Bônus a servidor do INSS para acelerar análise de processos prejudica cidadão, conclui CGU | Economia


A conclusão é de um relatório de auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) tornado público na semana passada a partir de uma análise do trabalho do órgão entre 2015 e o primeiro trimestre de 2020.

De acordo com o relatório da CGU, analistas deixam, por exemplo, de solicitar informações e documentos adicionais aos segurados, a fim de acelerar a tramitação e concluir os processos mais rapidamente para ganhar o bônus. Com isso, o processo pode ser concluído sem o atendimento de um pedido válido do cidadão.

O Bônus de Desempenho Institucional por Análise de Benefícios com Indícios de Irregularidade do Monitoramento Operacional de Benefícios (BMOB) foi criado em uma das primeiras medidas provisórias editadas por Jair Bolsonaro, em 18 de janeiro de 2019.

O programa prevê o pagamento de um bônus financeiro aos analistas do INSS para cada processo analisado além da jornada regular de trabalho.

Na exposição de motivos da medida que criou o benefício, o governo afirmava que o bônus se apresentava “como um instrumento de gestão para aumento da produtividade e para conciliar a necessidade de atenção do INSS com os processos concessórios e o combate a fraudes e irregularidades, aumentando a capacidade operacional da autarquia”.

Criado originalmente para durar até o fim de 2020, o programa foi prorrogado até o fim de 2022.

A auditoria encontrou efeitos positivos do programa em termos de produtividade, com aumento no número de casos analisados e redução na fila de benefícios aguardando decisão.

Mas os auditores da CGU também estudaram amostras de processos anteriores ao programa, concluídos dentro do programa (e, portanto, gerando recebimento do bônus) e uma amostra específica, feita pelos dez servidores com maior produção dentro do programa.

O resultado foi a identificação de problemas que, segundo a CGU, estão prejudicando os cidadãos.

Um exemplo é a solicitação de informações. Mais da metade (55,1%) dos processos analisados dentro do programa de bônus precisaria de mais documentos ou informações dos interessados para uma análise adequada, mas a requisição não foi feita ao cidadão.

Sem a requisição, pedidos adequados podem acabar rejeitados e pedidos inadequados, concedidos.

O percentual é ainda maior entre os dez servidores com maior produção dentro do programa, chegando a 59,55% dos casos analisados.

Entre os processos concluídos regularmente pelos analistas — sem o recebimento do bônus — esse percentual é de 36,87%.

Segundo o relatório, a falta dessa solicitação contraria a lei e causa prejuízos aos interessados nos benefícios.

Para os auditores, todos os percentuais verificados são elevados, mas o aumento dentro do programa indica um efeito negativo do bônus na análise.

“Os números anteriormente citados permitem identificar que a partir do BMOB houve um decréscimo nas iniciativas para sanear os processos, mediante a solicitação de outras informações necessárias aos requerentes, antes de emissão de posicionamento a respeito do direito ao benefício, o que pode ser justificado pelo interesse de conclusão do processo de forma célere”, explicam eles.

Os problemas não se restringem, no entanto, aos casos em que deixaram de ser solicitadas mais informações.

“Mesmo nos casos em que foram feitas exigências aos requerentes, estas não foram integralmente satisfatórias em razão de problemas com a clareza, pertinência e suficiência das informações requeridas (…) tendo-se ainda se identificado, no mesmo universo amostral, inobservância quanto ao prazo para atendimento da exigência e casos de ausência da ciência ao interessado quanto às pendências, o que dificulta, alonga o prazo e/ou impossibilita que o requerente regularize seu processo”, diz o documento.

Em manifestação durante o próprio processo de auditoria, o INSS informou que há regras claras para os servidores sobre a necessidade de solicitarem as informações aos cidadãos em caso de necessidade.

O órgão informou ainda à CGU ter criado e expandido um programa “cujo escopo é monitorar a qualidade da decisão nos requerimentos de benefícios administrados pelo INSS, de maneira a contribuir para a sua melhoria” e citou planejamentos para 2021 em relação a melhorias na gestão dos processos.

Para os auditores, as informações apresentadas pelo órgão trazem medidas que podem atender às recomendações, mas cujos efeitos ainda serão avaliados no futuro.

Brasil tem quase dois milhões de processos na fila do INSS

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Os processos analisados dentro do programa de bônus apresentam ainda outros problemas com mais frequência do que aqueles analisados regularmente.

É o caso, por exemplo, da falta de inclusões, exclusões ou modificações de dados cadastrais, o que ocorreu em 9,06% dos casos regulares analisados. Entre os processos do BMOB, esse percentual mais que dobrou, chegando a 20,65%, e alcançando um terço de todos os processos analisados entre aqueles feitos pelos servidores com maior produção no programa de bônus.

Outros pontos levantados pela CGU tratam da falta de estudos anteriores sobre a viabilidade do programa e em relação à capacitação dos servidores.

Isso porque, pelas regras do programa, servidores que não atuassem ordinariamente na análise de benefícios só poderiam participar do programa após treinamento específico. Mas, segundo a CGU, o INSS não conseguiu demonstrar que isso foi feito para todos os servidores.

“A ausência de tais iniciativas contribui para a fragilização das análises realizadas e, eventualmente, potencializa a ocorrência de erros no posicionamento da Autarquia perante os segurados, sendo relevante considerar que essa situação é mais sensível quando se considera que o INSS não possui uma adequada estrutura de controle e de monitoramento de suas atividades de análise de requerimentos de direitos”, concluem os auditores.

Os auditores alertam para o fato de que as “fragilidades” encontradas não só prejudicam os cidadãos como podem gerar prejuízos ao próprio governo, já que análises deficientes podem levar ao retrabalho, em um recurso no próprio INSS ou até à judicialização. E registram que os problemas identificados já haviam sido verificados por outros órgãos de controle.

“Há harmonia entre os resultados da avaliação das amostras realizadas nesta Auditoria e os apontamentos consignados nos documentos produzidos pelo TCU e pelo MPF, que apontam instrução inadequada dos processos administrativos e exames superficiais, deficientes e inadequados, tendo como decorrência, como já enfatizado, a penalização do cidadão e ônus para diversas instituições da Administração pública”, diz o relatório.

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Fonte: G1