O novo Campo de Provas da Pirelli fica dentro de um terreno de 1.650.000 m², que já daria para fazer outra cidade! Fui lá acompanhar como é um dia na vida dos pilotos de teste de pneus. Atividade que exerci apenas como convidado em várias ocasiões aqui no Brasil e no exterior. O piloto de teste atende três tipos diferentes de solicitações:
1) Testar pneus novos para a indústria de motos – como o exemplo que dei acima
2) Testar pneus desenvolvidos pela própria Pirelli para abastecer o mercado de reposição.
3) Testar pneu quando muda qualquer coisa no processo de industrialização. E é qualquer coisa mesmo, até se pneu mudou a forma de ser transportado!
Vou continuar no item 1: desenvolver pneu para uma fábrica de motos. Depois de todo desenvolvimento, testes e homologações o pneu desenvolvido pela Pirelli – e exaustivamente testado pelo Minhoca – vai para a fábrica que reúne seus pilotos e… refaz todos os testes!!! Aí, os “minhocas” da fábrica de moto detectaram que o pneu dianteiro, a 120 km/h, no piso seco, de asfalto, em inclinação de 27,5º em relação ao plano vertical, emite 0,02 decibéis a mais do que foi solicitado. Volta tudo para a bancada de projeto, mexe aqui, ali, muda a mescola, altera um milímetro a largura dos sulcos (encavos, em italiano) e lá vai o nosso ‘Minhoca’ para a pista de teste de novo, com a moto cheia de aparelhos. Isso pode levar até dois longos e exaustivos anos.
Quando finalmente o pneu recebe a homologação do fabricante da moto, ele passa a designar EO, Equipamento Original. É com este pneu que a moto sai da linha de montagem e é ESTE pneu que a fábrica considera como equipamento original de série. Ele só é vendido nas concessionárias da marca da moto e custa mais caro do que o pneu comprado na esquina de casa. Porque tem escala menor e o concessionário da moto precisa ganhar a grana dele também!
Mas e quando esse pneu original gastar? Nada impede de comprar (e montar) na concessionária, mas saiba que é mais caro e não adianta fazer “protesto” no YouTube! Mas tem o produto de reposição. Lembra lá no começo dessa novela, quando comentei que a fábrica da moto escolhe o pneu no menu que a Pirelli já tem em produção? Então, esse modelo de pneu já existe, mesma medida, modelo, desenho, cheiro e cor. Mas ele será ainda mais desenvolvido para se aproximar – nunca igual – ao produto homologado pelo fabricante da moto. ESTE pneu é vendido no mercado de reposição.
A segunda demanda do piloto de teste é para desenvolver pneus para atender o mercado de reposição com variedades. Por exemplo: uma moto de 150cc sai de fábrica com um pneu Pirelli Triktrake ZYX, que foi homologado pelo fabricante por atender aquilo que o fabricante da moto acha que é melhor para o seu consumidor. Mas aí a Pirelli desenvolve um produto chamado TikTok WKX que tem mais rendimento quilométrico, porém é mais barulhento. Quem roda muito com a moto está pouco se lixando se o pneu emite 0,5 dB a mais de ruído.
Portanto, nem sempre o que é relevante para o fabricante da moto é importante para um determinado tipo de consumidor. Daí o lançamento de pneus nas mesmas medidas dos originais, porém com alguns parâmetros diferentes. Neste caso, o sofrimento do piloto de teste é um pouquinho menor, porque ele se reporta somente à sua engenharia de desenvolvimento. O fabricante da moto não dá pitaco. Agora, tem a terceira demanda de teste: mudanças na linha de montagem. Na verdade, o dia a dia de um piloto de teste é uma exaustiva rotina de repetições de procedimentos. E você aí achando que era cheio de glamour, motos de 200 cavalos, ar-condicionado e marmitex do Fasano!
Pense que os pneus são feitos com vários compostos, além da borracha, como fibras sintéticas, metais, tecidos, metade da tabela periódica etc. Então mudou o fornecedor de UMA fibra sintética. Lá vai o Minhoca testar os pneus tudo de novo. Mas que testes são estes? Agora entra a parte divertida da atividade. Não consegui acompanhar TODOS os testes – inclusive por questão de sigilo – mas vi alguns. No Campo de Provas, além do adorável circuito de 3.400 metros que lembra o circuito de Estoril (Portugal) que recebe o nome carinhoso de dry handling (maneabilidade no seco), tem as pistas:
• Wet handling (maneabilidade no molhado), com 2.000 metros e esguichos que mantém a pista molhada na quantidade de água desejada.
• Steering pad, uma espécie de redondódromo para testar a aceleração lateral e o famigerado detalonamento, quando o pneu do carro sai do aro.
• Comfort, onde se mede ruído, vibração e aspereza.
• Pista de testes especiais, são condições extremas como frenagem em curva, aquaplanagem, teste de impronta, a “pegada” do pneu no solo.
• Pista de ruído externo, o barulho que o pneu emite para quem está na rua.
• Circuito off-road, como o próprio nome diz, uma maravilhosa combinação de torturas na terra e lama.
Texto: Tite Simões, jornalista e instrutor de pilotagem do curso ABTRANS, tem apoio de Honda e Pirelli.
Fonte: R7