Atendendo a uma demanda crescente de corredores de rua amadores que buscam opções mais flexíveis para conciliar a prática esportiva com a rotina, os organizadores das provas têm aumentado nos últimos meses a oferta de corridas realizadas à noite —e até de madrugada.
Segundo os responsáveis pelas competições, o público que costuma participar dos eventos noturnos tem um perfil diferente daquele observado nas provas diurnas.
São geralmente pessoas jovens que estão menos preocupadas com a performance atlética, tendo como maior motivação vivenciar uma experiência diferente, em clima de confraternização com os demais competidores.
A prova, claro, é realizada sob temperaturas mais amenas. E, após o cruzamento da linha de chegada, há apresentações musicais com bandas ao vivo, DJs, fogos de artifício e distribuição de bebidas, com o ambiente de prova transformando-se em uma espécie de balada.
Levantamento da plataforma Ticket Sports indicou que apenas no primeiro semestre de 2025 foram realizadas 111 corridas noturnas no Brasil. O número não é restrito aos eventos da própria Ticket Sports e já supera as 97 provas realizadas ao longo de todo o ano passado, um aumento que vem na esteira do crescimento geral no número de praticantes de corrida.
“As corridas noturnas atraem pessoas que nunca tinham participado de uma prova. Se as provas diurnas têm uma média de 30% a 40% de novos corredores, nas noturnas eles são entre 50% e 60%”, afirmou o CEO da Ticket Sports, Daniel Krutman.
Entre as provas noturnas recentemente organizadas pela plataforma está a Music Night Run, em Sorocaba, no fim de junho, que contou com o show de uma banda de rock.
Segundo Krutman, “a prova noturna tira um pouco o peso da performance e acaba dando mais espaço à curtição, a estar com os amigos em um sábado à noite”. Os eventos são compostos basicamente por atletas amadores, com provas que não costumam ter premiação em dinheiro.
“Para mim, o maior atrativo da corrida noturna é não ter o compromisso de acordar cedo, principalmente em época de muito frio”, disse a fisioterapeuta Priscilla Santos, 43.
Já Filipa Sousa, 31, que atua na área de marketing e completou sua primeira prova de 10 km em uma corrida noturna em São Paulo, afirmou correr sem relógio, “para não ficar exigindo tanto” de si mesma.
“Acho que tem uma outra energia na corrida à noite, por explorar a cidade de uma outra forma. Sinto as pessoas mais animadas, tem a questão das cores das luzes também”, disse.
Treinador do medalhista olímpico Vanderlei Cordeiro de Lima, Ricardo D’Angelo observou que é incomum corredores profissionais participarem de provas à noite.
“Há os riscos, sobretudo do ponto de vista de segurança. É preciso redobrar os cuidados, em especial com a questão da visibilidade. Ser visto quando se corre na rua é muito importante, então é preciso usar roupas adequadas”, afirmou o treinador.
“Mas também há os bônus, com uma temperatura mais legal, sem a incidência do sol, com o clima a seu favor para o desempenho.”
Medalhista de bronze nos Jogos Olímpicos de 2008, em Pequim, no revezamento 4 x 100 m, Sandro Viana também vê as provas noturnas com “um conceito mais comercial”.
No entanto, segundo ele, hoje coordenador de esportes de alto rendimento na Secretaria de Esportes do Estado do Amazonas, há atletas de qualidade elevada: “As corridas de rua ganharam muitos adeptos nos últimos anos, e procuramos acompanhar para identificar novos talentos”.
Diretor de operações da TFSports, empresa responsável pelos circuitos Track&Field Run Series e Experience Running, Rafael Yanes assinalou que as provas noturnas tendem a atrair um público mais acostumado a treinar no fim do dia e no início da noite. Essas pessoas buscam provas que repliquem essas condições.
A TFSports promoveu em 2024 nove etapas de provas noturnas, número que vai saltar para 23 neste ano. “Temos shows em todos os eventos e percebemos que o público acaba ficando mais na arena, tem uma interação maior.”
Há, contudo, desafios logísticos.
“As inscrições das provas noturnas tendem a ter um valor mais alto, porque o custo da organização fica mais alto também, com a necessidade de mais investimento em iluminação, em segurança durante o percurso, com mais fiscais de prova e agentes de trânsito”, disse Yanes.
Uma barreira para o crescimento das corridas noturnas é a limitação de espaços para recebê-las. Em São Paulo, elas costumam se concentrar em locais como o Memorial da América Latina e no entorno da praça Charles Miller, no Pacaembu, com distância limitada, entre 5 km e 10 km, em média.
De modo a driblar as restrições de mobilidade nas capitais, a TFSports passou a realizar, desde 2019, provas noturnas em pistas de aeroportos. São corridas que têm a largada no meio da madrugada, às 2h ou 3h, quando há menos voos e as pistas são fechadas para pousos e decolagens para dar lugar aos corredores.
As provas são realizadas em parceria com a concessionária Motiva (ex-CCR) e já ocorreram em Joinville, Teresina, São Luís, Londrina e Goiânia, com a estreia neste ano em Belo Horizonte, no aeroporto da Pampulha. Elas chegam a atrair 3.000 participantes.
Os praticantes da corrida noturna, evidentemente, não a realizam apenas em competições organizadas. Muitos deles estabelecem seus próprios percursos e cruzam as cidades à sua maneira.
Outros se reúnem em grupos, como o Let’s Hop, fundado pelo designer gráfico Gledson Neix, 39, em 2019, em São Paulo. Parte das atividades é realizada no Minhocão, elevado na região central da cidade que fica fechado à noite para o trânsito de carros —há nessas corridas significativa participação de mulheres, que preferem correr acompanhadas.
“Muita gente não consegue treinar mais cedo por causa do trabalho, e esse momento de encontrar e conhecer novas pessoas depois de um dia cansativo dá uma revigorada”, afirmou Neix, mais conhecido no meio como Glé.
“A noite tem seu charme, a iluminação, o clima mais fresco. É uma atmosfera mais festiva que acaba atraindo as pessoas.”
Folha de S.Paulo