
Boto-cinza (Sotalia Guianensis)
Quase 90% das áreas habitáveis para o boto-cinza(Sotalia guianensis) no litoral do Rio de Janeiro estão sobrepostas a regiões com intensa atividade humana. É o que aponta um estudo recente publicado na revista Aquatic Conservation: Marine and Freshwater Ecosystems e conduzido por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro ( UFRJ).
A espécie, símbolo do estado e retratada no brasão da cidade do Rio, enfrenta uma realidade cada vez mais hostil no complexo estuarino de Sepetiba e Ilha Grande, um de seus principais refúgios.
“Conseguimos mapear que a maior parte do espaço considerado adequado para os botos coincide com áreas de forte pressão humana, como portos, zonas de pesca, turismo náutico, rotas de navegação e canais dragados” , afirma Tomaz Cezimbra, doutorando em Ecologia na UFRJ e um dos autores do levantamento, ao Portal iG.
De acordo com o estudo, apenas 25% da área analisada apresenta características ideais para a espécie, que prefere águas rasas (entre 5 e 20 metros de profundidade), com menor salinidade e produtividade intermediária. Essa limitação de espaço torna o boto ainda mais vulnerável aos impactos diretos das atividades humanas, como a pesca e a movimentação portuária.
Segundo Cezimbra, entre os maiores riscos imediatos estão as capturas acidentais em redes de pesca e os danos provocados pela infraestrutura portuária.
“As atividades de pesca, especialmente as industriais, oferecem risco de emalhe e morte aos botos. Já as atividades portuárias são em larga escala e tendem a degradar o ambiente de forma muito mais significativa — com dragagens constantes, explosões de rochas para abertura de canais e grande volume de tráfego marítimo —, o que gera degradação física do habitat, poluição sonora e química e risco de colisões” , detalhou ao iG.
Impactos das mudanças climáticas
Além das pressões humanas diretas, o cenário futuro para o boto-cinza é agravado pelas mudanças climáticas, que podem afetar sua principal fonte de alimento.
De acordo com Rodrigo Tardin, biólogo e professor da UFRJ, que coordena o Laboratório de Ecologia e Conservação Marinha (ECoMAR), o maior impacto climático para a espécie será a alteração no regime de chuvas e na força dos rios, o que afeta diretamente a disponibilidade de presas.
“Algumas espécies que compõem a dieta dos botos, como sardinha e corvina, tendem a desaparecer em cenários futuros por conta das mudanças climáticas. Então, mesmo que os botos resistam a alterações e mudanças na salinidade, se o alimento não estiver mais disponível, eles desaparecerão” , afirma.
Conservação depende de diálogo e co-responsabilidade
Diante desse cenário, os especialistas defendem a adoção de medidas urgentes. Entre as recomendações do estudo, estão a redução da velocidade de embarcações, para evitar colisões, e o fortalecimento das Áreas Marinhas Protegidas, com fiscalização efetiva para coibir atividades ilegais.
Outro ponto essencial é a integração das comunidades locais no processo de conservação, especialmente os pescadores artesanais, que mantêm relações históricas com o território.
“A conservação do boto-cinza só será eficaz se houver articulação entre cientistas, gestores, pescadores e a sociedade em geral. Todos somos corresponsáveis por essa proteção” , afirma o biológo.
Ele destaca ainda a importância dos conselhos gestores locais, que reúnem representantes de diferentes setores — universidades, órgãos ambientais, turismo, indústria e pesca — para construir soluções conjuntas.
“ É um local de diálogo, é um local onde o onde você pode criar instrumentos como plano de manejo, por exemplo, onde você consegue então fazer um zoneamento das atividades. Essa escuta ativa e contínua ajuda tanto a proteger o modo de vida tradicional quanto a manter os estoques pesqueiros, beneficiando também a conservação dos botos”, reforça Tardin.
Entretanto, o pesquisador ressalta que, além da necessidade de medidas implementadas para regulamentar a atividade, ainda persistem inúmeras lacunas e obstáculos para garantir uma fiscalização realmente eficaz. Entre os principais entraves, estão a escassez de infraestrutura adequada e, sobretudo, a limitação orçamentária, que compromete a capacidade de monitoramento contínuo e a aplicação de normas nas áreas de maior pressão turística.
IG Último Segundo