Supremo nega a existência do “direito ao esquecimento”

O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu, nesta quinta-feira (11/02), que o direito ao esquecimento não é compatível com a Constituição. Mais do que isso, acomodar esse conceito de forma genérica na jurisprudência brasileira poderia ser pernicioso à liberdade de expressão. Esta foi a quarta sessão plenária dedicada ao tema, que começou a ser analisado na primeira sessão.

Assim, o colegiado referendou a tese proposta pelo relator, ministro Dias Toffoli: “É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como um poder de obstar em razão da passagem do tempo a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais”.

Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais – especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral – e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível.

O julgamento do RE 1.010.606, do caso Aída Curi, foi retomado nesta tarde, com os votos da ministra Cármen Lúcia. Além dela, votaram ministro Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e o presidente da Corte, Luiz Fux. O relator, Dias Toffoli, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, e Rosa Weber votaram nas sessões anteriores também contra o direito ao esquecimento. O ministro Luís Roberto Barroso se declarou suspeito e não participou do julgamento.

Apenas o ministro Luiz Edson Fachin divergiu, ao reconhecer o direito ao esquecimento. A outra divergência se deu no caso concreto: para Nunes Marques e Gilmar Mendes cabe pagamento de indenização da Rede Globo à família de Aída Curi pela exibição que entenderam vexatória da história do crime. Assim, o recurso foi desprovido, tanto para negar o pedido de indenização por danos morais da família, como para negar o reconhecimento do direito ao esquecimento.

Na retomada da análise do caso, a ministra Cármen Lúcia usou de poemas e músicas para mostrar que, como disse, o tema transcende o direito. Ela lembrou a música Aquarela do Brasil, de 1939, que diz “Abre a cortina do passado/ Tira a mãe preta do cerrado/ Bota o Rei Congo no congado”, e ela emendou: “E mais de 80 anos depois tem quem peça para fechar a cortina do passado”. Disse que a geração dela lutou pelo direito de lembrar.

A ministra afirmou que o Brasil é um país de desmemória. “Somos um país de minorias silenciadas. Não somos mostrados nas nossas dores, tormentas, flagelos, mas também ficam escondidos os autores dessas condutas. E somos parte da história real. A história oficial não é necessariamente história sincera. Esquecimento que suprime fatos serve a instrumentos objetivos.”

Cármem Lúcia afirma não conhecer um direito ao esquecimento amplo e geral, como pretendido no caso, e negou que exista um ilícito na exibição do programa da Globo que mereça indenização à família. A ministra defendeu que mesmo casos individuais de pessoas até então anônimas ajudam a contar a história de uma sociedade e devem ser lembrados para serem superados.

“A historia de cada um, num país de triste desmemória como o nosso, discutir e julgar o esquecimento como direito fundamental neste sentido aqui adotado de alguém poder impor o silêncio e até o segredo pareceria, se existisse esta categoria, um desaforo jurídico”, enfatizou.

O ministro Ricardo Lewandowski também integrou a corrente vencedora. “Esta ideia jamais correspondeu a um instituto jurídico autônomo, correspondendo a uma necessidade de alguém que sente um desconforto psíquico ou moral de um fato passado cuja lembrança tem o condão de despertar sentimentos desagradáveis ou, no limite, macular as pessoas, famílias, memórias”, explicou.

Já o ministro Gilmar Mendes entendeu de forma semelhante ao ministro Nunes Marques: ele recusou o direito ao esquecimento, mas defendeu que o caso concreto fosse provido para que a família recebesse indenização por danos morais. Ele considerou que o programa desrespeitou a família em uma exibição vexatória e humilhante. Leia a íntegra do voto.

“Registre-se, desde logo, que não cabe aqui discutir a nomenclatura ou a existência de um direito individual de ser esquecido. Não é disso que se cuida. O cerne da questão está encoberto por questões conceituais ou periféricas, que, ao meu ver, só tumultuam a compreensão de tema tão sensível na sociedade moderna”, pontuou.

Para ele, trata-se de colisão entre direitos fundamentais: direito de informar e de ser informado, em contraponto ao postulado da dignidade da pessoa humana e da proteção à honra, vida privada e imagem. Assim, seria mais adequado encontrar soluções, ainda que a posteriori, como o apagamento de dados pessoais, direito de resposta e/ou indenização, entre outras medidas definidas pelo Legislativo.

Marco Aurélio, decano da Corte, deu ênfase à premissa de que a indenização pressupõe ato ilícito, o que ele não vislumbrou na transmissão do programa. Ele também reforçou a posição de que a memória deve ser resguardada.

“O Brasil deve contar com memória. E em fatos positivos e negativos, não apenas o que agrade a sociedade. Não cabe, em uma situação como essa, simplesmente passar a borracha e partir-se para um verdadeiro obscurantismo, um retrocesso em termos de ares democráticos.”

O presidente Luiz Fux lembrou que, desde jovem, como carioca, conhece o caso Aída Curi. “Esse fato passou a compor a história de Copacabana. Mas não só. Tomou conta do cenário nacional como um fato relevantíssimo no tocante à criminalidade contra a mulher, o abuso sexual”, disse.

Para ele, o direito ao esquecimento é decorrência lógica da tutela da dignidade da pessoa humana e está enraizado no núcleo essencial de tutela de pessoa humana. No entanto, ele não poderia “reescrever o passado e nem obstaculizar o acesso à memória, direito de informação e a liberdade de imprensa, porque esse é o estágio atual da jurisprudência da Suprema Corte, especialmente depois das biografias não autorizadas”, ressaltou.

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