CVM investiga como Michel Temer ganhou meio bilhão com acidente de Mariana

Ex-presidente da República, Michel Temer (MDB) - Imagem: reprodução/Senado Federal
Ex-presidente da República, Michel Temer (MDB) – Imagem: reprodução/Senado Federal

CVM (Comissão de Valores Mobiliários) abriu recentemente uma investigação contra a M4, empresa focada em interessados na compra de cotas de um fundo que pretende levantar R$ 480 milhões para antecipar honorários advocatícios de um processo sobre o acidente de Mariana (MG). No entanto, um dos dois escritórios da empresa pertence ao ex-presidente Michel Temer.

De acordo com o jornal Folha de S.Paulo, a M4 não tem registro para operar no mercado, o que motivou a apuração da CVM. Segundo o prospecto do investimento enviado a potenciais interessados, a M4 explica que Temer e a CBM Advogados estão ligados a uma ação civil pública e cedentes do ativo — uma causa reparatória de R$ 120 bilhões para 585 mil moradores de cerca de 13 municípios afetados pelo acidente causado pela Samarco.

Pelo menos metade dos honorários da ação — que totalizariam R$ 1 bilhão — seriam cedidos pelos advogados e negociados na praça com um desconto de 62,45% do valor de face —o que resultaria em R$ 480 milhões pagos antecipadamente aos escritórios envolvidos na defesa da causa.

De acordo com os investigadores, o investidor interessado em entrar no negócio precisaria desembolsar ao menos R$ 37,5 mil (cota mínima). O retorno oferecido era de 55,65% ao ano ou 4,63% ao mês —quatro vezes mais que qualquer fundo de renda fixa do mercado.
DESDOBRAMENTOS

A CVM explicou que a aquisição e venda de créditos judiciais é uma modalidade de investimento que está sendo praticada com mais frequência por grandes corretoras. São os chamados ativos judiciais. Por sua vez, a Samarco e BHP tiveram ciência da oferta da M4 ao mercado e fizeram uma denúncia à CVM, pedindo que ela fosse interrompida.

Contudo, a suspensão ainda não ocorreu. Diante do acidente ambiental causado pelo rompimento da barragem do Fundão, em 2015, a Samarco decidiu fechar um acordo com autoridades públicas e as vítimas passaram a receber indenizações, por meio de um processo conduzido pela Renova, uma instituição independente criada com aval do Ministério Público (MP), para administrar a questão.

No Termo de Transação e Ajustamento de Conduta, ficou decidido que qualquer ação judicial de caráter indenizatório só poderá ser paga via Renova. No momento, as quatro associações representadas pelo ex-presidente Michel Temer somam praticamente toda a população já atendida pela Renova, o que levanta dúvidas sobre o sucesso da ação civil pública movida por elas.

Em nota divulgada à imprensa, Temer confirmou a parceria na ação civil pública e recomendou que o advogado Diego Carvalho, da CBM Advogados, esclarecesse o caso. Em entrevista à Folha, Carvalho disse que a ação se deve à inércia da Renova, que, desde 2016, ignora os danos causados à população pelo uso da água de tanfloc, substância cancerígena usada na mineração.

A defesa de Temer também declarou ser ele próprio o autor (patrono) da ação civil e ter contatado Temer no primeiro semestre de 2022, pela sua capacidade de negociação e visibilidade para a causa. A M4 teria procurado seu escritório em 2023, após o ingresso de Temer na causa.

Em relação à M4, ele adiantou: “Se a M4 atuou de forma irregular no mercado, isso não posso dizer”. O dono da M4, Paulo Rogério Barbosa da Silva, ainda não se manifestou sobre o caso. A Samarco, Vale e BHP também optaram pelo silêncio.

O QUE DIZ O GRUPO SAMARCO

“As empresas Vale, Samarco, e BHP,  apresentam alegações infundadas no processo para desviar o foco, pois a ação busca responsabiliza-las pela utilização clandestina de TANFLOC em superdosagem proibida no tratamento da água destinada ao consumo humano. O TANFLOC contém formaldeído (formol), produto este altamente cancerígeno de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Depois que o TANFLOC passou a ser utilizado na região atingida pelo desastre ambiental de responsabilidade das empresas, houve um aumento desproporcional no número de pessoas diagnosticadas com câncer, conforme apurado em perícia judicial. O laudo pericial informa que diversos produtos poderiam ser utilizados para tratar a água de forma segura para o consumo da população, todavia, preferiram usar o TANFLOC em superdosagem proibida, possivelmente, por ser o TANFLOC muito mais “barato” que os outros produtos que garantiriam a segurança da população. Ou seja, na escolha entre obter lucro e colocar a saúde da população em risco, as empresas escolheram aumentar suas margens de lucro, fazendo “economia irracional” ao colocar em risco a saúde dos moradores da região atingida. Quase 600 mil pessoas foram vítimas do uso indevido do TANFLOC em superdosagem proibida. A ação civil pública número 1074305-81.2021.4.01.3800, em trâmite no TRF6, busca reparar os danos sofridos por estas vítimas. Todavia, as empresas Vale, Samarco, e BHP, tumultuam o processo, criando incidentes infundados e temerários, com objetivo de difamar os advogados que defendem as vítimas e que buscam proibir a continuidade do uso indevido de TANFLOC em superdosagem proibida. As empresas tentam denegrir o “mensageiro” com intuito de enfraquecer a “mensagem”. Tratam a população como se fossem ratos de laboratório, e agora, fazem de tudo para desviar o foco do processo, visando garantir a impunidade pelos gravíssimos fatos que praticaram dolosamente contra a saúde pública da população que sofre amargamente as consequências do crime ambiental.”

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Fonte: Diário de SP
Fotos: divulgação