O mundo do esporte vem tratando com desprezo atletas que têm decidido participar do evento que está sendo chamado de “Jogos Olímpicos de Atletas Dopados”. Mas, quando um medalhista olímpico inteligente e “certinho” anunciou que vai se juntar a eles, o assunto voltou às manchetes. Por que ele aceitou isso? É um alerta para o esporte limpo?
O nome oficial em inglês dessa competição é “Enhanced Games” e vem de “performance-enhancing drugs”, drogas que melhoram a performance e são proibidas no esporte profissional.
Marcada para 2026, em Las Vegas, vai permitir que atletas da natação, atletismo e levantamento de peso usem substâncias banidas pela Agencia Mundial Antidoping. Organizadores prometem dar US$ 250 mil (R$ 1,3 milhão) aos vencedores e milhões em caso de quebra de recordes mundiais dos 50m livre, de César Cielo, e dos 100m rasos, de Usain Bolt, mas que obviamente não seriam reconhecidos pelas federações internacionais.
O americano Fred Kerley, campeão mundial dos 100m rasos em 2022, é o mais recente a confirmar participação. O velocista está suspenso por faltar a testes antidoping e foi preso duas vezes por brigar com policiais e porque teria dado um soco na ex-namorada. Estava fácil rotular os atletas dos Enhanced Games como desajustados e desonestos. Até que um nome entrou na jogada.
Ben Proud, prata nos 50m livre em Paris-2024, é o primeiro britânico a aceitar disputar o torneio, também chamado de “show de horrores”. Só que Proud, 30 anos, é parte do grupo dos “certinhos.”
Há poucos dias, em entrevista ao jornal britânico The Times, falou sobre a vida dedicada ao esporte, seguindo regras, com esforço imenso e pouco retorno financeiro. Alguns de seus argumentos são incontestáveis: a pressão financeira que sente porque ele e a esposa querem ter filhos; que não entende por que a Grã-Bretanha não dá bônus a medalhistas em Jogos Olímpicos; que acha “ultrapassada” a ideia de competir só pela felicidade de subir ao pódio; que perdeu a confiança no sistema que deveria proteger atletas limpos, mas permitiu que 23 nadadores chineses competissem em Paris depois de terem resultados positivos para substâncias proibidas.
Que fique claro: quem participa de algo que celebra e aceita doping não é vítima. A ideia é abominável, nada justifica sua existência. Assistir a alguém dopado em busca de recordes de mentirinha não tem graça.
Mas é fato o abismo que há entre jogadores de futebol de elite e atletas de outras modalidades em termos de salários, patrocínio, exposição, fora a insegurança ao se aposentarem jovens, com a vida inteira pela frente.
Sebastian Coe, presidente da World Athletics, disse que aumentar premiações pode dissuadir atletas de seguirem o exemplo de Kerley. Concordo. Em Paris, a federação internacional de atletismo foi a primeira a oferecer US$ 50 mil (R$ 270 mil) aos campeões olímpicos. No campeonato mundial disputado em Tóquio, Mondo Duplantis ganhou US$ 170 mil (R$ 905 mil) pelo ouro no salto com vara e melhora do próprio recorde mundial.
Gestores esportivos têm duas opções: ignorar e desmerecer os Enhanced Games, ou refletir sobre o que está errado em suas modalidades e faz com que atletas abandonem o esporte ou pensem em se juntar a essa turma do mal.
Apoio a segunda opção.
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Folha de S.Paulo