A relação de empresas e empregados que possuem algum tipo de transtorno crônico é um dos debates que ainda ganha destaque nas esferas da Justiça do Trabalho. De um lado, as empresas que, por vezes, precisam arcar com as faltas, a baixa produtividade e/ou processos disciplinares; do outro, o empregado, que pela sua atual condição necessita de tratamento, acolhimento e acompanhamentos médicos e psicológicos adequados.
As Justiças do Trabalho, no entanto, têm entendido que doenças crônicas não devem ensejar na dispensa por justa do empregado. Recentemente, um carteiro teve o pedido de reintegração concedido pela Justiça com base no entendimento de que alcoolismo é uma doença crônica. “O reconhecimento da dependência alcoólica como doença para fins o estabelecimento da dispensa discriminatória pelas empresas é uma construção jurisprudencial ocorrida nos últimos anos nos âmbitos dos Tribunais Superior do Trabalho (TST) e Regionais do Trabalho (TRTs), em virtude do posicionamento firmado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre o tema”, esclarece o advogado Marcello Burle, especialista da área de Direito do Trabalho do Martorelli Advogados.
“Embora o caso recente tenha ocorrido com um carteiro, ou seja, uma empresa estatal, a classe dos carteiros é celetista, portanto, é importante salientar que o mesmo entendimento da Justiça do Trabalho valerá para todos os demais colaboradores que estão sob a proteção dos direitos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ou seja, também estão abarcados aos empregados de empresas da iniciativa privada”, destaca Burle.
O advogado ressalta que a decisão que reintegrou o profissional à atividade segue a jurisprudência atual do tema. “O entendimento é que os portadores de dependência alcoólica são considerados doentes crônicos e que, portanto, devem passar por tratamento médico durante o seu contrato de trabalho. Para o TST, a dependência é uma questão de saúde”.
Segundo Burle, mesmo sendo um tema sensível e, para muitos, particular do colaborador, as empresas têm papel fundamental no auxílio deste profissional que sofre com algum tipo de dependência crônica, seja por álcool ou substâncias psicoativas. “As empresas, em respeito à responsabilidade social do empregador, devem ajudar os dependentes a fim de auxiliá-los durante o tratamento”, explica. “Mais do que auxiliar, há casos mais graves em que a empresa pode e deve encaminhar o empregado ao INSS para que este goze de benefício previdenciário até a sua recuperação”, acrescenta.
Entretanto, outra questão que se coloca nesse tipo de situação é a da relação entre empresa e colaborador no dia a dia e no que acarreta quando se refere à produtividade durante o período de trabalho. “Nestes casos, é muito comum que o colaborador nessa situação tenha ausências do trabalho ou mesmo cometa alguma infração ou erro em sequência”, explica Burle. “Mesmo nessas situações, a empresa pode e deve agir contra as faltas e demais comportamentos cometidos pelos trabalhadores, desde que respeitando o seu estado de saúde e o previsto nas normas”.
As normas em questão são a CLT, as normas coletivas e as normas internas das empresas. “Sobre o que está previsto nas normas, é importante salientar que os empregadores utilizem da proporcionalidade entre a falta cometida e pena aplicada, não podendo, por exemplo, aplicar a pena de justa causa em uma transgressão leve”, comenta o especialista.
Mas e as empresas que suspeitem que o colaborador seja um dependente químico? Estas podem, por exemplo, exigir de forma unilateral algum tipo de teste toxicológico? Segundo o advogado Marcello Burle, estas também são questões sensíveis e polêmicas neste tipo de relação entre empregado e empregador. “Salvo algumas exceções, a legislação brasileira não é clara em relação a exames toxicológicos. A jurisprudência atual entende que a exigência desse tipo de exame ao empregado pode acarretar, inclusive, em indenização por danos morais”, ressalta.
Por fim, o advogado Marcello Burle, da área de Direito do Trabalho do Martorelli Advogados, destaca que a dependência de álcool e/ou drogas precisa ser reconhecida como doença crônica por meio de atestado médico válido. “Nesse caso, para a integridade das partes, é importante registrar que o reconhecimento pode ser realizado pelo próprio médico do trabalho da empresa, quando da elaboração dos exames periódicos ou demissionais”, finaliza.