Douglas Mendonçai Douglas Mendonça https://motorshow.com.br/autor/douglas-mendonca/
19/04/2025 – 6:50
O Brasil comemorava o primeiro campeonato mundial de Fórmula 1 do nosso saudoso Ayrton Senna no início de 1989. O piloto brasileiro era só festas e aplausos, afinal de contas o país sabia que tinha nas mãos um profissional daqueles que daria muitas alegrias. Um de seus patrocinadores na época era o extinto Banco Nacional, que resolveu presentear o campeão pelo título com o recém-lançado VW Gol GTI, apresentado ao público meses antes, no Salão do Automóvel de 1988.
Compraram um exemplar do esportivo diretamente da Volkswagen. Mas, claro, quando a fabricante soube para quem ia o carro, resolveu fazer um único exemplar “perfeito”, como se fosse uma edição especial própria para Senna. A ideia era aplicar mimos e agrados de engenharia que o consumidor normal não teria direito.
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Na fábrica de Taubaté (SP), onde fica a unidade que produzia o Gol, escolheu-se uma carroceria daquelas de tolerância zero, pintada na bonita cor metálica Azul Mônaco. Tudo dentro da especificação original do projeto. Além disso, o conjunto motor/câmbio foi especialmente preparado pela engenharia da fábrica, com ambos os componentes escolhidos a dedo na linha de produção. Os dois, claro, nas melhores configurações: o motor 2.0 8v com injeção eletrônica de combustível tinha melhores resultados de potência e torque, enquanto a transmissão manual de cinco marchas produzia menos ruídos e garantia melhores trocas.
Era um belíssimo agrado para o nosso campeão, e, cá entre nós, para lá de merecido. O carro especial, bem como o powertrain escolhido a dedo, foi levado para a Ala Zero na fábrica de São Bernardo do Campo (SP), onde eram feitas as manutenções e serviços nos carros da frota da fábrica, e também onde eram resolvidos problemas mais sérios de consumidores comuns. Um departamento especialíssimo, comandado na época pelo diretor de pós-venda Ronaldo Berg, uma fera quando o assunto era carro e, principalmente, Volkswagen.
Pois esse carro foi levado à Ala Zero. Os mecânicos logo o ergueram no elevador, para fazer a troca de motor e câmbio originais (comuns), pelo tal conjunto escolhido pela engenharia. Com o carro ainda no chão, os funcionários começaram a desmontá-lo, retirando radiador e outros periféricos no habitáculo do motor. Tudo que era retirado, assim como as duas rodas e pneus dianteiros, era cuidadosamente guardado no porta-malas. Tiveram, inclusive, o cuidado de forrar o espaço de bagagens com papel manteiga, evitando riscos ou sujeiras.
Mas o porta-malas foi ficando lotado, e pesado, enquanto a dianteira ia perdendo peso a cada peça retirada. Pois bem. Após erguerem mais o carro no elevador, os mecânicos, com ferramentas especiais da fábrica, soltaram o conjunto motor/câmbio. Semi-eixo, coxins, e o powertrain foi desacoplado do carro. A ideia era, já em seguida, instalar novos motor e transmissão, aqueles especiais, escolhidos a dedo.
Só que, o que não esperavam, é que ali criou-se um tremendo desequilíbrio: dianteira leve, traseira pesada. Isso no alto de um elevador mecânico, tornou-se bem perigoso. Não é preciso ser engenheiro para concluir o que aconteceu: o peso excessivo no porta-malas fez com que o GTI desse uma “cambalhota” para trás no ar, quase como um malabarista. Caiu, com a capota para baixo, perto do elevador, uma tragédia! Por sorte, não havia ninguém ou nenhum outro carro por perto, e os danos foram só materiais. Mas o tal GTI, com carroceria escolhida a dedo, se estatelou no chão.
Depois do corre-corre e de perceber que não havia feridos, veio o outro pânico maior: dois dias depois, estava agendada a visita de Senna na fábrica, lá mesmo na Ala Zero, com a entrega do presente, que agora estava destruído. A toque de caixa, partiram escolher outro exemplar com carroceria tão boa quanto a do primeiro, e nela instalaram motor e câmbio “especiais”, já que esses não sofreram danos. Tempo recorde.
Dois dias depois, a entrega do presente aconteceu como esperado, e lá estava nosso campeão recebendo a chave do seu novo Gol GTI “zerinho” das mãos de diretores do Banco Nacional. Ronaldo Berg, fonte principal para essa história única, também estava presente. Claro que Senna nunca ficou sabendo da história do “suicídio malabarista” do primeiro GTI. Recebeu o carro com alegria, curtiu, agradeceu, mas quem amou mesmo o presente foi seu irmão Leonardo Senna.
“Léo”, como é mais conhecido, era quem rodava para cima e para baixo na Zona Norte da cidade de São Paulo, onde moravam os Senna, com o GTI especial do seu irmão. Pelo que apurei, o tal carro ficou na família do campeão até 1996, ou seja, por cerca de sete anos no total. Ou dois anos depois da morte de Ayrton. O GTI de Senna, irmão daquele malabarista que caiu do elevador, acabou sendo vendido, dizem, para um mecânico de uma oficina grande lá mesmo, na Zona Norte de São Paulo. É tido como relíquia, e permanece intocado, acreditem, em cima de um elevador, para que o peso não force o sistema de suspensão original.
“Original”? Sei de fonte limpa que nesse meio de caminho, entre 1989 e 1996, até turbo esse GTI de Senna ganhou. E quem curtiu essa verdadeira fera foi o Léo Senna, seu irmão, ao longo dos anos. Imaginem só o quanto vale esse tal carro nos dias de hoje, dado seu histórico: se um GTi Azul Mônaco pode chegar aos R$ 150 mil, esse, certamente, teria seu preço dobrado. Histórias de bastidores que ainda dão o que falar.
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