Corrida, o novo ópio do povo – 25/08/2025 – No Corre


Advertência: contém forçação de barra, sem prejuízo do sentido geral.

Uma hipótese: certa nostalgia do futebol não vem apenas da saudade do tal jogo bonito, que a competitividade e o avanço da preparação física podem –ou não– solapar. Dificilmente a seleção do Tri conseguiria enfrentar, digamos, o Bayern hoje em dia, o que não quer dizer que o jogo dos alemães seja duro e sem graça. Talvez só Jairzinho, e Pelé, quem sabe, conseguissem escapar da marcação.

A nostalgia vem, creio, da coisa em si, da dificuldade de se ir a um estádio de futebol no Brasil.

Assistir a um jogo na tarde de domingo não é mais aquele programa que você decide de última hora, e carrega uma penca de filhos e agregados, vários deles no banco da frente do Passatão. Ir ao estádio exige programação, ter amigo sócio-torcedor, conhecer a RP da empresa detentora dos naming rights do estádio. E, sim, deixar na brincadeira o pixo equivalente ao de um omakase no japonês mais falado da cidade.

Talvez seu filho jamais tenha ido a um estádio de futebol.

Talvez você tenha dito a seu filho que ia sempre ao estádio. Que tomava cafezinho e comia canole (não tinha esse nome ainda) atrás do gol no Pacaembu; que entrava de graça no segundo tempo na geral do Maracanã para ver o jogo que fosse; que a vinheta da sua vida era “Suderj informa”.

A comparação é temerária, pois o futebol ainda domina a TV e duzentas outras telas, com transmissões ao vivo, programas específicos e infindáveis mesas-redondas. A decisão de Ancelotti de limar Neymar deve durar algumas semanas na homepage desta Folha.

Mas a ida aos estádios especialmente aos domingos e essa relação mais orgânica com o futebol talvez estejam dando lugar a outra atividade –e esta não só contemplativa: a corrida. Numa rápida olhada na plataforma Ticket Sports, fica-se sabendo, por exemplo, que no próximo 7 de Setembro, desgraçadamente um domingo, devem ocorrer só na capital paulista cinco provas de corrida. E há ainda uma night run na véspera, no sábado.

Assim, com tantas provas, já é possível correr por cerca de R$ 70, com direito a camiseta e medalha, caso da tal Night Run da véspera do feriado.

Mas o melhor é que nem é preciso participar de uma prova –e as equipes de corrida cada vez mais numerosas o provam– para fruir disso que o futebol já foi pródigo em oferecer: um congraçamento meio inexplicável em torno de um objeto de devoção comum, digno de ser a única coisa realmente importante durante aquelas duas horas vividas necessariamente no local dos acontecimentos.

Pois a corrida era só o que me preenchia enquanto eu esperava pela chegada de minha “dupla”, a Isabela Schultz, minha jovem companheira da maratona de revezamento da Fila, que aconteceu neste domingo, na USP. E já corri, o quê, milhares de vezes?

Foi bueníssima a onda, até mesmo para quem não corria: parentes, amigos e escudeiros de modo geral aproveitavam-se dos gramados do clube da USP para armar suas cadeiras de praia, como se estivessem num GP de F1 de Interlagos nos anos 70.

Há pessoas que dizem que a corrida mudou suas vidas. Não duvido, mas prefiro pensar que ela tem essa singela capacidade de ofertar uma manhã de domingo estupenda e memorável.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.



Folha de S.Paulo