“Em briga de marido e mulher, é possível meter a colher?”, por Amanda de Moraes


Gerações cresceram ouvindo o jargão “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher.” Realmente, a depender do que estiver acontecendo, é preciso respeitar o espaço alheio e a forma como cada casal lida com os seus conflitos. Desentendimentos são naturais na vida a dois e podem ser superados com amor, compreensão e respeito mútuo. No entanto, há situações que não podem ser negligenciadas por quem está a volta, como nos casos de violência.

Muitas mulheres não têm o suporte necessário para darem o primeiro passo. Isoladas do convívio com os amigos e familiares, passam a ter o parceiro como única fonte de companhia. Isoladas do convício social, o outro passa a ser a sustentação de uma vida inteira, tanto afetiva como financeiramente. Além disso, existem inúmeros outros fatores, que devem ser analisados caso a caso.

Há as que se submetem a relacionamentos abusivos por não suportarem a dor de um término ou o desconforto de um recomeço. Entre a dor do desconhecido e a dor habitual, escolhem aquela à qual já se acostumaram. Somos seres humanos, com grande capacidade de adaptação, inclusive para aquilo que nos fere.

Há quem se cale por vergonha, culpa ou medo de julgamentos: decepcionar a família, parecerem fracas, julgamento religioso e moral. Muitas carregam a culpa por terem escolhido um parceiro assim. Outras se sacrificam pelo “bem” dos filhos.

Moldadas por séculos de cultura patriarcal, aprendem a tolerar o desrespeito. A “pisar em ovos” dentro de casa, para não gerar no parceiro uma situação que o engatilhe. A cuidar sem serem cuidadas. O mito do amor que tudo suporta, mas que aprisiona mulheres, transformando a aceitação ao desrespeito em prova de afeto.

Há aquelas que sentem temor da solidão amorosa. Ao enxergarem a felicidade apenas na presença de um parceiro, esquecem que grandes momentos da vida também podem ser vividos ao lado de amigos, projetos pessoais e nos pequenos acontecimentos do cotidiano.  Aliás, isso não significa renunciar ao amor de um parceiro ou uma parceira, todavia compreender que, se não o encontrar, de maneira saudável e recíproca, a vida ainda poderá apresentar mais beleza e cores.

Em alguns casos, mulheres acreditam que conseguirão mudar o outro.  Apesar do histórico de violência, optam por assumir uma postura materna de cuidado, com a fé de que, com ela, será diferente: “Agora, ele mudará.”

Todos nós, em sociedade, temos uma parcela de responsabilidade quando avalizamos crenças, tais quais “homem é assim mesmo” e que é preciso “aguentar pelo casamento”. E essa retórica é a base para um ciclo de sofrimento, culpa, numa situação conjugal insustentável sob o ponto de vista emocional.  De outro lado, se a sociedade incentivasse as mulheres a saírem de ambiente que as adoecem, sem culpá-las, e buscarem relações mais saudáveis, teríamos pessoas menos adoentadas?

Não normalizar abusos já seria um grande passo para ajudar tanto seres humanos em situações de vulnerabilidade. O “meter a colher” é análogo a encontrar alguém que está em apuros, na estrada da vida, passar por esse ser humano, oferecer auxílio ou dar de ombros, porque esse alguém escolheu esse caminho.

 

Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes
Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes



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