As ‘impressões digitais’ ocultas nas fotos que revelam mais do que você imagina | Tecnologia


No dia anterior, Trump havia anunciado que havia contraído Covid-19 — e estas fotos aparentemente foram divulgadas para mostrar que ele estava com a saúde boa.

Sua filha Ivanka tuitou uma das imagens com a legenda: “Nada pode impedi-lo de trabalhar para o povo americano. IMPLACÁVEL!”

Mas os observadores mais atentos notaram algo incomum.

Duas fotos de Trump no hospital militar em que foi internado com Covid-19 — Foto: EPA/JOYCE N BOGHOSIA/THE WHITE HOUSE

As fotos foram tiradas em duas salas diferentes do hospital militar Walter Reed. Em uma delas, Trump está de paletó, na outra apenas de camisa.

Junto a declarações públicas sobre seu bom estado de saúde e ética profissional, a insinuação era que ele havia se dedicado às funções presidenciais o dia todo, apesar da doença.

Os registros de data/hora das fotos, no entanto, diziam outra coisa. As imagens foram tiradas com 10 minutos de intervalo.

É claro que existem outras explicações possíveis para o fato de terem sido tiradas tão próximas uma da outra. Talvez o fotógrafo só tivesse acesso por 10 minutos, e de repente Trump sempre teve a intenção de trocar de cômodo durante aquele intervalo de tempo.

Mas a Casa Branca não deve ter ficado muito contente ao saber que as pessoas notaram os registros de data/hora.

Isso levou os meios de comunicação e comentaristas a questionar se as imagens haviam sido encenadas para uma sessão de fotos com o objetivo de passar uma mensagem política, e a duvidar se Trump realmente estava trabalhando tão “implacavelmente” no fim das contas.

Não foi a primeira vez que informações ocultas em uma foto digital levaram a consequências indesejadas. Basta perguntar a John McAfee, fundador do software de antivírus de mesmo nome.

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Repórteres da revista Vice localizaram McAfeee e publicaram uma foto dele na internet, com o título “Estamos com John McAfee agora, otários”.

No entanto, sem que eles percebessem, os dados de localização incorporados na foto revelaram inadvertidamente que McAfee estava na Guatemala. Ele foi logo encontrado e detido.

Estes são apenas dois exemplos de como as informações ocultas nas fotos digitais podem revelar muito mais do que os fotógrafos e as pessoas retratadas esperam.

Será que suas próprias fotos estão compartilhando mais detalhes por aí do que você imagina?

John McAfee fala com jornalistas na Suprema Corte da Guatemala depois que sua localização foi revelada por uma foto — Foto: Johan ordonez/Getty images

Quando você tira uma foto, seu smartphone ou câmera digital armazenam “metadados” no arquivo de imagem.

Eles se inserem automaticamente e parasitariamente em cada foto que você tira.

São dados sobre dados, fornecendo informações de identificação, como quando e onde uma imagem foi capturada e que tipo de câmera foi usada.

Não é impossível limpar metadados usando ferramentas disponíveis gratuitamente como o ExifTool.

Mas muita gente nem sequer se dá conta de que os dados estão lá, muito menos de como podem ser usados, então não se preocupa em fazer nada a respeito antes de postar imagens online.

Algumas plataformas de rede social removem informações como geolocalização (apenas da visualização pública, no entanto), mas muitos outros sites não.

Essa falta de conhecimento tem se mostrado útil para os investigadores da polícia, à medida que ajuda a associar criminosos desprevenidos a determinadas cenas.

Mas também representa um problema de privacidade para os cidadãos cumpridores da lei, se as autoridades forem capazes de rastrear suas atividades por meio de imagens em suas câmeras e redes sociais.

E, infelizmente, criminosos experientes podem usar os mesmos truques que a polícia: se eles são capazes de descobrir onde e quando uma foto foi tirada, isso pode te deixar vulnerável a crimes como assalto a residência ou assédio.

Mas os metadados não são a única coisa escondida em suas fotos.

Também existe um identificador pessoal único que associa cada foto que você tira à câmera específica que foi usada, mas é algo que você provavelmente jamais imaginou.

Até mesmo fotógrafos profissionais podem não perceber ou se lembrar que ele está lá.

Para entender o que é esse identificador, primeiro você precisa entender como uma foto é capturada.

O sensor de imagem é vital para cada câmera digital, incluindo aquelas dentro de smartphones.

Ele é composto por uma matriz de milhões de diodos fotossensíveis, chamados photosites, de silício — que são cavidades que absorvem fótons (luz).

Devido a um fenômeno conhecido como efeito fotoelétrico, a absorção de fótons faz com que um photosite lance elétrons.

A carga elétrica dos elétrons emitida por um photosite é medida e convertida em um valor digital.

Isso resulta em um valor único para cada photosite, que descreve a quantidade de luz detectada. E é assim que uma foto é formada. Ou, etimologicamente falando, um desenho com luz.

No entanto, devido a imperfeições no processo de fabricação dos sensores de imagem, as dimensões de cada photosite diferem ligeiramente.

E quando combinada com a inerente falta de homogeneidade do seu material, o silício, a capacidade de cada photosite de converter fótons em elétrons varia.

Isso resulta em alguns photosites serem mais ou menos sensíveis à luz do que deveriam ser, independente do que está sendo fotografado.

Portanto, mesmo que você usasse duas câmeras da mesma marca e modelo para capturar uma superfície uniformemente iluminada — onde cada ponto da superfície tem o mesmo brilho — haveria diferenças sutis únicas para cada câmera.

As diferentes sensibilidades dos photosites criam um tipo de marca d’água imperceptível na imagem.

Embora não seja intencional, ela age como uma impressão digital, exclusiva do sensor da sua câmera, que é impressa em cada foto que você tira. Assim como os flocos de neve, não há dois sensores de imagem iguais.

Na comunidade forense de imagem digital, esta impressão digital do sensor é conhecida como “não-uniformidade da resposta fotográfica”.

E é “difícil de remover, mesmo quando alguém tenta”, diz Jessica Fridrich, da Binghamton University, no estado de Nova York , nos EUA.

É inerente ao sensor, ao contrário de recursos como metadados de fotos, que são “implementados intencionalmente”, explica.

A vantagem da técnica de impressão digital não-uniforme é que ela pode ajudar pesquisadores como Fridrich a identificar imagens falsas.

Por princípio, as fotos constituem uma rica referência para o mundo físico e, portanto, podem ser utilizadas por seu valor probatório, uma vez que retratam o que é.

Os sensores das câmeras digitais contêm pequenas imperfeições que agem como uma impressão digital — Foto: Getty Images/BBC

No entanto, em meio à atual onda de desinformação — agravada pela ampla disponibilidade de softwares de edição de imagens — é cada vez mais importante conhecer a origem, integridade e natureza das imagens digitais.

Fridrich patenteou a técnica de impressão digital de fotos, e ela foi oficialmente aprovada para uso como evidência forense em processos judiciais nos Estados Unidos.

Isso significa que os investigadores podem identificar áreas manipuladas, associá-las a um dispositivo de câmera específico ou estabelecer seu histórico de processamento.

Fridrich acredita que essa tecnologia também pode ser usada para revelar imagens falsas geradas por inteligência artificial, conhecidas como deepfakes.

E pesquisas preliminares corroboram isso. A característica distintiva de um deepfake é seu fotorrealismo.

Após ganharem notoriedade em 2018, devido ao seu uso em vídeos pornográficos, os deepfakes representam uma ameaça tangível ao ecossistema da informação.

Se não formos capazes de diferenciar entre o que é real e o que não é, então todo conteúdo consumido pode ser razoavelmente colocado em dúvida.

Na era da pós-verdade, a capacidade de detectar o que é falso é, sem dúvida, uma evolução positiva.

Mas, ao mesmo tempo, métodos como o da impressão digital de fotos podem “ter usos positivos e negativos”, diz Hany Farid, professor de engenharia elétrica e ciências da computação na Universidade da Califórnia em Berkeley e especialista em análise forense de imagens digitais.

Embora Farid tenha usado a técnica de não-uniformidade para vincular fotos a câmeras específicas em casos de abuso sexual infantil — um benefício evidente —, ele também adverte que, como “com qualquer tecnologia de identificação, é preciso tomar cuidado para garantir que não seja mal utilizada” .

Isso é particularmente pertinente para indivíduos como ativistas de direitos humanos, fotojornalistas e delatores, cuja segurança pode depender do seu anonimato.

De acordo com Farid, essas pessoas poderiam ser “identificadas ao vincularem uma imagem ao seu dispositivo ou a imagens postadas [online] anteriormente”.

Quando consideramos essas questões de privacidade, podemos traçar paralelos com outra tecnologia.

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Muitas impressoras coloridas adicionam pontos de rastreamento secretos aos documentos: pontos amarelos praticamente invisíveis que revelam o número de série da impressora, assim como a data e a hora em que um documento foi impresso.

Em 2017, esses pontos podem ter sido usados ​​pelo FBI, a polícia federal americana, na identificação de Reality Winner como fonte do vazamento de um documento da Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês), que detalhava a suposta interferência russa na eleição presidencial de 2016 nos EUA.

Independentemente da sua opinião sobre a denúncia de irregularidades, essas técnicas de vigilância podem afetar a todos nós. A Comissão Europeia manifestou preocupação, sugerindo que tais mecanismos podem corroer o “direito de um indivíduo à privacidade e à vida privada”.

Se considerarmos as impressões digitais das fotos como equivalentes ao número de série de uma impressora, isso nos leva a perguntar se a não-uniformidade da resposta fotográfica também viola o direito do indivíduo à proteção de seus dados pessoais.

Apesar da nossa predisposição crônica a nos expor na internet, nos reservamos veementemente ao direito à privacidade.

Por princípio, as pessoas devem ser capazes de decidir até que ponto as informações sobre si mesmas são comunicadas externamente.

Mas, à luz do que sabemos agora sobre o rastreamento de fotos forenses, essa autonomia pode ser apenas um controle ilusório.

Os metadados padrão são bem difíceis de evitar — você precisa limpá-los depois, e a única informação que você pode impedir de ser criada em primeira instância é a geolocalização da foto.

A não-uniformidade da resposta fotográfica, no entanto, é muito mais difícil de extrair. Tecnicamente, deveria ser possível suprimir, por exemplo, ao reduzir a resolução da imagem, diz Farid. Mas, em quanto?

É claro que isso depende de muitos fatores, como o tipo de dispositivo usado para a captura da imagem, assim como o algoritmo de correspondência de impressão digital empregado. Não existe uma solução única para a remoção de impressões digitais.

Então, até que ponto devemos nos preocupar com a não-uniformidade da resposta fotográfica do ponto de vista ético?

Quando perguntei a Fridrich sobre as implicações de suas várias aplicações, ela observou com franqueza: “Um carpinteiro pode fazer maravilhas com um martelo, mas um martelo também pode matar”.

Embora ninguém esteja dizendo que os dados ocultos nas fotos podem ser fatais, a questão é que essa é uma técnica que pode causar danos nas mãos erradas.

Você não precisa ser Donald Trump ou John McAfee para ser afetado pelos metadados e impressões digitais das imagens.

Portanto, da próxima vez que você tirar uma foto com seu smartphone, pare para refletir sobre o que está sendo capturado que você não é capaz de ver através das lentes.

* Jerone Andrews escreveu este artigo enquanto trabalhava como pesquisador na University College London (UCL), no Reino Unido, como parte de uma bolsa de estudos organizada pela Associação Britânica para o Avanço da Ciência



Fonte: G1