu o dinheiro dos clientes fixos.

Seu marido, que é trabalhador da construção civil, ainda está desempregado, mas está conseguindo fazer bicos de “faz tudo”, principalmente de pedreiro.

Graças a esses recursos “picados” que estão entrando, não está faltando nada para os filhos de 7 e 14 anos, mas a família continua priorizando os gastos com alimentação e higiene. As contas da casa estão em dia.

Débora conseguiu prorrogar o financiamento da casa em que moram na periferia da Zona Norte de São Paulo. Mas a luta para conseguir baixar os juros continua. “Apesar das dificuldades, já deu uma melhorada boa com o Auxílio”, diz.

Com o fim do auxílio emergencial em dezembro, 38 milhões ficarão sem ajuda do governo em 2021

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Fonte: G1