“Este rio é tão vivo quanto você”, afirma Silvio de Alcântara sobre o Paraíba do Sul. Mas também “deixou de ser natural, hoje controlado, explorado e sugado pelo homem”, pondera Juliana de Carvalho. Os dois participam do documentário “Caminho do mar”, que da nascente à foz revela um diagnóstico deste curso d’água que abastece cerca de 13 milhões de moradores de cidades do Sudeste brasileiro. Areeiro artesanal no interior do Estado do Rio de Janeiro, ele é personagem do filme, enquanto ela é produtora e idealizadora do longa-metragem. E, com conclusões que poderiam soar antagônicas, os dois sintetizam aspectos hoje determinantes do que é considerado “o rio da economia nacional”.
No momento em que se inicia um novo ciclo de investimentos em saneamento básico no Estado do Rio de Janeiro — onde apenas na Região Metropolitana, cerca de 9,4 milhões de pessoas recebem nas torneiras águas transpostas do Paraíba do Sul —, todo socorro à pressão que se exerce há séculos sobre o rio é urgente. O quadro a se enfrentar é mostrado no filme, monitorado por especialistas e está descrito num Plano Integrado de Recursos Hídricos recém-aprovado pelo Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (Ceivap), que prevê uma agenda de ações para os próximos 15 anos.
Atualmente, apesar de tão fundamental ao abastecimento não só no Rio, mas também na metrópole de São Paulo, o lançamento de esgoto continua sendo uma das principais fontes de poluição do Paraíba do Sul. Apenas 41,3% do esgoto dos municípios que compõem a bacia, segundo o documento do Ceivap, são tratados. Os lixões, que contaminam o lençol freático, ainda são cerca de 15 na região, que recebem 26% dos resíduos sólidos coletados. Às agressões, o Paraíba do Sul reage com extremos: somente entre 2015 e 2020, foram 681 ocorrências de enxurradas, alagamentos e inundações na bacia. Enquanto isso, a escassez hídrica gera preocupação, com crises recentes em 2004 e de 2014 a 2016, impactando nos níveis de armazenamento dos reservatórios da região.
Assoreamento forma ilhas
Na produção de “Caminho do mar”, foram 1.150 quilômetros percorridos pela equipe, em quatro viagens. Juliana conta que se deparou com histórias que contavam sobre áreas assoreadas, com formação de dezenas de ilhas no curso do rio; margens desmatadas, em manchas de secura no Norte e no Noroeste Fluminense; e lugares que parecem ter virado de costas para o Paraíba do Sul.
— Há cidades em que há uma intensa favelização à beira do rio, com as casas construídas de frente para a rua e fundos para o Paraíba do Sul, todas com seus caninhos despejando esgoto. É como se quisessem esquecer que o rio existe — diz Juliana, que se impressionou com a má qualidade da água, sobretudo, em Volta Redonda, no Médio Paraíba Fluminense. — Ali, parece um rio morto, um caldo grosso com garrafas PET descendo a correnteza.
Pesca e lazer só na memória
Eliane Nunes de Jesus, de 45 anos, mora há quase 40 no mesmo endereço, em Barra Mansa. Vizinha do Paraíba do Sul, ela não tem coragem de consumir a água retirada do rio, mesmo já tratada.
— Vejo de tudo descendo o rio, de sacolas de lixo a cadáveres humanos. Acho que por isso não tenho coragem de beber a água do Paraíba do Sul, mesmo que chegue na minha casa tratada. Para beber e cozinhar, compro água mineral.
Em Barra do Piraí, o pintor Lauro José da Silva, de 33 anos, mora perto da barragem de Santa Cecília, onde dois terços do Paraíba do Sul são desviados para o sistema do Rio Guandu, que abastece a cidade do Rio e parte da Baixada Fluminense. Toda a sua família, incluindo ele, já viveu da pesca no Paraíba do Sul. Mas hoje, pela escassez de peixes gerada pela poluição, todos abandonaram o antigo ofício.
— Na infância, nadei neste rio. Hoje, explico aos meus filhos que não se pode jogar lixo no Paraíba — ensina Lauro.
Projetos em andamento
O Ceivap prevê, como parte do Plano Integrado de Recursos Hídricos, que as ações dos próximos anos custeadas pelo próprio comitê totalizem R$ 656 milhões. Dos principais projetos em andamento, o Ceivap aponta o Programa de Tratamento de Águas Residuárias (Protatar), que prevê aporte de recursos ou financiamento para implantação, implementação, ampliação de sistemas públicos de esgotamento sanitário nos municípios da bacia. J
á com a privatização da Cedae, algumas das cidades da bacia integram os blocos já licitados. A concessionária Águas do Rio afirma que investirá mais de R$ 423 milhões nos municípios de sua área de abrangência que contribuem para a Bacia do Rio Paraíba do Sul: “Os recursos destinados ao tratamento e abastecimento de água, assim como a coleta e tratamento de esgoto serão aplicados ao longo da concessão, sendo um terço deste valor já nos cinco primeiros anos”, informou a concessionária, em nota.
Fonte: G1