
Tarsila Alanna com o marido e os três filhos
Depois de fazer um vídeo de desabafo por conta de um momento de desregulação do filho Gabriel, de 4 anos – que tem o Transtorno do Espectro Autista (TEA) – , a analista financeira Tarsila Alanna Souza Jallageas, 33 anos, moradora de São Bernardo do Campo (SP), contou ao Portal iG o que a motivou a fazer a publicação.
Visivelmente cansada e estressada, a mãe atípica disse que amava o filho, mas odiava o autismo.
Foram cerca de 2 minutos e meio de vídeo – o suficiente para, em quatro dias, atingir 7 milhões de visualizações.
Estado de alerta
Tarsila costuma fazer postagens tratando do assunto, mostrando o cotidiano do filho Gabriel, que tem autismo nível 2 de suporte, mas nenhum dos vídeos anteriores gerou tanta polêmica.
O autismo é classificado em níveis, sendo o nível 2 a categoria intermediária de suporte. O autista nível 2 de suporte possui dificuldades significativas de comunicação, desafios na interação social, comportamentos repetitivos e interesses restritos, além de sensibilidades sensoriais.
Em conversa com o Portal iG, a analista financeira comentou a repercussão do seu vídeo e falou um pouco da sua vivência com o autismo.
Segundo ela, no dia em que gravou o vídeo, não aconteceu nada fora do comum. Era uma reunião de família para comemorar a chegada de uma prima, que mora no Canadá.
“Já estamos acostumados com o Gabriel chorando por longos períodos, em lugares diferentes, até se autorregular. Ele chegou bem, ficou tranquilo por um tempo, mas depois não quis entrar na área com os convidados”, conta.
Por isso, ela e o filho acabaram ficando sozinhos na área externa da festa.
“Tentei entrar algumas vezes para comer algo, mas ele vinha atrás chorando, jogando tudo o que via pela frente – ele, nervoso, joga copos, bolsas, cadeiras. Acabei ficando em estado de alerta o tempo inteiro, longe de todos” , recorda.
Tarsila diz ainda que, antes de ir embora, tentou tirar uma foto com a prima, mas Gabriel se jogou no chão e acabou agredindo alguns familiares.
“Eu me retirei. Mas antes olhei em volta e vi todo mundo sentado, conversando tranquilamente. Me bateu uma tristeza. Eu só queria poder ser como eles. Que meu filho pudesse brincar e eu pudesse me sentar, tranquilamente. Mas sei que ser mãe de uma criança autista é estar em estado de alerta constante” , ressalva.
Depois disso, no carro, de volta para casa com Gabriel, ela fez o vídeo e postou.
A vivência com o autismo do filho
Tarsila é casada e mãe de três. Antes de Gabriel, teve Clara, com 9 anos hoje, e Giovanna, 7.
Segundo ela, ter tido a experiência da maternidade “típica” antes do nascimento de Gabriel foi fundamental, em todos os aspectos.
“Isso me deu um olhar mais atento e sensível às diferenças no desenvolvimento dele, o que ajudou muito a buscar um diagnóstico precoce” , avalia.
Ela diz que as meninas, na idade do Gabriel, se desenvolviam com naturalidade, sem qualquer intervenção.
“Já com o Gabriel é diferente. É muito esforço, muita preocupação. Por exemplo, tem dias que ele faz cara de choro ao ir para a escola e eu passo o dia inteiro aflita, mandando mensagens para a escola e para o transporte para saber se aconteceu algo. Ele não me conta, então fico sempre tentando interpretar”, descreve.
Para a criação dos filhos, especialmente de Gabriel, ela diz que conta com uma rede de apoio que é muito participativa e ajuda em tudo o que pode.
As terapias de Gabriel são cobertas pelo convênio médico.
Sobre empatia das pessoas que os cercam no convívio social, Tarsila diz que busca sempre incluir o filho e não dá atenção para os olhares de estranhos.
“Eu costumo dizer que nem olho para as pessoas. Já ouvi relatos de mães que deixam de sair com os filhos porque sentem os olhares, mas comigo é diferente. Eu preciso inclui-lo. O preconceito não pode começar por mim. Meu foco está sempre no Gabriel, se ele está bem, se vai se desregular”, diz.
Romantização e desinformação
Tarsila destaca que, apesar da maternidade atípica ser solitária, com ela é diferente, na maioria dos casos.
Ela diz que, às vezes, opta por não sair com Gabriel, porque sabe que ele pode se desregular e isso vai gerar estresse, mas tem o privilégio de estar sempre com familiares e amigos que tentam incluí-los.
“No vídeo, eu apenas mostrei minha realidade com o autismo que nós vivemos aqui em casa. Não falei de falta rede de apoio, nem de falta de empatia. Falei sobre um autismo que é difícil, diferente do que aparece nas redes sociais, onde muitas vezes há uma romantização e desinformação. E é isso que me irrita”, destacou.
Para ela, a imagem de autistas inteligentes e angelicais invalida a verdadeira complexidade do espectro.
“Por isso, vemos tantas pessoas hoje se ‘identificando’ como meio autistas, como se fosse apenas um jeito diferente de ser” , completa.
Como colaborar, no dia a dia
E se as mães atípicas estão tão sobrecarregadas, como ajudar, sem ser invasivo? Essa foi uma questão levantada por um internauta na postagem de Tarsila.
Ela diz que são muitas as formas de ajudar.
“Se você tem um salão de cabeleireiro, pense em reservar uma sala sensorial, isso atrairia muitas mães atípicas. Se for fazer um churrasco e for receber uma família atípica, esteja disposto a abaixar o volume do som” , exemplifica.
A mãe atípica salienta que pequenas ações podem fazer uma diferença enorme.
“ Se mora por perto, pode oferecer ajuda, do tipo: estou indo ao mercado, quer que eu traga algo pra você? ”, sugere.
Para finalizar, Tarsila deixou uma mensagem para as famílias que estão buscando ajuda, em fase de investigação.
“ Diagnóstico não é sentença. É apenas um novo caminho” , concluiu.
IG Último Segundo