A onda (e os riscos) dos cartões de benefícios flexíveis


Há aproximadamente duas décadas, chegou no Brasil a prática da concessão de cartões eletrônicos de incentivos, nos quais as empresas ofereciam um potencial de ganho aos trabalhadores com base em campanhas de marketing de incentivo (incremento da produtividade).

O mote da concessão dos cartões eletrônicos era a sua flexibilidade de utilização pelo beneficiário: de postos de combustível, passando por lojas de conveniência, até a troca por bens e serviços em lojas virtuais.

Contudo, a utilização dessa ferramenta foi desvirtuada, passando a servir de mecanismo para o pagamento de verbas remuneratórias sem o recolhimento de encargos trabalhistas e tributos. Aliás, foi por esse motivo a Receita Federal realizou uma grande operação, que resultou na lavratura de milhares de autuações fiscais (para a cobrança dos tributos) e centenas de representações fiscais para fins penais (para a apuração de crime contra a ordem tributária e de sonegação de contribuições previdenciárias). 

Algumas propostas legislativas foram apresentadas com o intuito de oferecer segurança jurídica às empresas contratantes dos cartões de incentivo, mas a elevada possibilidade de redução de garantias trabalhistas e de tributos gerou o seu insucesso.

O “trauma” foi tamanho que os cartões eletrônicos de premiação praticamente desapareceram do país.

Por outro lado, a concessão de cartões eletrônicos para o fornecimento de benefícios de alimentação e refeição só aumentou, seja por conta da sua praticidade, por conta do reconhecimento da sua validade pelos órgãos fiscalizadores ou até mesmo por conta da pandemia (que aumentou o consumo de refeições e alimentos em casa).

Além disso, a regulamentação da concessão de prêmios ocorrida no ano de 2017 (cujos aspectos foram por mim abordados em artigo publicado no Portal Contábeis) reanimou a utilização dos cartões eletrônicos, ganhando novos contornos por conta da pandemia.

De fato, o trabalho remoto mudou drasticamente as necessidades do trabalhador. Em vez de incorrer em gastos com deslocamento, passou a consumir mais energia elétrica, telefonia e internet na sua residência; em vez de consumir alimentos na empresa ou nos arredores, passou a consumir mais alimentos em casa (ou utilizar mais os aplicativos de entrega de refeições); em vez de incorrer em gastos com vestimentas destinadas ao trabalho presencial, passou a investir em mobiliários adequados ao trabalho em casa.

Cientes disso, muitas empresas passaram a buscar no mercado soluções capazes de atender aos anseios e necessidades de seus trabalhadores, o que resultou na atual “onda” de empresas que fornecem os cartões de benefícios flexíveis.

Os cartões de benefício flexível compreendem, de forma objetiva, a possibilidade da empresa aportar valores em um único cartão eletrônico para atender as mais diversas finalidades: alimentação, refeição, assistência médica, gastos com o home office, transporte, entre outros.

A solução é válida e extremamente recomendada, mas há um ponto de atenção que deve ser observado: de acordo com a legislação e jurisprudência em vigor, a forma de concessão do benefício é irrelevante para a definição da sua natureza jurídica (ao que nos interessa saber: se é ou não parte da remuneração dos trabalhadores), sendo de responsabilidade da empresa comprovar qual é a finalidade do benefício e garantir que seja devidamente utilizado pelo trabalhador. 

Em outras palavras, os valores aportados em um cartão eletrônico flexível, desprovidos de controle da sua destinação e utilização, tendem a ser considerados como parcelas de natureza remuneratória (sujeitas ao recolhimento de encargos trabalhistas e tributos).

Ademais, vale lembrar que, a depender da espécie de benefício concedido pela empresa, alguns requisitos devem ser atendidos para afastar o recolhimento das contribuições previdenciárias. Elencamos alguns deles abaixo:

TabelaDescrição gerada automaticamente

Conclusivamente, a recomendação é a de que a concessão dos cartões eletrônicos flexíveis seja precedida de uma política interna, na qual deverão estar discriminados os valores e as finalidades de cada um dos benefícios ali contidos.



Fonte: R7