A primeira via para veículos elétricos foi construída em Detroit (EUA), mas o custo atual da tecnologia pode prejudicar seu desenvolvimento.
ELECTREON via BBC
Parece um trecho de asfalto como outro qualquer nas cidades americanas. Mas, se você dirigir com o veículo certo pela rua 14 em Detroit, no Estado de Michigan, algo estranho irá acontecer.
Este é o primeiro lugar público dos Estados Unidos onde você pode dirigir um veículo elétrico ao mesmo tempo em que carrega a bateria do carro.
O trecho de 400 metros de rua atravessa a região de Corktown, em Detroit. É um projeto piloto de uma tecnologia sem fio, capaz de carregar os veículos que trafegam sobre ela.
Bobinas eletromagnéticas foram instaladas embaixo da superfície e conectadas à rede de energia da cidade. Elas criam um campo eletromagnético um pouco acima da estrada, que transfere energia para um receptor conectado à bateria do veículo.
O processo é conhecido como “carregamento indutivo”, similar à tecnologia usada no carregamento sem fio de telefones celulares.
A esperança é que ruas como esta possam ajudar a combater uma das maiores barreiras que impedem as pessoas de adotar o uso de veículos elétricos: a chamada “ansiedade de autonomia”.
Como a infraestrutura de carregamento dos carros elétricos ainda não está disponível em quantidade necessária para atender grandes números e o carregamento do veículo em grandes viagens é demorado, a maioria dos motoristas ainda hesita em substituir seus carros movidos a combustíveis fósseis pelos elétricos.
Mas dirigir em uma rua onde os carros ganham carga adicional enquanto trafegam pode ajudar a aumentar a autonomia dos veículos elétricos ou até eliminar a necessidade de carregamento em casa ou nos postos.
Até pouco tempo atrás, todos os telefones celulares precisavam de cabos de carregamento. Mas, agora, alguns aparelhos não dependem mais deles.
E o mesmo pode ocorrer em breve com os veículos elétricos, segundo Stefan Tongur, vice-presidente de desenvolvimento comercial da fabricante de carros elétricos Electreon.
“A evolução do carregamento irá eliminar os cabos e passar a ser sem fio”, declarou ele à BBC durante a Feira de Eletrônicos de Consumo em Las Vegas, nos Estados Unidos, no início de janeiro. “E teremos ruas que podem carregar os veículos enquanto eles passam e estacionam.”
Bobinas de indução conectadas à rede elétrica são instaladas embaixo da superfície da rua
STEPHEN MCGEE/MICHIGAN CENTRAL via BBC
A Electreon está fazendo pilotos da tecnologia de carregamento sem fio em locais selecionados na Europa, Ásia e América. A empresa foi a responsável por instalar as bobinas magnéticas indutivas na rua de Detroit, em novembro passado.
Agora, os veículos que têm os receptores corretos fixados à sua base podem carregar suas baterias dinamicamente enquanto passam pela rua.
Alto custo
O projeto de Detroit foi parcialmente financiado pelo Departamento de Trânsito de Michigan, que entrou com US$ 1,9 milhão (cerca de R$ 9,3 milhões). A Electreon pagou pelo restante.
O objetivo é estender o comprimento da “rua inteligente” para 1,6 km nos próximos anos. Será uma forma de testar a tecnologia em um ambiente urbano real.
Este projeto piloto faz parte do programa da governadora de Michigan, Gretchen Whitmer, que pretende transformar a infraestrutura de transporte do Estado, passando a ser neutra em carbono até 2050.
O plano inclui o desenvolvimento dos veículos elétricos, fornecendo uma rede confiável de carregamento até 2030. Essa rede irá incluir ruas de carregamento sem fio e 100 mil carregadores para atender 2 milhões de veículos elétricos, segundo a chefe do departamento de mobilidade de Michigan, Justine Johnson.
O estado conta com o rico legado automotivo de Detroit, a “Motor City” (Cidade do Motor). Por isso, ela acredita que a cidade deve liderar as inovações para o futuro dos veículos e da mobilidade.
Mas o projeto de ruas elétricas custa cerca de US$ 1,25 milhões (R$ 6,1 milhões) por quilômetro.
Como funcionam os carros elétricos
O alto valor faz os especialistas questionarem se a tecnologia pode ser reproduzida em escala. Afinal, aos níveis atuais, o custo de ampliação de ruas inteligentes como essa por toda uma cidade ou em longos trechos de estradas intermunicipais seria astronômico.
Tongur, da Electreon, acredita que o custo de instalação do carregamento sem fio logo começará a cair com o amadurecimento da tecnologia. Ele prevê que irá custar cerca de US$ 750 mil (R$ 3,7 milhões) por quilômetro e US$ 1 mil (cerca de R$ 4,9 mil) por receptor.
“O carregamento sem fio parece bom no papel. Mas a logística e o custo envolvido fazem com que ele seja impraticável”, afirma o pesquisador de Economia Comportamental Ashley Nunes, da Faculdade de Direito de Harvard, nos Estados Unidos.
Mas Tongur defende que a tecnologia não precisa ser instalada em todas as ruas.
“Ela não foi projetada para ser instalada em toda parte”, explica ele. “É preciso ser muito estratégico sobre onde faz mais sentido, onde estão os bons modelos comerciais.”
A empresa se concentrou inicialmente nos corredores de trânsito frequentados por frotas comerciais com trajetos programados. Isso inclui ônibus e caminhões, que têm seus custos operacionais reduzidos quando permanecem em movimento, sem precisar parar para recarregar.
Nunes concorda que as ruas de carregamento sem fio podem ser uma solução plausível para o setor de transporte de cargas médias e pesadas por caminhões. Este setor, segundo ele, contribui desproporcionalmente com as emissões de carbono por quilômetro rodado.
“Se os veículos estiverem trafegando por um caminho fixo sem grandes desvios, equipar esses trechos de rodovia com carregamento sem fio pode fazer sentido”, explica ele.
Estudos e projetos em andamento
O objetivo do carregamento sem fio não é reproduzir o carregador rápido de tomada.
A Electreon consegue atingir 35 kW de carregamento dinâmico por receptor, segundo Tongur. Isso significa que ônibus ou caminhões com três receptores podem conseguir até 100 kW durante o tráfego em ruas com carregamento inteligente.
Ao longo de vários quilômetros, este pode ser um tremendo reforço para a autonomia dos veículos, explica ele. É particularmente útil para quem transitar em trechos de estrada com poucas estações de carregamento, distantes entre si.
Análises do governo da Suécia indicam, por exemplo, que uma estrada elétrica com 250 a 300 km de comprimento em rotas movimentadas pode reduzir as emissões de dióxido de carbono dos caminhões em mais de 200 mil toneladas.
Para reduzir os custos do serviço, a Electreon também oferece um modelo de assinatura. Os operadores podem pagar uma tarifa mensal de cerca de US$ 800 a US$ 1 mil (R$ 3,9 mil a R$ 4,9 mil) pela operação contínua de veículos públicos, comerciais e autônomos, segundo Tongur.
A empresa chama a plataforma de Carregamento como Serviço (CaaS, na sigla em inglês). Ela está sendo empregada em uma parceria de US$ 9,4 milhões (cerca de R$ 46,2 milhões) com o operador de transporte público de Tel Aviv, em Israel – a Dan Bus Company, que dispõe de uma frota de 200 ônibus.
Já o modelo de pagamento conforme o uso pode ser mais vantajoso para usuários mais casuais que carregarem seus veículos durante uma viagem, segundo a Electreon.
Com tudo isso, as estradas elétricas agora são consideradas uma solução atraente para ajudar a superar os problemas de infraestrutura de carregamento dos veículos elétricos.
As bobinas de indução criam um campo eletromagnético acima da superfície da rua, que atinge receptores instalados nos veículos elétricos enquanto eles trafegam
STEPHEN MCGEE/MICHIGAN CENTRAL via BBC
Na Europa, a França tem planos de construir 8.850 km de estradas eletrificadas até 2035, usando cabos aéreos, trilhos ou carregamento por indução.
Estudos na Alemanha recomendaram a instalação de 4 mil quilômetros de cabos aéreos ou infraestrutura de carregamento indutivo na rede rodoviária do país, a Autobahn. E a Suécia estimou que irá custar cerca de 30 a 40 bilhões de coroas suecas (cerca de US$ 2,9-3,8 bilhões, ou R$ 14,2 a 18,7 bilhões) para construir cerca de 2 mil quilômetros de rodovias elétricas.
A Electreon está trabalhando em uma série de pilotos de carregamento sem fio em toda a Europa, incluindo um projeto de eletrificação de parte da Autobahn, o sistema rodoviário federal na Alemanha.
A empresa também está construindo uma pista de carregamento sem fio nos Estados Unidos, em conjunto com a Universidade Estadual de Utah, para o seu centro de pesquisa Aspire, financiado pela Fundação Nacional de Ciência. E também fez uma oferta para eletrificar a autoestrada americana Pennsylvania Turnpike, segundo Tongur.
Ele explica que, para ajudar a cumprir seus prazos em relação às medidas contra a mudança climática, os municípios podem facilmente acrescentar a instalação de bobinas elétricas aos programas já existentes de manutenção das ruas e transformá-las rapidamente em locais de carregamento.
E, com a instalação de receptores nos veículos, os fabricantes de automóveis podem reduzir o tamanho das baterias e o preço final de venda dos veículos elétricos. Estas medidas podem acelerar sua adoção pelo público.
Parcerias privadas e programas do governo
A concorrência está aumentando no setor de carros de passageiros.
A Toyota formou parceria com a Electreon para explorar opções de carregamento de veículos. A BMW e a Ford vêm trabalhando com a empresa Witricity, enquanto a Stellantis trabalha com a Hevo Power.
Em relação à Tesla, acredita-se que ela esteja desenvolvendo sua própria solução, depois de ter comprado e vendido a companhia de carregamento sem fio Wiferion no ano passado.
Mas outras transformações também estão a caminho. Nos Estados Unidos, o governo federal destinou bilhões de dólares aos seus programas de Infraestrutura Nacional de Veículos Elétricos (Nevi, na sigla em inglês) e Infraestrutura de Carregamento e Abastecimento (CFI, na sigla em inglês).
A intenção é financiar instalações de carregamento de alta velocidade nas autoestradas do país e nos lugares onde as pessoas moram, trabalham e fazem compras.
O objetivo do governo Biden é criar 500 mil carregadores públicos até 2030. E as estradas com carregamento elétrico podem fazer parte desses planos.
“Enquanto estudamos a transição do motor a combustão interna para os veículos com emissão zero, precisamos pensar em sistemas que permitam que as pessoas façam essa transição”, afirma Johnson.
“É menos questão de ansiedade de autonomia e mais de confiabilidade de carregamento – isso ajudará os consumidores a tomar decisões bem informadas.”
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
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