Em um pub na capital inglesa, funcionários exibem com orgulho a frase escrita no uniforme: “o pub de rúgbi mais famoso do mundo”.
Turistas de vários países visitam o local para assistir aos jogos e sentir a paixão que os ingleses têm pelo esporte, mais um que inventaram. Nas paredes, há fotos, bolas, camisas. Na entrada, uma placa anuncia o megaevento esportivo que a Inglaterra está prestes a sediar: a Copa do Mundo feminina de rúgbi, que terá início nesta sexta-feira (22).
Nem adianta tentar reservar mesa para o dia da final, 27 de setembro: a lotação está esgotada desde o início de agosto. Cerca de 1.500 clientes são esperados.
“Acabamos de ter o sucesso da seleção feminina de futebol ganhando a Eurocopa, algo fantástico. A Copa do Mundo de rúgbi é um motivo para continuar a deixar as pessoas empolgadas e permanecer promovendo o esporte feminino,” disse à Folha Jimmy Deane, subgerente do The Cabbage Patch, que fica perto do estádio palco da decisão.
A Inglaterra, líder do ranking mundial, é uma das favoritas na maior Copa do Mundo feminina da modalidade em todos os tempos. Passou de três estádios na edição de 2022 para oito em 2025, e de 12 seleções para 16. Dentre elas, o Brasil, que participa pela primeira vez e é a primeira equipe da América do Sul a disputar o torneio.
A seleção brasileira, 25ª do mundo, conseguiu a vaga ao vencer a Colômbia nas eliminatórias sul-americanas. Estreará no domingo (24), contra a África do Sul (12ª do ranking). No grupo D, enfrentará ainda a França (4ª), no dia 31, e a Itália (7º), no dia 7 de setembro. As 32 convocadas chegaram à Inglaterra na última sexta (15), na cidade Northampton.
“A gente está no berço do rúgbi. O clube onde treinamos é de rúgbi, com a estrutura que existe no Brasil para o futebol”, disse a jogadora Raquel Kochhann. “Salas, vestiários, baita estrutura, três ou quatro campos bonitos, verdes. E isso em um clube de cidade pequena. Isso é o mais incrível, eles têm estrutura profissional para o rúgbi amador.”
O desafio é grande porque o Brasil nunca jogou contra as rivais, mais fortes, e pela adaptação. Há duas modalidades no rúgbi: para sete (sevens, disputada em Jogos Olímpicos) e 15 jogadoras (XV, a da Copa do Mundo). As brasileiras têm experiência no sevens, com 21 títulos continentais, e foram a todas as edições possíveis de Copa do Mundo e Olimpíadas. Mais rápido e com menos atletas, essa versão do esporte tem estrutura mais simples e custo menor.
Estar na elite do XV é fazer parte de um grupo seleto, ainda que a distância para as potências seja grande. Em nove edições de Copas do Mundo, só Nova Zelândia (6 títulos), Inglaterra (2) e Estados Unidos (1) venceram.
“O rúgbi XV feminino no Brasil ainda está engatinhando,” disse à reportagem Kochhann, que disputou três Jogos Olímpicos no sevens.
As “Yaras”, apelido da seleção e homenagem à cultura brasileira, têm um grupo variado. Larissa Henwood joga na Nova Zelândia, cuja seleção é a atual campeã do torneio. Bianca Silva vem de um projeto social. Marcelle Souza praticava atletismo. Marina Fioravanti é engenheira ambiental. Samara Vergara, tatuadora. Onze competiram em pelo menos uma edição olímpica.
“É uma grande diversidade em idade, estilos, experiência de rúgbi. Temos atletas que farão o segundo jogo de XV; outras com experiência internacional, que jogam fora do Brasil. Isso faz nosso time ser muito rico porque temos todas as ferramentas que podem ser somadas e fazer o jogo acontecer.”
O Brasil é comandado desde 2023 pelo uruguaio Emiliano Caffera, que esteve em três Copas do Mundo como jogador e integrante de comissões técnicas de Chile e Uruguai.
“Sairei daqui muito satisfeito se pudermos impor nosso jogo, fazer o que quisermos, não só receber o ataque adversário e não poder fazer nada,” disse. “Se começarmos a utilizar nossa fortaleza, nosso jogo com as mãos, velocidade, tenho a certeza de que poderá ser um bom torneio.”
É uma enorme oportunidade de se mostrar ao mundo. Dos 470 mil ingressos postos à venda, mais de 375 mil já foram vendidos. As 82 mil entradas disponibilizadas para a final foram esgotadas, o que fará dela a partida feminina de rúgbi feminino com maior público da história, ultrapassando as 66 mil dos Jogos Olímpicos de 2024, em Paris. Organizadores comemoram o número de parcerias comerciais, as transmissões de TV para Reino Unido, França, Austrália, Estados Unidos e Brasil e os mais de 500 profissionais de imprensa credenciados.
A modalidade ganhou visibilidade no Brasil na abertura dos Jogos de Paris, que teve Kochhann como porta-bandeira da delegação do país. Agora, ela quer passar tranquilidade às companheiras e transformar pressão em resultados; fora de campo, tenta melhorar o cenário atual.
“Queremos mostrar que somos um país com inúmeros esportes além do futebol. O rúgbi merece essa oportunidade de estar na vitrine, receber investimentos. Que empresas olhem para outras modalidades, quem sabe o rúgbi seja escolhido,” disse. “A gente conseguiu nossa vaga, estamos entre as melhores do mundo. Queremos atrair mais possibilidades de expandir nosso esporte dentro do nosso país.”
Folha de S.Paulo