A afiada alegoria social e política do drama polonês ‘Supernova’


Com os dois filhos pequenos pela mão, a mulher anuncia ao marido que o está deixando. Em momentos, um acidente horrível acontece; o engravatado que dirigia o carrão olha a tragédia que provocou e sai andando — na direção oposta, celular na mão. Chega a ambulância, chega uma dupla de policiais; o mais velho deles fica transtornado com a cena que encontra. Um casal idoso, que viu tudo, chora. Curiosos se aglomeram, um grupo de rapazes atormenta a policial feminina. A essa altura já chegaram também os bombeiros e o chefe de polícia, que não sabe por onde começar a lidar com a batata quente que lhe caiu no colo. Um padre reza pelas vítimas; e, quando o motorista fugido volta pisando duro e dando carteirada, um linchamento começa a tomar forma. Em Supernova (Polônia, 2019), disponível no NOW e outras plataformas, o diretor Bartosz Kruhlik junta toda a Polônia na beira de uma estradinha regional, em uma manhã de domingo: trabalhadores, pessoas simples do interior, autoridades patrimonialistas e os burocratas que se dobram a elas, gente sem perspectiva, jovens ambiciosos, o clero, classes profissionais tolhidas tanto pelos vícios antigos quanto pelos recém-adquiridos do Leste Europeu. Até Deus comparece, na forma de um helicóptero que não consegue pousar, mas instala entre a multidão um clima de fatalismo e de exaustão. É uma catarse que em nada resulta.

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O drama como alegoria social e política foi durante décadas uma necessidade de um cinema cerceado pela censura dos regimes comunistas, mas se tornou também uma vocação e uma especialidade — na qual Kruhlik demonstra uma fluência, e uma urgência, que galvanizam a atenção. Aos poucos, percebe-se qual o elemento ausente do quadro em que ele mantém sem trégua a sua câmera: a classe média urbana. Não é que o diretor a tenha esquecido; é que ela olha a convulsão social à sua frente e dá meia-volta, indiferente, como se aquilo lhe fosse tão distante quanto a explosão de uma estrela em colapso. Não é só a Polônia que está ali na beira da estrada, enfim — é o mundo.

Publicado em VEJA de 12 de agosto de 2020, edição nº 2699

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Fonte: Jovem Pan