Entenda a “gratificação faroeste” a policiais por mortes no RJ


Proposta pode aumentar índices de mortes em operações policiais
Tomaz Silva/Agência Brasil

Proposta pode aumentar índices de mortes em operações policiais

A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou no último dia 23 uma emenda ao projeto de reestruturação do quadro permanente da Polícia Civil. A proposta, batizada de “gratificação faroeste” pela imprensa, permite que agentes recebam entre 10% e 150% do salário caso apreendam armas de grande calibre ou “neutralizem” criminosos em operações.

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O texto foi encaminhado na última sexta-feira (03) ao governo do Estado, que tem até 15 dias para sancionar ou vetar a lei. O Ministério Público Federal (MPF) recomendou que o governador Cláudio Castro (PL) vete integralmente a proposta.

Riscos na segurança pública

Por meio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), o MPF destacou que não há evidências de que a chamada “gratificação faroeste” leve benefícios à segurança pública, e sim o efeito contrário: a medida tende a estimular o  uso excessivo da força e o aumento da letalidade policial, resultando em mais violência e insegurança.

Em entrevista ao Portal iG, o especialista em segurança pública José Vicente observa que a medida pode estimular o uso descontrolado da força e aumentar mortes em operações.

Ele aponta que a medida revive experiências anteriores no Rio de Janeiro com “péssimos resultados”. A gratificação faroeste, que incluía promoção por bravura e prêmios em dinheiro, foi instituída em 1995 no governo Marcello Alencar. Com ela, policiais e bombeiros recebiam aumentos salariais de 10% a 120%.

Durante seus cinco anos de vigência, mais de três mil policiais militares, mil policiais civis e 1.600 bombeiros receberam o prêmio em dinheiro.

O especialista explicou que qualquer conduta com potencial de violar normas sociais ou legais depende de “um bom grau de monitoramento”, como a estruturação de câmeras corporais, treinamento, supervisão e políticas internas contundentes.

Gratificação faroeste

Divulgação/Alerj

“Gratificação faroeste” foi aprovada pelos deputados estaduais do Rio de Janeiro

A proposta aprovada pela Alerj prevê a concessão de gratificação pecuniária a policiais civis pela chamada “neutralização de criminosos”, sem definir exatamente o que seria a neutralização. Na prática, a expressão é entendida como matar suspeitos em confrontos policiais.

Vicente criticou a medida que, diante de deficiências nos controles habituais, uma gratificação desse tipo tende a incentivar “aquilo que deveria estar sendo controlado”.

“Esta política acaba estimulando o descontrole da força, deixando a um critério muito elástico por parte de policiais. Não todos, mas alguns suficientemente para causar um estrago bem razoável na sociedade” , afirmou ao portal iG.

Interpretação do termo “neutralizar”

Um ponto central, segundo Vicente, é a ambiguidade dos termos jurídicos usados na proposta. “As próprias expressões contidas nos artigos da lei são ruins, porque elas não são claras. Quando ela fala ‘neutralizar um criminoso’, você neutraliza o criminoso prendendo o criminoso. Então, cada prisão em flagrante vai dar gratificação também? Essa é uma questão, né? É interpretar” , questionou.

Para o especialista, qualquer uso da força pode ser enquadrado como “neutralizar”, como por exemplo uso de spray de pimenta ou de arma de choque — o uso da força é sempre um ato de neutralizar o que ameaça o policial ou ameaça terceiros.

“Devia ser o contrário. Você pode premiar a prisão, a apreensão de armas. Mas, havendo letalidade — que é um incidente não desejado da ação policial — você retiraria a gratificação. Seria um recado melhor sobre o uso da força e o controle do uso da força” , observa Vicente em entrevista ao iG.

Governador deve vetar projeto

Cláudio Castro comentou sobre o projeto durante um compromisso público nesta segunda-feira (06). Ele afirmou que pretende vetar a chamada “gratificação faroeste”, para não ferir o regime de recuperação fiscal.

José Vicente observa que, caso aprovada, “a consequência inevitável é a morte de inocentes” e uma maior frequência do envolvimento policial em ações letais.

Para o especialista, a gratificação proposta “derruba qualquer estrutura que porventura houvesse no Rio para contenção do uso da força” .



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