“Aqueles que não se lembram do passado estão condenados a repeti-lo.” Popularizada pelo pensador hispano-americano George Santayana (1863-1952), a frase acima é de uma racionalidade difícil de ser contestada. Entre os políticos brasileiros, porém, encontramos uma versão piorada dos desmemoriados citados por Santayana. Há aqueles que se recordam bem de erros do passado mas, infelizmente, se mostram dispostos a repeti-los. No assunto privatização, esse é o caso da nova gestão petista. Mesmo antes de assumir o governo, o presidente Lula voltou suas baterias para a já concluída transferência do controle da Eletrobras, a qual chamou de “um crime de lesa-pátria”, como se, nas mãos do Estado, diversas ilegalidades não tivessem sido cometidas contra o Erário (além, é claro, da absoluta falta de competência para tocar projetos na área). Em outra frente, nomes graúdos do governo têm pressionado a Petrobras a não repassar ativos já negociados para outras empresas. Enfim, um colossal retrocesso. Para piorar, até o marco do saneamento corre risco. Defendida por membros da atual administração, uma revisão do texto pode dar mais tempo para empresas estaduais ou municipais manterem sem licitação contratos com prefeituras, algo injustificável depois de décadas de fracassos da iniciativa pública em atingir metas de universalização.
Ninguém imaginaria que, de volta ao poder, o petismo teria se convertido em ferrenho defensor da iniciativa privada. Mas as reservas que os seus políticos mantêm frente a esses investimentos — curiosamente, num momento de contas públicas bastante fragilizadas — ultrapassam o razoável. A insistência em acreditar no Estado como o único capaz de ser um grande indutor do crescimento da economia vai contra todas as evidências práticas e teóricas. Como estaria o setor de comunicações brasileiro se tivesse seguido, até hoje, trajetória similar à do setor de saneamento? No fim dos anos 90, a Telebras chegava a levar anos para instalar linhas de telefonia fixa. Nas mãos da iniciativa privada, a eficiência finalmente foi alcançada: o Brasil possui hoje 40 milhões de linhas de celular a mais do que o seu número de habitantes. No setor de mineração, a Vale atualmente paga 45 bilhões de reais em impostos anuais e emprega mais de 70 000 pessoas. Em 1997, tinha 15 000 funcionários e o faturamento era de apenas 3 bilhões de reais.
Na concepção mais atual de atuação do Estado, ele pode ajudar em alguns setores, regulamentando as empresas que assumem serviços como a administração de estradas ou abastecimento de água, ficando mais livre assim para concentrar energia e investimentos em áreas essenciais como saúde e educação. No ideário petista, no entanto, vigora ainda uma certa ojeriza ao modelo. Esse dogmatismo, vale ressaltar, se contrapõe hoje ao esforço de vários governadores na direção contrária. Em São Paulo, Tarcísio de Freitas luta no momento para concretizar a privatização do Porto de Santos, ainda sob risco de naufragar diante da oposição do presidente.
Enquanto escala seus ministros para embarreirar projetos como esse e congelar privatizações óbvias e urgentes, como a dos Correios, Lula sonha em reviver o PAC. Um estudo recente da consultoria Inter.B mostrou que o programa prioritário de investimentos das gestões petistas teve um impacto direto e indireto de apenas 1,23% do PIB, anualmente, entre 2007 e 2014 (bem menos do que se alardeava anteriormente). Por último, mas não menos importante, o Estado grande foi terreno que semeou diversos escândalos de corrupção, servindo de cabide de empregos para políticos mais interessados em arrecadar recursos para o próprio bolso do que em fazer o Brasil crescer. A avalanche de denúncias, aliás, levou o partido ao ponto mais baixo de sua história e à prisão de muitos dos seus correligionários. Portanto, é surpreendente constatar que, depois de tudo isso, a atual administração continue disposta a repetir os mesmos erros do passado.
Publicado em VEJA de 12 de abril de 2023, edição nº 2836
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