As mudanças climáticas vêm favorecendo o fungo causador da brusone, principal doença que afeta a produção de trigo. Segundo estudo, ela tem potencial de afetar 13,5 milhões de hectares e risco de reduzir em 13% o volume produzido do cereal no mundo.
As projeções são do estudo Production vulnerability to wheat blast disease under climate change, que traduzido significa “Vulnerabilidade da produção de trigo à brusone sob mudanças do clima”, publicado na Nature Climate Change.
Brusone na produção mundial de trigo
A brusone é considerada uma das doenças mais devastadoras do trigo no mundo. Ela é causada por um fungo, o Pyricularia oryzae Triticum (Magnaporthe oryzae patótipo Triticum), que ataca folhas e espigas, com danos que podem comprometer até 100% do rendimento no trigo.
Para o pesquisador da Embrapa Trigo (RS) José Maurício Fernandes, o desenvolvimento do fungo da brusone é favorecido por altas temperaturas e umidade, condições presentes em países de clima tropical e subtropical. Segundo ele, o que tem chamado a atenção é a incidência da doença também em condições de clima frio ou mesmo com baixa umidade.
Nos últimos anos, lavouras com brusone têm sido observadas ao norte de Bangladesh, onde o fungo sobrevive ao clima seco e às baixas temperaturas durante a safra de trigo, especialmente em função de as temperaturas mínimas terem subido nos últimos anos.
As temperaturas mais altas no inverno gaúcho também impulsionaram surtos localizados de brusone na safra de trigo 2023 no Rio Grande do Sul, principalmente na região noroeste do estado, onde as temperaturas mínimas estiveram acima de 15 °C ao longo da safra.
“Num cenário de mudanças climáticas globais, com aumento de temperaturas e variação do regime de chuvas, o fungo vai encontrar novos ambientes para se instalar”, prevê o pesquisador, lembrando que a dispersão dos esporos do fungo pode ser pelo vento ou pelo comércio internacional por meio de grãos e sementes contaminadas.
Disseminação de Brusone
Em trigo, o microrganismo causador da brusone foi identificado pela primeira vez no Brasil, em 1985, em lavouras do estado do Paraná, mas a doença rapidamente disseminou-se para outros estados brasileiros (Mato Grosso do Sul, São Paulo, Goiás e Minas Gerais), além de diferentes países da América do Sul.
A partir dos cenários do futuro do clima, projetados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), pesquisadores das áreas agronômicas e da ciência da computação utilizaram técnicas de modelagem e simulação para estimar os possíveis impactos da disseminação da brusone, nos diversos continentes onde o trigo é cultivado, considerando um ambiente de mudanças climáticas que favorece a doença.
Os pesquisadores utilizaram o modelo DSSAT Nwheat, desenvolvido na Universidade da Flórida com diversos centros de pesquisa no mundo, analisando variáveis como aumento das temperaturas, umidade relativa do ar e elevação do CO2 na atmosfera. Para estimar cenários, foram utilizados registros históricos de dados entre 1980 e 2010, projetando mudanças climáticas para o período de 2040 a 2070.
Brusone pode chegar a todos os continentes
Com exceção da Antártida, a brusone do trigo pode se favorecer com as mudanças climáticas e chegar a todos os continentes. Nos países da América do Sul onde o problema já ocorre, as áreas de trigo vulneráveis à doença passariam de 13% para 30%, com risco de a doença chegar às lavouras de trigo dos Estados Unidos, México e Uruguai (América); Itália, Espanha e França (Europa); Japão e sul da China (Ásia); Etiópia, Quênia e Congo (África); Nova Zelândia e oeste da Austrália (Oceania).
Nas condições atuais, a brusone já representa ameaça a 6,4 milhões de hectares de trigo no mundo. Em um cenário de mudanças climáticas, por volta de 2050, a doença poderia afetar 13,5 milhões de hectares, resultando em redução de 13% na produção mundial de trigo, com perdas que podem chegar a 69 milhões de toneladas de trigo por ano.
“Existem diversas iniciativas no mundo tentando conter a doença, desde o melhoramento de plantas, biotecnologia, estratégias de controle químico e manejo da cultura, mas ainda não conseguimos sucesso total capaz de erradicar o problema da brusone das lavouras de trigo. A resiliência às mudanças climáticas exige o preparo com base em projeções capazes de orientar a tomada de decisão para minimizar as perdas por brusone no trigo e garantir a segurança alimentar do planeta”, conclui Fernandes.