
A ministra Marina Silva disse que esta quinta-feira é um “dia de luto” e chamou o licenciamento ambiental aprovado de “retrocesso”
Após o Congresso Nacional aprovar, na madrugada desta quinta-feira (17), o PL 2159/2021, que trata sobre o licenciamento ambiental, o Governo Federal reagiu negativamente, alertando sobre os riscos que a medida oferece ao meio ambiente.
De acordo com parlamentares da base governista, ministros e defensores ambientais, a flexibilização da norma pode “escancarar o Brasil ao desmatamento ” .
“Tragicamente, na madrugada deste 17 de julho, Dia Nacional de Proteção às Florestas, a Câmara dos Deputados decidiu que elas não são mais importantes que os interesses de alguns, ainda que a falta delas impacte a vida de todos nós” , lamentou a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva.
Em razão da decisão da Câmara, a ministra disse que esta quinta-feira é um “dia de luto” e chamou o licenciamento ambiental aprovado de “retrocesso”. Marina ainda afirmou que o projeto de lei “fere de morte” o licenciamento ambiental, que, segundo ela, é “um dos principais instrumentos de proteção ambiental do país” .
“Apesar do apelo do governo e de vários setores da sociedade, a maioria dos deputados chancelou uma redação que flexibiliza ao extremo os procedimentos de licenciamento ambiental e fragiliza todo o arcabouço legal que sustenta a proteção socioambiental, sem trazer ganho de eficiência ou agilidade” , argumentou.
Para a ministra, o projeto aprovado cria “vulnerabilidades socioambientais”. Marina Silva também convocou a sociedade para se mobilizar contra a medida.
“O governo vai continuar trabalhando porque precisamos consolidar um marco legal do licenciamento ambiental que esteja à altura de nossas imensas riquezas naturais, da tradição jurídica brasileira, tanto em defesa do meio ambiente, quanto na segurança e previsibilidade para os empreendimentos a serem licenciados, e alinhado com os princípios da sustentabilidade e da proteção ambiental” , garantiu.
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade ( ICMBio) classificou a aprovação do PL como uma “tragédia anunciada”.
“O projeto aprovado representa um retrocesso significativo na legislação atual, flexibilizando todas as etapas do licenciamento ambiental, com redução de instrumentos e normas, dispensa de estudos e monitoramento de impactos e diminuição do poder da fiscalização por parte dos órgãos públicos” , destacou, por meio de nota publicada nesta tarde.
O Instituto ressaltou que o projeto prevê a alteração do artigo 36 da Lei nº 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) e, com isso, “atinge em cheio” as atribuições do ICMBio.
“O projeto aprovado representa um grande risco para a integridade das áreas protegidas federais, dado o conhecimento técnico específico que o ICMBio detém sobre cada uma delas. O projeto compromete gravemente a capacidade do órgão gestor de assegurar a compatibilidade entre atividades econômicas e proteção da biodiversidade brasileira em unidades de conservação” , alertou.
“Enfraquecer os mecanismos de controle e prevenção ambiental não apenas agrava problemas atuais, como compromete a capacidade de legar às próximas gerações um ambiente equilibrado e saudável”, concluiu a nota.
A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, reiterou as críticas à Câmara e declarou que a decisão do parlamento demonstra um “descompromisso com o futuro”. “No ano em que receberemos a COP, nossos parlamentares mostram qual exemplo não se dar ao mundo “, opinou.
Reação nas redes sociais
A tentativa de chamar a atenção para o projeto, nomeado pelos governistas e defensores do meio ambiente como PL da Devastação, ganhou força com a participação da cantora Anitta, que alertou, por meio de suas redes sociais, para a votação da proposta.
“Gente, o assunto é muito sério! Querem aprovar um projeto de lei para afrouxar a forma como conseguimos licenças ambientais no Brasil. Isso vai colocar em risco florestas, rios, territórios indígenas, clima, causando tragédias. Para vocês terem uma ideia, obras vão ser feitas mesmo sem saberem com certeza os riscos para as pessoas e natureza” , escreveu a cantora em seu perfil do Instagram, antes do projeto ser aprovado.
Após a aprovação, os internautas se uniram contra a decisão da Câmara. O termo “Congresso da Devastação” ficou entre os assuntos mais comentados do X, antigo Twitter, durante todo o dia e, segundo a plataforma Trends24, acumulou, até o fechamento desta reportagem, mais de 200 mil menções.
O termo “Veta Lula” também foi um dos mais comentados. O pedido chegou a ficar em primeiro lugar dos assuntos de maior repercussão do X, com mais de 172 mil menções.
Nos bastidores, a expectativa, por enquanto, é que o clamor popular pelo veto ao projeto tenha impacto na decisão do presidente Lula. Deputados da base governista estão esperançosos de que o chefe do Executivo não vai sancionar a proposta, pelo menos não integralmente.
Já a palavra “Congresso” foi uma das mais populares do dia, com mais de 1,3 milhão de publicações. As pesquisas no Google também subiram. De acordo com dados do pesquisador, o termo “projeto lei licenciamento ambiental” está em alta nas buscas, com mais de mil procuras por volta das 12h, um aumento de 200% no interesse pelo assunto.
Logo após a aprovação no Congresso, as buscas por “PL da Devastação” aumentaram 500%. Segundo o Google Trends, às 4h20 desta madrugada, foram realizadas mais de cinco mil pesquisas sobre o termo. As regiões do Distrito Federal, Amapá e Pará foram as mais interessadas no tema.
As pesquisas por “quem votou a favor do PL da Devastação” e “Projeto de Lei 2159/2021” aumentaram 190% nas últimas 24 horas.
Entenda o embate
O licenciamento ambiental é um instrumento fundamental da política ambiental brasileira. Previsto na Lei nº 6.938/1981, que institui a Política Nacional do Meio Ambiente, ele tem como principal objetivo conciliar o desenvolvimento econômico com a preservação dos recursos naturais e a proteção da qualidade de vida das populações.
Trata-se de um processo administrativo por meio do qual o poder público — geralmente os órgãos ambientais estaduais ou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em casos específicos — autoriza a instalação e operação de empreendimentos ou atividades que utilizam recursos naturais ou que possam causar algum tipo de impacto ambiental.
Assim, o licenciamento funciona como uma espécie de “freio técnico e legal” que obriga empresas, construtoras e até o próprio Estado a avaliar os impactos de suas obras e operações antes que elas comecem. Ele também é essencial para a segurança jurídica de investidores, que têm no processo licenciatório uma forma de mitigar riscos e eventuais disputas judiciais.
Entretanto, apesar de estar previsto na legislação, não existe uma norma sobre como proceder nesses casos. Isso faz com que o cenário seja de insegurança jurídica diante da ausência de uma lei federal que regulamente de forma clara, unificada e detalhada o funcionamento desse processo em todo o território nacional.
Na prática, isso se traduz em inconsistências na liberação de licenciamentos, isso porque o mesmo tipo de empreendimento pode ser licenciado de formas diferentes dependendo do estado em que está localizado.
Por isso, o licenciamento ambiental era considerado, inicialmente, uma matéria de interesse para o governo. O projeto foi proposto em 2004 pela bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) e pretendia, em sua forma original, preencher a lacuna deixada por essa falta de regulamentação clara sobre o tema.
A matéria buscava ainda assegurar que empreendimentos potencialmente degradadores fossem implantados com os devidos cuidados técnicos ou negados em prol do interesse coletivo de qualidade de vida e ambiental.
O projeto inicial chegou a passar pela análise das comissões e ir ao Plenário, mas não passou pela análise do conjunto dos deputados. O texto chegou a ser arquivado algumas vezes ao longo dos anos, mas, em 2019, os parlamentares aprovaram um requerimento de urgência que acelerou a tramitação.
O texto foi aprovado pela Câmara em 2021 e, ao chegar no Senado, sofreu alterações significativas. Os deputados e senadores deixaram de tratar o projeto como uma ferramenta de proteção ambiental e incorporaram os interesses da indústria, o que, na visão de ambientalistas, colocou em risco a proteção do meio ambiente.
Devido às alterações,, o governo passou a se posicionar contra o projeto. Na quarta-feira (16), quando o presidente da Casa Baixa, Hugo Motta(Republicanos) decidiu votar a redação final do texto, depois de ter passado pela análise dos senadores, deputados da base governista tentaram impedir a votação obstruindo a pauta. Mesmo assim, a sessão continuou em andamento, até que a matéria foi aprovada, por volta das 3 horas da madrugada.
Como o texto já havia sido aprovado pelo Senado, a votação na Câmara representou a última etapa da tramitação legislativa. Agora, a proposta segue para a análise da Presidência da República, que pode sancionar o projeto ou vetá-lo, total ou parcialmente. O presidente Lula tem 15 dias úteis para analisar o texto, contando a partir do momento em que a matéria chegar no Planalto.
Se Lula decidir sancionar o projeto, ele é convertido em lei, publicado no Diário Oficial da União (DOU) e passa a valer nacionalmente. Mas, caso o presidente opte pelo veto, o texto retorna ao Congresso, onde deputados e senadores têm a prerrogativa de manter ou derrubar a decisão presidencial.
IG Último Segundo