A ‘bebida da quarentena’: entenda o mercado brasileiro de vinho e veja dicas para começar a degustar | Agronegócios


Em 2020, durante o isolamento social, o consumo de vinho entre os brasileiros aumentou quase 20% segundo a Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV). Mais presente nos lares, a produção nacional também teve alta, que foi de 32,4%, quase 10% a mais do que os importados.

Esta elevação no consumo é justificada pela maior busca por prazeres em meio ao isolamento social, como aprender a fazer pão, assistir lives e, neste caso, usufruir mais de vinho, explica o professor de Harmonização de Vinhos na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e diretor técnico da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS-RS), Maurício Roloff.

Não somente uma bebida, o vinho foi encarado como um interesse cultural, tendo também um crescimento da busca por cursos online no ano passado, segundo o professor. Por causa disso, para ele, o vinho foi “a bebida da pandemia”.

Apesar da crescente qualidade do vinho brasileiro, a bebida até hoje leva fama de ruim devido a início precário. — Foto: Divulgação / Guatambu

A produção de vinhos chegou ao Brasil com os portugueses, ainda no século XVI e XVII, mas houve um pequeno problema: a região onde eles decidiram cultivar as videiras não era propícia e elas não se adaptaram.

A partir disso, deu-se início ao uso das uvas americanas ou de mesa, que são geralmente usadas para consumo in natura ou para sucos e não são muito apreciadas em vinhos. Hoje, o famoso garrafão é feito a partir delas, explica Rogerio Dardeau, escritor e especialista no setor.

Em 1875, com a chegada dos italianos na Serra Gaúcha, onde videiras começaram a se adaptar melhor, a produção se tornou próspera.

Veja dicas para começar a apreciar vinhos:

Dicas para iniciantes em vinho: veja como escolher a bebida

Dicas para iniciantes em vinho: veja como escolher a bebida

Com o tempo o vinho brasileiro não melhorou muito. O diretor técnico da ABS-RS, Maurício Roloff, relata que até as décadas de 80 e 90 havia um grande protecionismo econômico que desestimulava os produtores a melhorarem seus vinhos pela falta de concorrência.

Para o diretor, quando houve a abertura econômica e os vinhos importados ganharam mais espaço, o mercado nacional teve que se adaptar. Além disso, ocorreu a chegada de mais maquinários, fazendo com que as vinícolas brasileiras se tornassem parques fabris, com uma estrutura tecnológica moderna.

“O que pesa sob o vinho brasileiro é a boa fama dos importados. A gente tem essa visão de que sendo importado é bom. É um histórico de antigamente, que os vinhos brasileiros, há 30 anos atrás, não tinham a qualidade de hoje”, comenta.

“Mas a pessoa que degustou o vinho brasileiro há 30 anos e desistiu não pode dizer que conhece o vinho brasileiro, porque hoje ele tem alta qualidade”, completa Roloff.

Para Manoel Beato, sommelier do grupo Fasano, o vinho brasileiro tem sido aprimorado e se encontra um passo atrás do Chile e da Argentina.

“Estou há 35 anos nessa profissão, peguei toda virada, o que agora tem acontecido é uma evolução mais veloz, mais grupos têm investido”, comenta Beato.

Apesar do início sulista e de até hoje a Serra Gaúcha ser responsável por 80% de toda a produção nacional, as vinícolas têm se espalhado Brasil afora.

Essa expansão se deu graças ao agrônomo e enólogo mineiro chamado Murilo Alburquerque Regina. Ele percebeu, na década de 90, na região de Andradas, Minas Gerais, uma grande produção de vinhos, mas dos de mesa.

Depois de uma experiência na França, em Bordeaux, onde estudou os vinhos locais, Alburquerque percebeu que se quisesse ter uma uva fina, de alto padrão e mais usada para a produção de vinhos, precisaria alterar o ciclo da uva de maneira que ela usasse o tempo seco do inverno para ter o fruto, relata o escritor Dardeau.

Após estudar mais sobre como fazer essa inversão no Sul de Minas, Albuquerque teve êxito: “Ele aplica uma dupla poda, enganando a videira, e ao invés de seguir no ciclo para produzir o fruto no verão, ela produz no inverno”, conta Dardeau.

Com isso, as videiras puderam se reproduzir em regiões como São Paulo e Minas Gerais, onde o inverno é mais ameno. O modelo deu certo e foi se expandindo mais, alcançando o Espírito Santo e a Bahia, por exemplo.

“A partir dos anos 2000 há uma mudança completa de cenário, aquele protagonismo do Rio Grande do Sul já cede espaço a outras regiões do Brasil”, explica Dardeau

Privilegiada pela localização, Andradas (MG) tornou-se referência na vitivinicultura, atividade que envolve o cultivo das vinhas e a fabricação do vinho e do suco da uva. — Foto: Reprodução/ Vinícola Casa Geraldo

Com o aumento do número de estados que produzem vinho, também cresceu o cardápio de sabores nacionais.

Manoel Beato, sommelier do grupo Fasano, explica que a nossa produção tem especificidades diferentes dos vinhos chileno e argentino, que são mais alcoólicos, densos e suaves, enquanto os do Brasil são mais secos.

Para ele, o vinho do Rio Grande do Sul, entre os brasileiros, é mais próximo do vinho europeu e tem se tornado mais fino.

O diretor técnico da ABS-RS, Maurício Roloff, conta que na Serra Gaúcha a característica marcante é a acidez e que se tratando dos vinhos brancos e espumantes isso é vital. Já no Nordeste há vinhos mais alcoólicos, encorpados e robustos.

A maior parte das vinícolas brasileiras são pequenas e familiares, conta Roloff. O mercado tem espaço para investimento, mas ainda assim, os novos empreendedores acabam tendo alguma relação com as organizações que já existem.

Considerada uma bebida cara por alguns, 60% do valor final de uma garrafa de vinho brasileira é imposto, sobrando cerca de 40% para custos, margem de lucro e para financiar os projetos, explica Roloff.

O consumidor, por sua vez, também tem o seu perfil. Segundo o diretor da ABS-RS, o paladar do brasileiro gosta de vinhos não tânicos, ou seja, sem aquela sensação de secura e amargor no final.

Há também uma preferência por vinhos mais alcoólicos, pesados no paladar, com um traço de doçura e de uvas que não sejam marcantes ou amargas.

Além disso, o especialista conta que os consumidores possuem um padrão na hora de escolher o que beber: primeiro a cor do vinho (branco, tinto ou rosé), depois de qual país a bebida vem e, por fim, o preço e a uva.

Maurício Roloff explica que os jovens estão cada vez mais interessados por vinhos e com eles há uma onda de tirar a formalidade que envolve esta bebida.

“Enquanto no passado era visto como uma bebida de ‘coroa’, para os pais tomarem nos jantares, hoje a gente vê jovens que se arriscam a escolher o que querem tomar, não deixam para os pais decidirem”, conta.

O especialista comenta que os jovens abrem mão dos protocolos, não se sentindo obrigados a terem uma taça específica para degustar e cumprirem rituais, também apresentam soluções simples: “Se o vinho tá quente, vou botar uma pedra de gelo e ele vai atingir a temperatura”.

Apesar da entrada das novas gerações, o vinho ainda é muito elitizado. Para romper isso, a Silvana Aluá fundou a Confraria das Pretas, que por meio de ações afirmativas busca popularizar a cultura do vinho entre a população negra.

“As pessoas falavam para mim: ‘eu gosto de vinho, mas quando vou a determinado empório, determinado restaurante, eu sou julgada pela minha cor de pele. Eles já falam o preço ou o segurança fica me seguindo no empório, eu me sinto incomodada, eu parei de querer saber mais sobre vinho'”, relata Silvana.

A partir daí ela começou a se reunir com amigos para fazer degustação. No início, ela indicava uma uva, e os participantes tinham que levar em um encontro vinhos feitos com ela, depois eles experimentavam e discutiam sobre as diferenças.

“A pessoa que entra lá [Confraria das Pretas] não vai ter uma aulinha, ela vai ter uma confraternização. Rola uma degustação de vinho, e rola também bate-papo, então dentro dessas degustações de vinho eu coloco algum tema ligado à nossa negritude, ou seja, as protagonistas desses encontros são as pessoas negras, que é foco da Confraria, a representatividade no vinho”, explica.

Durante a pandemia, encontros da Confraria das Pretas são virtuais. — Foto: Confraria das Pretas / Reprodução redes sociais.

Além disso, a Confraria também busca nacionalizar a forma de beber vinho, portanto no lugar de apreciá-lo com comidas italianas ou francesas, são usadas comidas do dia a dia: “A gente estava comprando os vinhos, vamos dizer assim, de fácil acesso, que tinham no supermercado, por que que eu ia fazer uma comida requintada?”, lembra.

Silvana contou que os encontros presenciais estão suspensos por conta da pandemia, mas continuam de maneira on-line.

Com tantas especificidades pode ser difícil encontrar um caminho para começar a beber vinho, Silvana dá uma dica de ouro para decidir se a compra será do vinho seco ou suave:

“Sempre gosto de falar: você gosta de tomar café seco ou com açúcar? Se gosta de açúcar no café, começa com meio seco. Se gosta de seco [café sem açúcar], começa com um Cabernet Sauvignon seco.”

Branco, rosé, espumante ou tinto?

Já em relação a cor, para diretor técnico da ABS-RS, Maurício Roloff o ponto de partida são os tintos, optando por uvas mais leves, refrescantes e amigáveis ao paladar, como a Pinot Noar ou Carbenet Franc.

Outra dica é montar o seu roteiro de experimentação. Para isso, dá para escolher uma uva, tomar 5 ou 6 vinhos dela e depois partir para outra, assim conhecendo bem cada uma, sugere o sommelier e professor na Associação Brasileira de Sommeliers, da The Wine School Brasil e da Wine & Spirits Education Trust, Gianni Tartari.

Compartilhar o vinho com outras pessoas e o conhecimento que for adquirindo também pode tornar a experiência mais divertida, segundo Roloff. Se o interesse aumentar, o sommelier recomenda cursos online para aprender mais.

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Fonte: G1