Juscelino Kubitschek morreu na via Dutra; relembre as teorias


Juscelino Kubitschek.
Reprodução/Wikimedia Commons

Juscelino Kubitschek.

A  Rodovia Presidente Dutra , além de ser a principal rota para a economia do país e testemunhar o crescimento das cidades por onde passa, foi palco da morte de  Juscelino Kubitschek, ex-presidente do Brasil (1956-1961).

O ano era 1976, e JK seguia pela via Dutra em direção ao Rio de Janeiro, em um Chevrolet Opala marfim, conduzido por seu motorista Geraldo Ribeiro, quando o carro perdeu o controle na altura do quilômetro 165 da rodovia.

Na ocasião, o governo militar afirmou que o acidente foi causado por um ônibus da Viação Cometa, que tentou ultrapassar o veículo do ex-presidente e acabou encostando nele. O opala perdeu o controle e colidiu com uma carreta. Tanto Geraldo quanto Juscelino morreram na estrada.

O motorista do ônibus da Viação Cometa, que trafegava na mesma via, parou para prestar socorro às vítimas e depois seguiu viagem para o Rio, comunicando o acidente ao posto policial rodoviário. Ele foi julgado e absolvido.

Ditadura militar e a tensão política

A morte de Juscelino Kubitschek ocorreu dois anos depois de o político ter tido seus direitos cassados durante o regime militar iniciado em 1964.

Segundo o site da Câmara Legislativa, Juscelino era um forte candidato às eleições presidenciais que estavam previstas para 1965 e, por esse motivo, era considerado um empecilho para que as Forças Armadas elegessem um candidato alinhado com o regime militar.

No golpe de 64, JK firmou um pacto com os militares,  comprometendo-se a apoiar o General Castelo Branco até que ele terminasse o mandato do presidente deposto, João Goulart. No entanto, o compromisso político não evitou a cassação de seus direitos políticos e o cancelamento das eleições de 1965.

Juscelino foi acusado pelos militares de corrupção e de ser apoiado pelos comunistas. Uma semana depois, embarcou para o exílio na França, de onde retornaria em outubro de 1967.

De volta ao Brasil e sem direitos políticos, em 1968 apoiou a Frente Ampla, movimento que buscava a restauração da democracia no país. A ação que contava com políticos como João Goulart e Carlos Lacerda, logo foi proibida pela censura militar.

Um cenário fértil para conspirações 

A possibilidade de que a morte de Juscelino Kubitschek tenha sido acidental nunca foi plenamente aceita pela opinião pública, em parte porque, semanas antes do acidente, boatos sobre sua morte em circunstâncias semelhantes já haviam circulado pela mídia.

Em entrevista ao  Portal iG, Marco Lamarão, professor de história do Instituto Federal Fluminense (IFF), mestre e doutor em políticas públicas educacionais, explicou como o contexto político da época influenciou a repercussão da morte de Juscelino Kubitschek.

“De certo, a gente não tem clareza sobre o que efetivamente aconteceu com o JK. Há parcela significativa de especialistas que afirmam uma coisa, outra parcela significativa afirma outra coisa, mas a gente sabe, e isso é um certo consenso em ambas as partes, que a censura que pesava sobre os órgãos de imprensa daquele período colocava, obviamente, uma notícia como essa como alvo de uma ação mais forte, mais incisiva dos ditadores a fim de controlá-la, a fim de não permitir que ela saísse dos eixos.”

Segundo o professor, a família de JK contesta a versão dada pelo governo militar de que sua morte teria sido um mero acidente. Ele afirma que isso abriu espaço para outras interpretações sobre o caso, incluindo a teoria de que o motorista teria sido envenenado ou mesmo assassinado antes da fatalidade.

“Isso levou à exumação do corpo do motorista ainda na década de 90. Mas o perito da época chega as mesmas conclusões do perito que realizou a investigação original.”

De acordo com Marco, as teorias da conspiração surgem em um contexto mais amplo, no qual outras mortes suspeitas são associadas à de JK.

O historiador explicou que, na época, a morte de Castelo Branco, primeiro presidente do regime militar, em um acidente aéreo em 1967, também gerou desconfianças e permanece envolta em mistério até hoje. Em seguida, o escritor, educador e jurista Anísio Teixeira – que era um crítico da ditadura militar – morreu em um acidente de elevador, em 1971.

Segundo o professor, a morte das três lideranças que formaram a Frente Ampla – Carlos Lacerda (morto em 21 de maio de 1977), João Goulart (morto em 6 de dezembro de 1976) e Juscelino Kubitschek (morto em 22 de agosto de 1976) -, que se opunham à ditadura militar e se organizaram no exterior, ocorreu em datas muito próximas, o que levanta suspeitas sobre esses acontecimentos.

Marco explicou que grande parte dos arquivos da ditadura, que seriam importantes documentos para nos aproximar dessas verdades históricas foram destruídos.

“Parte daquilo que a gente consegue ter acesso é por intermédio da liberação dos documentos dos Estados Unidos que tinha franca participação no regime através da Operação Condor, que também tinha como hábito eliminar potenciais e perigosos adversários dos governos coligados aos EUA.”

De acordo com Marco, esse cenário criava um terreno fértil para o surgimento dessas teorias conspiratórias.

“Algumas com um teor de verdade, outras com um teor menor de rigor, mas no que diz respeito a JK, me parece que essa dúvida tende a permanecer.”

Novas investigações sobre o caso

A morte de Juscelino Kubitschek continua envolta em mistério, e até hoje não há consenso sobre se ela foi ou não acidental. Em abril de 2014, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) concluiu que JK não foi vítima de atentado político. 

A equipe de peritos que assessorou a Comissão analisou fotos, laudos e ouviu especialistas que investigaram o caso, chegando à conclusão de que as mortes de JK e de seu motorista, Geraldo Ribeiro, foram causadas por um acidente automobilístico.

Em contrapartida, a Comissão Estadual da Verdade de São Paulo (CEV/SP) concluiu que o ex-presidente da república foi assassinado pela ditadura militar.

De acordo com o resultado, divulgado em novembro de 2014, houve falhas na investigação original, que não teria preservado o local do acidente para a perícia.

O relatório também aponta que o Opala teria sido alterado e que também houve uma tentativa de subornar o motorista do ônibus que teria encostado no veículo para que ele assumisse a culpa pelo acidente.

Em concordância com a CEV/SP, a Comissão Municipal da Verdade de São Paulo, concluiu que a morte de Juscelino teve motivações políticas. 

Em 2017, a Comissão da Verdade em Minas Gerais resolveu fazer um estudo técnico da CNV, CEV/SP e da Comissão Municipal da Verdade de São Paulo, para emitir suas próprias considerações.

Na conclusão da análise, a Comissão declarou:  “Com as pesquisas e investigações realizadas até hoje permanecem controversas
e pouco claras as circunstâncias das mortes de Juscelino Kubitschek e Geraldo Ribeiro. Considerando o contexto da época, as distintas contradições das avaliações periciais, os depoimentos e pareceres jurídicos, pode-se afirmar que é plausível, provável e possível que as mortes tenham ocorrido devido a atentado político.”



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