‘Tiraram um pedaço de mim’


“Ver um filho partir é conhecer a maior de todas a dores, e que tempo algum será capaz de curar”. A frase é de Alessandra Conceição Pinto, mãe do jovem Ray Pinto Faria, de 14 anos, morto na madrugada de segunda-feira, dia 22, durante uma operação da Polícia Militar na comunidade do Campinho, Zona Norte do Rio. As palavras estavam estampadas em uma camiseta, que tinha a foto do menino, usada pela mulher no velório do seu filho, que aconteceu na manhã desta quarta-feira, dia 24, em uma quadra de futsal dentro da comunidade, que fica ao lado do Morro do Fubá. O menino usava o seu boné preferido ao receber as últimas homenagens da família e dos amigos.

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A dona de casa, de 34 anos, sofre pela perda do menino, que só foi encontrado após ela iniciar uma busca por hospitais da cidade. O adolescente foi levado para o Hospital Salgado Filho com dois tiros, um no abdômen e outro na perna. Em entrevista à ONG Rio de Paz, Alessandra afirma que perdeu o chão, mas precisa encontrar forças para lutar pelo filho e seguir a vida, porque ainda tem mais um casal para criar.

— Tiraram um pedaço de mim. Eu tenho que seguir a vida, porque ainda tenho dois filhos para criar. Uma injustiça o que fizeram como meu filho — diz a mãe.

‘Tiraram um pedaço de mim’
A dona de casa Alessandra Conceição Pinto, de 34 anos, desabafou sobre a perda do filho, Ray Pinto Faria Foto: Divulgação / ONG Rio de Paz

Ao relembrar os passos que fez na última segunda-feira, quando saiu pela comunidade do Campinho a procura de Ray, a dona de casa cita o desespero ao encontrar o filho morto. Ela diz que chegou a perguntar aos policiais se haviam visto o adolescente, mas ouviu como resposta um não. Ela desabafou ao afirmar que “não irá se calar” e que ” irá lutar por justiça até o fim”.

— Eu quero justiça pelo meu filho. Ele só tinha 14 anos, um adolescente. Se eu não corresse atrás do meu filho, não teria encontrado ele até hoje. Jogaram o meu filho no Salgado Filho (hospital) sem eu saber de nada. Perguntei aos policiais que estavam no morro se eles tinham pegado o meu filho, e eles disseram que não. Quando o encontrei, ele estava no Salgado Filho morto — diz Alessandra, antes de desabafar:

— Está tendo muita violência aqui. Ele foi o segundo adolescente morto aqui na comunidade, mas a outra família se calo. Eu não vou me calar. Quero justiça pelo meu filho.

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O menino era fã de futebol e adorava praticar o esporte dentro da comunidade. Filho do meio da família Pinto Faria, Ray tinha um irmão de 17 anos e uma irmã de 12. A mãe conta que os dois estão sofrendo pela perda do garoto. Ela ainda pediu para que as autoridades prestem mais atenção nos jovens cariocas, para evitar que outros morram.

— Meu filho brincava com todo mundo e todos conheciam ele na comunidade. Ele não tinha participação em nada, igual a polícia está falando. No Facebook, estão julgando o meu filho, dizendo que ele era miliciano. Ele era só um morador. Meus outros dois filhos estão sofrendo pelo irmão, pedindo para ele voltar. Faço o apelo para as autoridades, que corram atrás e zelem pelas crianças que morrem inocentes. Espero que a morte do meu filho não seja mais uma a ficar impune — afirma.

Família acusa a PM

Os parentes de Ray acusam os PMs de terem executado o jovem. O primo do adolescente, Lucas Isaías da Silva, de 19 anos, contou que manchas de sangue foram encontradas numa parede, na comunidade do Campinho, onde supostamente ele teria sido morto antes de ser levado por PMs para outra favela. O celular que estava com Ray também desapareceu. O rapaz conta que, questionados, os PMs negaram ter visto o menino pela comunidade.

— Eu saí de casa e encontrei com a minha prima, Alessandra, mãe do Ray. Ela ja estava à procura do Ray e os policiais diziam que não sabiam, e que não tinham visto nenhuma criança. Então, logo, nós fomos de ponta a ponta da comunidade, em busca do Ray, mas nós não conseguimos achá-lo. Eles (PMs) mandaram irmos à 28 DP, 29 DP e caçarmos em hospitais, que eles não tinham pego ninguém.

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Outra questão levantada pela família e por moradores foi em relação às câmeras de segurança de uma padaria, que poderiam ter flagrado, tanto a abordagem ao jovem pela comunidade, quanto uma suposta ação de truculência de agentes durante a manifestação feita pela comunidade após a morte do rapaz, quando 29 pessoas foram detidas, na tarde desta segunda-feira.

— A câmera de segurança eles (PMs) modificaram, levaram todo equipamento de segurança da padaria, e inclusive, ameaçaram as pessoas, mas não deixaram nenhum rastro. Somente os cabos ficaram — contou.

Ray Pinto Faria tinha 14 anos
Ray Pinto Faria tinha 14 anos Foto: Reprodução

Questionada, a PM afirmou apenas que todas as circunstâncias das ações estão sendo apuradas internamente pelo Comando de Operações Especiais (COE) e pelo 1° Comando de Policiamento de Área (CPA). E que todas as ocorrências foram apresentadas nas 24ª DP, 25ª DP e Delegacia de Homicídios da Capital. Na ação, a Polícia Militar reconhece que morreram três suspeitos, sendo um menor de idade, mas não confirma oficialmente que se tratava de Ray.

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A Polícia Civil, por sua vez, disse que as investigações sobre a morte de Ray já estão em andamento pela Delegacia de Homicídios da Capital (DHC). Familiares da vítima e os policiais militares envolvidos na operação prestaram depoimento na Especializada. De acordo com os investigadores, diligências estão sendo realizadas para identificar outras testemunhas que ajudem a esclarecer o homicídio. As armas dos policiais militares que participaram da ação foram apreendidas e passarão por perícia.



Fonte: Fonte: Jornal Extra