
Ataques a pedradas estão sendo registrados na capital e na região metropolitana
Há pouco mais de um mês, a Grande São Paulo e a região Metropolitana viraram palco de uma onda de ataques a ônibus. Ao todo, mais de 600 veículos foram vandalizados desde meados de junho. Porém, o que vem intrigando especialistas e até mesmo a Segurança Pública da capital é a falta de clareza na motivação dos ataques.
Só na capital, a SPTrans contabiliza 421 coletivos depredados até agora, sendo 47 deles apenas neste domingo (13) – o segundo dia mais violento desde o início da onda. O pico foi em 7 de julho, quando 59 ônibus foram atacados em um único dia. Já nas linhas intermunicipais, a ARTESP registrou 249 ocorrências no mesmo período.
O que diz a Polícia Civil
Ao iG, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) enviou nota em que afirma que as forças policiais seguem mobilizadas para conter os ataques. A Polícia Militar lançou a operação Impacto – Proteção a Coletivos, com a atuação de 7,8 mil policiais e 3,6 mil viaturas em todo o estado.
Segundo a Polícia Civil, são três linhas de investigação principais: ação de facção criminosa, como o Primeiro Comando da Capital (PCC); sabotagem por parte de empresas ou funcionários do setor e desafios da internet, articulados pelas redes sociais, que estriam incentivando a depredação.
Até o momento, a Polícia Civil já identificou quatro boletins de ocorrência relacionados aos casos do último fim de semana, com cinco presos e um adolescente apreendido. As investigações contam com o apoio da Divisão de Crimes Cibernéticos, que monitora as redes diante da suspeita de articulação dos crimes no ambiente digital.
Ataques sem motivação clara
Para o especialista em segurança pública Luís Flávio Sapori, da PUC Minas, embora a depredação de ônibus não seja um fenômeno novo nas grandes cidades brasileiras, o que está acontecendo em São Paulo tem características inéditas.
Ele explica que, geralmente, esse tipo de ataque ocorre em protestos da população contra a má qualidade do serviço ou como forma de facções criminosas enviarem mensagens para o poder público. Desta vez, porém, não há sinais claros de motivação.
“Esse tipo de ataque com pedras, objetos pesados, foge do padrão das facções criminosas, que geralmente deixam mensagens claras. É algo mais fragmentado, um vandalismo diferente, que pode apontar até para sabotagem”, afirma.

Mais de 600 veículos foram atacados nas últimas semanas na capital paulista
Segundo Sapori, episódios semelhantes já aconteceram no Rio de Janeiro, em contextos de disputa territorial entre grupos criminosos e empresas que atuam no transporte público.
“Vandalizar ônibus pode ser uma forma de atingir empresários do setor, por meio dos trabalhadores, ou de pressionar ou intimidar concorrentes. Essa hipótese, embora mais complexa, é factível e precisa ser levada a sério”, diz o especialista.
A possibilidade de retaliação por parte de grupos ligados ao tráfico é uma das consideradas na investigação. Para Sapori, essa hipótese pode fazer sentido, mas apresenta lacunas.
“A princípio, eu diria que a hipótese de retaliação por parte de grupos do tráfico seria a principal, mas se isso efetivamente estivesse acontecendo, algum tipo de mensagem estaria sendo dada. Isso porque geralmente o tráfico de drogas, os grupos criminosos depredam ônibus e deixam mensagens do porquê que eles estão fazendo isso, do que eles estão retalhando. E aparentemente, até onde sabemos, não é o que está acontecendo” , explica.
“Resposta está sendo insuficiente”, diz especialista
Segundo Sapori, esse ‘novo método’ de depredação abre espaço para outras possibilidades – e por isso ele considera positivo o fato da Polícia Civil considerar outras hipóteses para os ataques. No entanto, ele critica a condução da resposta por parte do estado, e diz que as autoridades têm falhado em reconhecer a gravidade do fenômeno.
“A resposta está sendo insuficiente. A Polícia Civil e a Militar trabalham de forma desarticulada, com pouca cooperação entre si. E o governo trata o problema como algo menor”, diz.
Segundo ele, a falta de integração entre as polícias Civil e Militar é um dos principais problemas nesse cenário específico.
“Enquanto a PM é valorizada, a Civil está sucateada. Isso afeta diretamente a capacidade de investigação. O secretário de Segurança Pública deveria assumir esse caso publicamente e apresentar um plano de ação. Não pode delegar tudo a delegados de base”, afirma.
Segundo o especialista, os efeitos dos ataques na sociedade são imediatos.
“O principal efeito é a sensação de insegurança e de medo que cresce nas pessoas. Os usuários do transporte coletivo, que são basicamente trabalhadores, vão aumentar seu sentimento de medo de serem vítimas desses atentados. Muitas vezes, de alguma maneira, é um sentimento que pode afetar a sua qualidade de vida, gera estresse, gera ansiedade nas pessoas, abala a qualidade do trabalho, abala a qualidade da vida doméstica”, explica.
É nesse sentido que ele reafirma a importância de uma resposta rápida das autoridades: os ataques não podem “cair na rotina” dos trabalhadores.
“Nós não podemos conceber isso como rotina, como algo normal, que não tem que fazer nada. Inclusive pela quantidade de ônibus, pela intensidade do fenômeno, nós não falamos casos isolados, esporádicos – há um padrão social no fenômeno. Isso pode crescer. Não há dúvida que isso é péssimo para a segurança pública, para a qualidade de vida de quem usa o transporte público, então afeta a sociedade como um todo”, conclui.
Quando questionado se há a possibilidade desses ataques se alastrarem para outras regiões do estado ou até mesmo do país, Sapori afirme que, a princípio, tudo leva a crer que eles têm motivações locais.
“A única chance de isso se expandir para outras capitais é se for essa hipótese que a polícia está dizendo, de ser um desafio das redes sociais, com os jovens”, diz. “Eu trabalharia com a hipótese de que é um problema muito local, específico. Por isso precisamos da investigação policial”, conclui.
Pressão das autoridades
Em entrevista à Globonews, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, fez uma crítica à demora para descobrir as motivações dos ataques.
“Está demorando [a elucidação da onda de ataques], eu reconheço. Reconheço. Até faço aqui uma crítica à Polícia Civil. Porque, quando a gente tem que elogiar, tem que elogiar, mas também quando tem que criticar, tem que criticar. Está demorando, mas a certeza que a gente tem é que a Polícia Civil vai chegar numa conclusão de identificar quem são essas pessoas e à punição”, disse Nunes.
De acordo com o prefeito, a investigação está “caminhando mais para coisas de internet”, mas admitiu que “definido [o motivo], concluído a gente ainda não tem”.
Nota da SSP
A Secretaria da Segurança Pública informa que as forças policiais seguem mobilizadas para prevenir e investigar os ataques a ônibus registrados na capital e região metropolitana de São Paulo. Até o momento, a Polícia Civil identificou quatro boletins de ocorrência relacionados aos ataques ocorridos no último fim de semana. A Polícia Militar deflagrou a Operação Impacto – Proteção a Coletivos, que mobiliza cerca de 7,8 mil policiais e 3,6 mil viaturas em todo o Estado, com o objetivo de reforçar a segurança de passageiros e trabalhadores do transporte público.
Desde o início, cinco homens foram presos por envolvimento nos ataques e um adolescente foi apreendido. Entre os casos, destaca-se a prisão de um suspeito no domingo (6), acusado de lançar uma pedra contra um ônibus na Avenida Washington Luiz, em 27 de junho, ferindo uma passageira. Ele foi localizado por policiais do Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC), que cumpriram a prisão temporária.
Outro homem foi preso na quinta-feira (10), em Guaianases, após arremessar pedras e danificar um coletivo. Também foram presos, em flagrante, dois suspeitos por depredações nos bairros de Pirituba e Santo Amaro. O adolescente apreendido foi posteriormente liberado aos responsáveis. As investigações seguem com o apoio da Divisão de Crimes Cibernéticos (DCCIBER), que monitora plataformas digitais diante da suspeita de articulação dos crimes pela internet.
Nota da SPTrans
A Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana e Transporte (SMT) e a SPTrans reiteram o repúdio aos atos de vandalismo registrados no sistema de transporte e seguem fornecendo todas as informações necessárias para auxiliar nas investigações. Desde o 12 de junho, as empresas operadoras relataram que 421 veículos do sistema municipal de transporte foram depredados, sendo 47 no domingo (13). Os atos aconteceram de forma distribuída por todas as regiões da cidade.
A SPTrans reforça a orientação para que as concessionárias comuniquem imediatamente todos os casos à Central de Operações e formalizem as ocorrências junto às autoridades policiais. Cabe ressaltar que a empresa é obrigada a encaminhar o veículo para manutenção, substituindo-o por outro da reserva técnica, que realizará a próxima viagem programada, garantindo a continuidade do serviço prestado aos passageiros. Caso isso não ocorra, a empresa é penalizada pela viagem não realizada.
Nota da ARTESP
Nos meses de junho e julho (até 11/07) foram registrados 249 casos de vandalismo em ônibus que operam nas linhas intermunicipais da Região Metropolitana de São Paulo. A ARTESP segue orientando as empresas e concessionárias quanto aos procedimentos para o registro das ocorrências e trabalhando com as autoridades nas investigações. A Agência mantém o monitoramento da situação para evitar possíveis impactos na prestação de serviços à população.
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