
O mecanismo foi regulamentado menos de uma semana depois que o presidente dos EUA, Donald Trump, impôs taxação de 50% sobre produtos brasileiros
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva(PT) publicou, nesta terça-feira (15), o decreto que regulamenta a Lei da Reciprocidade Econômica. O texto estabelece critérios para que o Brasil possa suspender concessões comerciais, de investimentos e obrigações relativas a direitos de propriedade intelectual e cria o Comitê Interministerial de Negociação e Contramedidas Econômicas e Comerciais para tratar sobre a taxação de 50% imposta pelos Estados Unidos contra produtos brasileiros.
De acordo com o novo decreto, o governo brasileiro pode adotar instrumentos de caráter excepcional e trâmite acelerado sempre que forem identificados prejuízos concretos à competitividade nacional. As contramedidas provisórias podem ser acionadas em três cenários principais, previstos pela Lei da Reciprocidade Econômica, como a pressão externa sobre decisões soberanas, a violação de acordos comerciais e a exigências ambientais assimétricas.
No primeiro caso, o governo pode retaliar medidas de países ou blocos que tenham o objetivo de forçar o Brasil a rever ou abandonar políticas internas por meio de barreiras comerciais, financeiras ou de investimentos, ou mesmo pela ameaça de adotá‑las. Um exemplo concreto dessa hipótese seria a taxação anunciada pelos EUA como forma de pressionar o governo brasileiro em relação ao andamento de processos judiciais contra o ex-presidente Jair Bolsonaro(PL).
Na outra possibilidade, as contramedidas podem ser aplicadas quando atos estrangeiros descumprirem compromissos firmados ou anularem benefícios que o Brasil deveria receber em tratados internacionais.
Por último, o governo pode adotar medidas contra iniciativas internacionais que imponham arreiras unilaterais baseadas em parâmetros ambientais mais rigorosos do que aqueles já praticados e fiscalizados pelo Brasil.
No caso da adoção dessas contramedidas, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) fica responsável por notificar o parceiro comercial afetado em cada fase do processo. As consultas diplomáticas serão realizadas em coordenação com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), ouvindo, quando for o caso, os demais órgãos integrantes do Comitê Interministerial. O MRE também deverá apresentar relatórios periódicos sobre a evolução das negociações.
Na prática, o decreto cria um mecanismo de reação rápida para proteger interesses estratégicos do país, evitando longas disputas internacionais e garantindo que, diante de medidas injustas, o Brasil disponha de respostas ágeis e proporcionais, sem abrir mão da segurança jurídica nem do diálogo com o setor produtivo.
O mecanismo foi regulamentado menos de uma semana depois que o presidente dos EUA, Donald Trump, enviou ao Brasil uma carta informando sobre a taxação de 50% sobre importações de produtos brasileiros. A medida causou preocupação no governo, já que pode afetar as exportações brasileiras.
A taxação também afeta diretamente o comércio norte-americano. De acordo com a U.S. Chamber of Commerce , a maior organização empresarial do mundo, a tarifa de 50% afeta produtos essenciais às cadeias produtivas e aos consumidores norte-americanos, elevando os custos para as famílias e reduzindo a competitividade de setores produtivos estratégicos dos Estados Unidos.
O governo Lula ainda não decidiu como vai proceder frente ao tarifaço de Trump, mas a regulamentação da Lei da Reciprocidade foi a primeira medida adotada após o anúncio das tarifas. A legislação é uma das principais alternativas, cogitada pelo Planalto, para responder à taxação dos EUA.
A Lei da Reciprocidade
A Lei da Reciprocidade foi aprovada pelo Congresso Nacional em abril deste ano. O dispositivo é uma medida de defesa econômica diante de ações unilaterais adotadas por outros países ou blocos econômicos que prejudiquem a competitividade internacional brasileira. A medida prevê que, se o Brasil for alvo de barreiras comerciais, sobretaxas, restrições técnicas ou sanitárias injustificadas, poderá responder à altura do impacto econômico causado.
A norma autoriza o Poder Executivo, em articulação com o setor privado, a implementar um leque de contramedidas comerciais, financeiras e regulatórias, sempre com base na proporcionalidade e no esforço de minimizar impactos sobre a economia nacional.
Entre as possibilidades, estão a restrição de importações de bens e serviços provenientes do país ou bloco responsável pelas medidas unilaterais, a suspensão de concessões comerciais ou de investimentos e, em casos mais específicos, a suspensão de obrigações relativas a direitos de propriedade intelectual. Essa última medida, considerada excepcional, só deve ser acionada quando as demais forem insuficientes para reverter os danos causados.
Além disso, a nova legislação abre margem para que o Brasil imponha licenças ou autorizações como pré-requisito para importações. Também autoriza a revisão de alíquotas em duas frentes sensíveis: a CIDE-Tecnologia, que incidente sobre remessas ao exterior para pagamento de serviços técnicos e royalties; e a CONDECINE, voltada ao desenvolvimento da indústria cinematográfica nacional.
Alckmin se reúne com representantes da indústria
O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, se reuniu, nesta terça-feira (15), com representantes de setores industriais para discutir a imposição de tarifas sobre produtos brasileiros pelos Estados Unidos.
O encontro contou com a presenta de ministros do presidente Lula, como Fernando Haddad (Economia), Rui Costa (Casa Civil), Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) e Sílvio Costa Filho (Portos e Aeroportos). Participaram também Ricardo Alban, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI); Josué Gomes da Silva, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP); e representantes de setores com forte comércio exterior com os Estados Unidos, como aviação, setor siderúrgico (aço, alumínio), máquinas e têxtil, calçados e madeira, papel e celulose.
Na reunião, o vice-presidente e ministros reiteram o empenho do governo em reverter as alíquotas impostas por Trump, consideradas injustas e prejudiciais a ambos os países. “Nós vamos nos empenhar para reverter essas alíquotas. Essa tarifa é muito injusta com o Brasil, mas é também negativa para os Estados Unidos” , enfatizou Alckmin.
A indústria, representada pela CNI e FIESP, solicitou uma prorrogação de 90 dias no prazo para negociações e se comprometeu a dialogar com seus pares norte-americanos. O governo brasileiro apoia e dará encaminhamento a essa proposta, buscando trabalhar para tentar “avançar o máximo nesse prazo” ou obter mais tempo se necessário, embora se deseje resolver a questão o mais rápido possível para evitar a imprevisibilidade.
Há um consenso sobre a necessidade de buscar um entendimento, evitando retaliações e priorizando a racionalidade nas relações comerciais.
“Foi colocado o empenho do setor produtivo, que vai conversar com os seus congêneres nos Estados Unidos para quem eles vendem, de quem eles compram. Então, vamos envolver eles, porque é uma relação importante que repercute também nos Estados Unidos, podendo encarecer produtos, encarecer a economia americana” , ressaltou o vice-presidente.
Alckmin afirmou que o governo brasileiro não pretende tomar medidas de retaliação de forma intempestiva, buscando, em vez disso, o entendimento e a cooperação. Ele disse que há uma “confiança absoluta na capacidade negociadora” do Ministério das Relações Exteriores e do MDIC para que se chegue a um entendimento benéfico para as populações e empresas de ambos os países.
“Não é só o Brasil que perde, os Estados Unidos também perdem muito. Aliás, eles têm gerado um superávit expressivo da balança comercial e, muito mais importante, na balança de serviços nos últimos 15 anos. É mais fácil, com dados reais, discutirmos isso com os interlocutores americanos. Não temos dúvida que vamos chegar a bom termo” , concluiu Alckmin. Uma nova rodada de conversas está marcada para quarta-feira (16).
IG Último Segundo