“O hiper-vigilante: quando estar sempre alerta vira um estilo de vida”, por Jalme Pereira


Durante o expediente, Mariana conferia os e-mails a cada 5 minutos. Quando recebia uma mensagem, já pensava no pior: “Será que fiz algo errado?”, “Será que vão me demitir?”. Nas reuniões, ficava em alerta, interpretando o tom de voz dos colegas, os silêncios do gestor, os olhares desviados. Por mais que entregasse bem seu trabalho, ia dormir todos os dias com o coração acelerado e acordava já cansada, como se tivesse passado a noite em guerra.

Foi só quando começou a investigar a origem emocional da sua insônia que Mariana percebeu que vivia em um estado de tensão crônica. E que, por trás disso, havia um sabotador agindo em silêncio: o Hiper-Vigilante.

O que é o sabotador Hiper-Vigilante?

É um padrão mental de quem vive em tensão permanente, sempre prevendo riscos, mesmo onde não há sinais reais de perigo. Acredita que estar atento o tempo todo é a única maneira de evitar frustrações ou falhas — mas o preço é alto: ansiedade, exaustão mental e relações baseadas em medo.

De onde vem esse padrão?

  • Ambientes instáveis na infância: crescer em um lar com muitos conflitos, críticas, gritos ou mudanças bruscas ensina a pessoa que “ficar de olho em tudo” pode evitar broncas, rejeição e até violência emocional.
  • Responsabilidades precoces: crianças que precisaram “amadurecer rápido”, cuidando de irmãos, sendo cobradas por tudo, desenvolvem um senso de responsabilidade exagerado — e acreditam que o bem-estar dos outros depende delas.
  • Excesso de cobrança e perfeccionismo: em famílias (ou escolas) que valorizam demais o desempenho, o erro vira sinônimo de fracasso. A pessoa cresce com medo constante de falhar, decepcionar ou não estar à altura — e ativa o modo “vigilante” como defesa.
  • Experiências de traição ou frustração: um parceiro que traiu, um colega que passou a perna, uma amizade que te expôs… Traumas como esses ensinam que confiar nos outros é arriscado — e aí a vigilância se instala como “garantia” de proteção.
  • Ambiente profissional tóxico: empresas ou chefias que promovem cultura do medo, microgerenciamento ou punição por falhas reforçam o comportamento hiper-vigilante — que, nesse caso, se torna quase um mecanismo de sobrevivência.

Sinais de que o Hiper-Vigilante está no controle

  • Vive com a sensação de que algo ruim pode acontecer, mesmo sem motivo claro.
  • Sente que precisa estar sempre preparado para responder, justificar ou se defender.
  • Dorme mal ou acorda cansada, mesmo após horas na cama.
  • Interpreta silêncios como sinais de rejeição ou crítica.
  • Sente necessidade constante de aprovação, mas nunca se sente totalmente seguro.
  • Vive achando que, se não estiver atenta, algo vai escapar ou te prejudicar.
  • Em relacionamentos, pode parecer controladora — mesmo sem querer.

A voz interna do sabotador: parece proteção, mas é prisão

O maior poder desse sabotador está na forma como ele conversa com você. Ele não grita — ele sussurra com autoridade. Veja como ele soa na sua cabeça: “E se algo der errado? Melhor estar preparado”, “Você não pode confiar totalmente em ninguém”, “Se você relaxar, vai perder o controle”, “Melhor revisar tudo de novo”, “Se não for você, ninguém vai fazer direito”, “Alguma coisa vai sair fora do esperado — fique atento”… Essa voz, que se apresenta como um conselheiro cuidadoso, parece proteger, mas, na verdade, alimenta medo, rigidez e desconfiança — e te impede de aproveitar o presente. E o ciclo se alimenta.

Por que é tão difícil se libertar desse sabotador

Isso acontece porque, na maioria das vezes, esse comportamento é elogiado: “Fulano é muito atento”, “Ciclano é superprevenido”. O mundo valoriza a vigilância — mas não percebe que com o tempo, isso deixa de ser uma estratégia e vira identidade. A pessoa passa a se definir como “a que vê tudo”, “a que se antecipa”, “a que não deixa passar nada”. É o medo disfarçado de competência, que se transforma em um modo de sobrevivência e adoece por dentro.

Sete passos para sair do estado de alerta constante

  1. Reconheça e nomeie o medo disfarçado de vigilância: Geralmente, há um medo oculto por trás da hiperatenção — falhar, ser rejeitado, ser surpreendido, ou se sentir impotente. Ao nomearmos o medo, ele começa a perder força.
  2. Identifique os gatilhos: O Hiper-Vigilante se manifesta com mais força nas mudanças, quando você delega ou em ambientes com muita gente. Anotar esses momentos ajuda a antecipar e se preparar para responder com mais equilíbrio.
  3. Questione a necessidade de vigilância: Nem todo desconforto significa ameaça. Pergunte-se: “Essa preocupação é real ou um padrão automático?”, “O que de pior pode acontecer aqui?”, “Se eu confiasse mais, o que mudaria nessa situação?” Esse tipo de reflexão ajuda a desativar o “modo alarme” e ativar o “modo análise”.
  4. Pratique o “desligar com consciência”: Faça pequenas pausas ao longo do dia para relaxar conscientemente os ombros, a mandíbula, a respiração. Experimente não fazer nada por 5 minutos — e observe o que sente. No começo, pode ser desconfortável. Depois, libertador.
  5. Treine a confiança gradual: Confiança é como um músculo, precisa ser treinada. Comece pelas pequenas tarefas, sem revisar depois. Aceite ajuda mesmo que o outro faça “do jeito dele”. Você verá, as coisas funcionam mesmo sem você controlar tudo.
  6. Reescreva sua crença central: Substitua pensamentos como: “Se eu não estiver no controle, tudo vai dar errado” por frases mais saudáveis, como: “Eu posso confiar no processo e nas pessoas ao meu redor”.
  7. Valorize a leveza: O Hiper-Vigilante quer te proteger, mas o que você precisa é de espaço. Comece a perceber que a vida não precisa ser vigiada para ser segura, e que a leveza pode andar junto com a responsabilidade.

O que muda quando você confia mais e vigia menos

  • Sente-se mais leve, calmo e presente no agora.
  • Dorme melhor e recupera a energia ao longo do dia.
  • Desenvolve relações mais profundas, baseadas em confiança.
  • Toma decisões com mais clareza, sem pânico ou impulsividade.
  • Aprende a viver com mais alegria, porque não está sempre esperando a próxima crise.

O mundo não precisa de mais pessoas em estado de alerta. Precisa de mais pessoas calmas, confiantes e presentes. O Hiper-Vigilante não é seu escudo — é sua prisão. Que tal começar a sair dela? Um passo por vez. Uma respiração de cada vez.

Jalme Pereira é músico, palestrante, desenhista e trabalha na Universidade Veiga de Almeida (UVA)
Jalme Pereira é músico, palestrante, desenhista e trabalha na Universidade Veiga de Almeida (UVA) 



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