ADPF das Favelas e o equívoco do STF ao burocratizar a Segurança Pública no Brasil

Dr. Fernando Capano*
Mais uma etapa da “ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) das Favelas” ocorreu no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF). A rigor, o debate, bem como a decisão que sairá da Corte Constitucional buscam reduzir a letalidade policial no Rio de Janeiro e nos demais Estados da Federação brasileira, ditando parâmetros para as intervenções policiais.
Embora possa se louvar alguns aspectos da iniciativa, devemos considerar outros pontos acerca de sua eficácia e viabilidade. O ministro Edson Fachin, por exemplo, votou a favor da aprovação parcial do plano do governo carioca, ressaltando avanços, mas também a necessidade de ajustes no texto.
Os relevos centrais do voto do magistrado – redução da letalidade policial, revisão do uso da força e apoio psicológico a agentes da Segurança Pública — são, indiscutivelmente, medidas importantes. Contudo, sozinhas, não resolvem um problema tão complexo. A limitação do uso de helicópteros e as novas regras para buscas domiciliares certamente tornarão, ao meu ver, as operações excessivamente burocráticas, quase que administrativamente inviáveis.
A obrigatoriedade de ambulâncias em operações com possibilidade de confronto armado demonstra, por óbvio, preocupação com a preservação de vidas. Contudo, não enfrenta a raiz do óbice: a violência excessiva no contexto das grandes cidades e o crescimento exponencial dos grupos que se dedicam à prática do crime organizado.
Neste contexto, um ponto delicado que deve ser levado em consideração é o nível de interferência do STF em aspectos operacionais da Segurança Pública. Como órgão do Judiciário, a Corte não apresenta expertise técnica para definir táticas policiais – função que cabe ao Poder Executivo e às próprias Forças de Segurança (tecnicamente credenciadas para tal).
E mais: exigir justificativas individuais para o uso de aeronaves e/ou impor restrições rígidas às buscas domiciliares pode dificultar ações legítimas e necessárias, enfraquecendo, assim, o combate às organizações criminosas.
A operacionalização da Segurança Pública é dinâmica e exige respostas rápidas. Deste modo, decisões excessivamente engessadas e protocolares podem comprometer a proteção dos próprios moradores das comunidades, e não o contrário!
Além disso, o debate carreado na ADPF parte do pressuposto equivocado que todas as operações policiais deflagradas no País são potencialmente ilegais ou abusivas. Casos de violência desajustada precisam, sim, ser combatidos. Todavia, não se pode tratar toda ação policial como suspeita e imprópria.
O enfrentamento eficaz ao crime organizado no Brasil é urgente. Deste modo, restringir preventivamente a atuação das Forças de Segurança pode potencializar facções que aterrorizam, não de hoje, comunidades. Vale o equilíbrio: combater abusos e ilegalidades, mas sem inviabilizar o trabalho policial.
Admitamos a necessidade de uma fiscalização eficiente dos atos da Polícia, na lógica do devido processo legal. No entanto, sem um compromisso real dos governos (Estado) que possa emponderar a Segurança Pública, em comedimento com a tutela das garantias fundamentais, o plano aprovado pelo STF corre o risco de se tornar apenas um documento sem impacto real.
Ora: a violência policial no Rio de Janeiro e nas demais grandes cidades brasileiras não é apenas reflexo de ausência de regras viáveis e aplicáveis, mas, sim, da falta de políticas públicas eficazes nesta seara. O caminho para reduzir mortes não passa por uma judicialização excessiva da Segurança Pública, mas, sim, pelo fortalecimento do treinamento dos agentes, pelo aprimoramento dos mecanismos de controle interno e pela implementação de políticas que enfrentem diretamente as causas estruturais do crime.
Se estas mudanças não acontecerem, seja em médio ou a longo prazos, a decisão do STF pode acabar sendo mais uma demonstração da desconexão entre a Justiça e a realidade do dia a dia das “favelas”.
*Dr. Fernando Fabiani Capano é advogado; doutor em Direito do Estado, pela Universidade de São Paulo (USP) e pela Universidad De Salamanca (Espanha); mestre em Direito Político e Econômico, pela Universidade Mackenzie; especialista em Direito Militar, em Segurança Pública, e na Defesa de Agentes Públicos; professor de Direito Constitucional e de Direito Penal; e presidente da Associação Paulista da Advocacia Militarista (Apamil)