
Alguns municípios buscam regulamentar a prática do grau para coibir infrações
Várias cidades brasileiras vêm tentando adotar estratégias para combater a prática conhecida como “grau” ou “wheeling”, que são as manobras arriscadas que motociclistas fazem, em cima de uma roda só.
Alem do perigo, tem ainda o barulho ensurdecedor das motos que circulam com o escapamento mexido ou aberto, de forma proposital. O problema é que os projetos para eliminar esse problema avançam pouco ou quase nada.
A fiscalização e punição são responsabilidades das autoridades de trânsito, como as guardas municipais, dentro das cidades, a Polícia Militar, em vias estaduais, e a Polícia Rodoviária Federal, no caso das rodovias federais.
Em entrevista ao Portal iG, o advogado Caio Miranda explicou que o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) proíbe essas práticas em vias públicas, podendo o infrator responder administrativa e criminalmente.
Cada caso tem uma penalidade diferente
Na esfera administrativa, o motociclista pode ser enquadrado em infração gravíssima, com multa podendo chegar até o dobro em caso de reincidência.
Tem ainda a possibilidade de suspensão de dirigir, com o recolhimento da CNH e a apreensão da moto. Isso pode ocorrer em caso de malabarismos ou o motoqueiro equilibrar-se em apenas uma roda.
Já em relação a andar com o escapamento aberto ou com alterações para produzir ruído excessivo, o CTB proíbe a prática no artigo 230, podendo configurar contravenção penal de perturbação do sossego.
No âmbito criminal, quem participa de corrida em via pública, competição ou se exibe demonstrando perícia em manobra pode ser punido com detenção de seis meses a três anos, multa, suspensão ou proibição de obter a CNH para dirigir.
“Como esse crime prevê uma pena baixa, caberá até mesmo acordo de não persecução penal. E o agente pode cumprir medidas alternativas, como a prestação de serviço à comunidade ou pagamento de prestação pecuniária, que não resultará em uma ação penal”, aponta o advogado.
Fiscalização não é feita da mandeira correta por falta de pessoal
Em relação à dificuldade que o poder público tem para fiscalizar, Miranda aponta como principais motivos a falta de efetivo e estrutura policial e a dificuldade na abordagem do infrator. Indica ainda a falta de investimentos em equipamentos que poderiam coibir os infratores, como vídeomonitoramento nas vias.
“Esses motociclistas fogem em alta velocidade. E acho também que, principalmente, a cultura de aceitação da sociedade quanto a esse tipo de prática, serve, de certa forma, de desestimulo às denúncias e favoreça a reincidência nesse tipo de conduta”, completa ele.
Saídas para coibir a infração
Entre as saídas encontradas pelas prefeituras para coibir a prática do “grau” em vias públicas estão operações de fiscalização em pontos estratégicos, campanhas de educação e de conscientização, criação de multa adicional para motos barulhentas, além da proibição de venda e instalação de escapamentos que ultrapassem os limites de ruído.
Todas são inciativas que dependem de eficiência na fiscalização.
Mas outra proposta tomou corpo e tem virado lei em algumas cidades nos últimos anos: a regulamentação do ” grau” em esporte, com a criação de espaços específicos para a prática das manobras, com regras e limitações de segurança necessária.
É o caso do estado do Espírito Santo, onde uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa está valendo desde março deste ano.
De autoria do deputado Coronel Weliton (PRD), a lei reconheceu o “wheeling” como uma prática esportiva, desde que realizada em local adequado e com equipamentos de segurança.

O deputado Coronel Weliton (PRD), autor da proposta na Assembleia Legislativa do Espírito Santo
A matéria foi aprovada no Plenário em fevereiro e o governador Renato Casagrande (PSB) sancionou a lei.
“A proposta desse nosso projeto de lei para o estado é importante por reconhecer essa modalidade esportiva no Espírito Santo e trazer mais uma oportunidade de esporte e lazer, negócios e turismo para todo o Estado”, defendeu o autor da proposta, ao iG.
Na opinião do Coronel Weliton, a maioria das pessoas desconhece a proposta do “grau”, acreditando que os praticantes querem fazer suas manobras em vias públicas.
“Eles querem mesmo um espaço próprio onde possam juntar a galera e fazer as suas acrobacias. Os praticantes do grau são rapazes e moças responsáveis, que trabalham, tem suas famílias. São cidadãos que encontram diversão neste esporte”.
Ele lembrou que se trata de um esporte homologado pela Confederação Brasileira de Motociclismo (CBM) e disputado em campeonatos brasileiros desde 2013.
“É importante destacar que, apesar do reconhecimento como esporte, em nosso estado, a prática continua sendo proibida nas ruas e vias públicas. Fora do ambiente controlado e apropriado, “dar grau” é considerado uma infração de trânsito gravíssima pelo Código de Trânsito Brasileiro” , enfatiza.
Várias prefeituras, a exemplo do Espírito Santo, colocaram em pauta nas câmaras de vereadores a proibição das manobras em vias públicas, regulamentando a prática do “grau” em espaços específicos, como João Lisboa (MA), Pitangueiras (SP), Osório (RS), Campo Largo, Macapá (AP), Campo Grande (MS) e Montes Claros (MG), Itapema (SC) e Curitiba (PR).
Projeto engavetado
Em Peruíbe, litoral de São Paulo, o vereador João Pedrinho de Lara (Avante) tentou uma iniciativa semelhante no ano passado. Conseguiu parecer favorável nas comissões da câmara, mas não teve sucesso para levar a proposta a plenário.
Isso porque, segundo Lara. o prefeito de Peruíbe na época, Luiz Maurício (PSD), fez uma campanha nas redes sociais chamando a prática de algazarra. Em vídeos, ele adiantou que “jamais sancionaria o projeto de lei”
“Diante da posição do prefeito, a ideia acabou ficando engavetada. Nós já teríamos até um local para a instalação da prática. Inauguramos uma área de eventos que poderia abrigar essa ideia. Mas, infelizmente, não conseguimos levar adiante”, lamentou o vereador, em entrevista ao iG.

O vereador João Pedro de Lara (Avante)
Ainda segundo Lara, sua intenção é promover a valorização da prática como atividade recreativa e esportiva, criando um ambiente seguro e regulamentado, afastando os jovens de práticas ilegais e perigosas nas vias públicas.
“Além disso, fomentaria o turismo na nossa cidade, principalmente na baixa temporada. Poderíamos atrair esses campeonatos para nossa cidade”, acrescentou.
Com a nova gestão do município, o vereador disse que pretende desengavetar o projeto de lei e trabalhar para aprová-lo em plenário ainda neste ano.
Revogação do título de Capital do Grau
Já o movimento no Legislativo de Belo Horizonte é para revogar o título de “Capital Nacional do Grau”.
A revogação foi aprovada no último dia 11 de agosto e agora aguarda sanção do Executivo.
A proposta que deu o reconhecimento à cidade foi aprovada pelo plenário da Câmara Municipal em julho de 2022.
No entanto, o vereador Sargento Jalyson (PL) decidiu pedir a revogação do título, alegando que a iniciativa foi negativa para a cidade.
Segundo ele, desde que a lei entrou em vigor, há 3 anos, houve aumento da prática em vias públicas e de acidentes envolvendo os chamados “rolezinhos do grau”.
Ele aponta dados da Secretaria de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (SEJUSP/MG) para justificar sua iniciativa.
Até agosto de 2022, quando a lei entrou em vigor, duas ocorrências haviam sido registradas na capital mineira. Depois disso, até o fim daquele ano, foram mais 14 ocorrências.
Em 2023, foram 66 ocorrências, e, em 2024, 130 de acidentes com motociclistas na cidade. Neste ano, até fevereiro, foram 16 ocorrências envolvendo os eventos denominados “rolezinhos do grau”.
Ainda de acordo com o vereador, houve aumento expressivo de reclamações acerca de perturbação da ordem pública e infrações de trânsito associadas a esses encontros, o que vêm resultando também em operações policiais para coibir a prática.
“A revogação da lei é para evitar que Belo Horizonte continue ostentando, equivocadamente, o título de Capital Nacional do Grau. Essa denominação foi interpretada como incentivo a práticas irregulares, gerando conflitos com as normas de trânsito e comprometendo a segurança pública” , finalizou o vereador Sargento Jalyson, que agora aguarda a sanção do Executivo à sua proposta de revogação.
O preço da imprudência

Acidentes com moto no Brasil, em sua maioria, envolvem jovens de 18 a 24 anos
A imprudência de motociclistas e o descaso com as leis de trânsito têm custado caro, principalmente para os jovens.
De acordo com o Tenente-Coronel Bombeiro Militar, Gil Correia Kempers Vieira, pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Desastres da Universidade Federal Fluminense (NEPED-UFF), os acidentes com motos no Brasil, em sua grande maioria, envolvem jovens de 18 a 24 anos, com veículos de baixa cilindrada.
Esse perfil se enquadra na classe de profissionais que utilizam motos para trabalhar, tais como motoboy e mototaxistas.
“Isso porque os jovens apresentam normalmente um ímpeto maior. Muitas vezes, por imprudência, acabam se colocando em risco e também a vida dos outros, quando arriscam manobras proibidas pelo Código de Trânsito Brasileiro”, aponta Vieira.
Ainda segundo o pesquisador, é comum, nos registros dos acidentes, a constatação de falta do uso dos EPI, tais como capacete e roupas adequadas.
Irresponsabilidade que custa caro para o poder público, considerando o atendimento especializado de Bombeiros, SAMU e Polícia Militar, além dos custos médicos bancados pelos governos.
“As vítimas de acidente de motocicletas, em média, perduram dois meses de internação. Nos casos mais graves, o tempo aumenta, assim como os custos, quando o tratamento envolve próteses em amputados ou outras vítimas graves que necessitam de um tratamento especial e de alto custo” , contextualiza Vieira.
Nesta esteira, destaca ele, as vítimas com lesões permanentes deixam de contribuir economicamente para a sociedade, passando a depender da previdência social.
“Além disso, há custos no judiciário dos processos relativos aos acidentes, bem como o seguro obrigatório. Claro, que, no pior cenário, as vítimas fatais de acidentes de moto são um grande trauma para a família, deixando por vezes dependentes e uma lacuna que nunca vai ser preenchida”, enfatiza.
Por tantos motivos, na avaliação de Gil Correia Kempers Vieira, tratar preventivamente os acidentes de moto, como uma epidemia, seria o caminho para a redução desses índices.
IG Último Segundo