Há duas semanas, o Brasil assistiu com horror a notícia de um homem, ex-jogador de basquete, que agrediu sua namorada no elevador, com 61 socos, em Natal (RN). 61 golpes. 61 tentativas de destruir uma mulher. 61 vezes que escancaram a violência contra a mulher em pleno século 21.
Em entrevista, Juliana Soares relatou que não foi a primeira agressão sofrida. Ciúme excessivo, quebra de seus celulares e abuso psicológico faziam parte do relacionamento. As causas para o não término, nesse tipo de relação, são inúmeras, tais como a crença de que existirá mudança do outro; o medo da solidão; a invalidação social; a autoestima e tantos fatores psicológicos. Sim, até mesmo a desilusão faz seres humanos aceitarem o inaceitável.
Enquanto a vítima permanece traumatizada, submetida a cirurgias de reconstrução facial, com medo de novos relacionamentos e sonhos interrompidos, o agressor (agora preso) personifica uma problemática de toda a nossa sociedade – a misoginia e o machismo.
É preciso reconhecer os avanços: leis para coibirem essas práticas são formuladas. Debates são promovidos. O tema está em pauta. Deputadas representam o situacional feminino no Congresso Nacional. O Ministério das Mulheres, no primeiro escalão do governo federal, tem voz: “Estamos aqui!”
No entanto, o que mais choca em mais essa recente tentativa de feminicídio é: 61 socos, quase 20 anos após a promulgação da Lei Maria da Penha, que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, entre tantas outras normativas com a mesma finalidade.
Esse triste caso reacende um alerta: apesar dos avanços legislativos, as mulheres ainda não conquistaram o espaço que lhes é de direito. Um local que vai muito além de cargos profissionais, direito ao divórcio, aos bens ou participação política. Que não se restringe ao plano objetivo da existência. Ainda não conquistamos um lugar sem a repressão sociocultural, aquele sem o silêncio preconceituoso que vive nas entrelinhas do cotidiano, nos olhares das pessoas próximas, que impõem às mulheres as mais diversas angústias para se adaptarem ao que delas é esperado.
Vivam como mulheres, sintam como mulheres, enxerguem o mundo como mulheres. Só assim para perceberem o abismo que ainda existe entre elas e a população masculina. Apesar de representarem 51,5% da população mundial, não foram elas que ditaram as regras (em muitos casos, nem foram consultadas).
Em vez de irem ao fundo da questão, limitam-se em dizer: “O relacionamento está ruim? Termine.” Outros, indignados com a situação, afirmam: “Basta olhar as bandeiras vermelhas, meninas. Sigam suas vidas.”
Se fosse tão simples, haveria tantos abusos perpetrados por tantos anos?
Conforme redigiu Françoise d’Eaubonne, escritora feminista francesa: “Uma mulher deve justificar-se a cada instante de sua vida. É o que faz com que ela busque tão apaixonadamente a beleza, o amor, o mistério, os filhos, não como bens tão naturalmente desejáveis, como são a potência ou a posse para o homem, mas como álibis, como pontos positivos, como testemunhos favoráveis à sua defesa.”
Mulheres se casam para serem validadas pela sociedade. Ainda têm filhos para serem aceitas. Buscam paixões que não as pertencem para serem mulheres aos olhos do mundo. Para agradar. Quando reduzimos uma mulher à sua aparência, ao seu comportamento, às suas escolhas ou ao seu corpo, estamos perpetuando expectativas e padrões que limitam sua liberdade e autonomia.
Juliana Soares foi afrontada em seu direito maior: à vida. Enquanto não houver vozes mais ativas contra o preconceito, outras mulheres continuarão a sofrer. A luta é de todos, por um país e um mundo no qual a justiça e o humanismo caminhem lado a lado, ou seja, aparência, comportamento, gênero, crença jamais podem ser fatores de segregação.
Jornal da Região