Final da Copa de Clubes simboliza ambiguidade do PSG – 12/07/2025 – Esporte


Na véspera da final da Copa do Mundo de Clubes entre Paris Saint-Germain e Chelsea, em Nova Jersey, nos Estados Unidos, Paris não demonstra grandes sinais de empolgação. A prefeitura não organizou fan zones nem instalou telões, e o jogo decisivo deste domingo (13) deve ser acompanhado pelos torcedores em bares ou em casa, como uma partida qualquer.

A polícia também não espera por multidões nas ruas. Segundo o portal RMC Sports, o torneio ‘’passou quase despercebido’’ no país, e o aparato de segurança para a decisão será o mesmo da semifinal, contra o Real Madrid. Cerca de 500 agentes vão circular pela cidade com o objetivo de manter a ordem.

Na sexta-feira (11), antevéspera do confronto, o tradicional jornal L’Equipe dedicou somente duas páginas à competição, no meio de sua edição, depois de matérias sobre o Tour de France.

Além do suposto desinteresse dos europeus pelo novo torneio criado pela Fifa, o contraste entre a importância esportiva da final e a reação discreta da capital francesa reforça um traço histórico do PSG: por mais que o clube alcance títulos expressivos e amplie sua presença global, sua aceitação na França continua marcada por divisões e distanciamentos.

Apesar de ser o maior campeão francês, com 13 títulos, o PSG foi fundado apenas em 1970 e tem menos tradição que clubes como Olympique, Monaco e Saint-Étienne, todos centenários. Por isso, torcer para o time da capital ainda não é um costume enraizado ou transmitido entre gerações.

Por ser um clube da capital, o PSG também concentra rivalidade com torcedores das demais cidades francesas. ‘’O PSG é o clube da capital, e isso é um ponto muito importante porque a França se construiu historicamente em torno de uma forte dicotomia Paris versus província. Paris concentra todas as riquezas e os centros de poder: político, econômico, cultural e midiático. É um país altamente centralizado, com poucas grandes cidades que rivalizam com a capital’’, explicou o sociólogo Ludovic Lestrelin, professor da Universidade de Caen.

Autor do livro ‘’Sociologia dos Torcedores’’ (2002), o pesquisador acredita que a forma como a França se estruturou se reflete no futebol. ‘’Por isso o PSG atrai admiração, mas também gera forte rejeição entre franceses que vivem em outras regiões’’, afirmou.

Desde 2011, quando seu controle passou para o fundo soberano do Qatar, o PSG também virou um símbolo do chamado ‘’soft power’’ do Golfo, alimentando a desconfiança de parte dos franceses. Para muitos, o clube perdeu suas raízes locais e se tornou uma marca global, associado ao poder financeiro externo, distante da cultura popular do futebol.

O sociólogo francês Nicolas Hourcade, especialista em torcedores de futebol, atribui parte da rejeição ao time de Paris justamente à disparidade econômica com as demais equipes. ‘’Muitos torcedores não aceitam o fato de o clube ter um orçamento muito superior ao dos demais, graças ao Qatar, e de dominar o cenário nacional’’, afirmou.

Professor da Escola Central de Lyon e membro da Autoridade Nacional dos Torcedores, Hourcade explica que, quando foi criado, o PSG demorou para conquistar um público fiel. Nos anos 1970, segundo ele, os torcedores de times rivais costumavam ser maioria em jogos no Parc des Princes. Só a partir dos anos 1980 o PSG começou a fidelizar um público vindo da cidade e da periferia oeste de Paris. No entanto, o setor chamado ‘’Tribuna Boulogne’’, que reunia os torcedores mais ativos, logo foi dominado por grupos violentos e de extrema-direita.

Nos anos 1990, o clube incentivou o desenvolvimento de outra tribuna ativa, a Auteuil, com perfil mais multicultural e menos violento. Com o sucesso esportivo daquela década, a popularidade do PSG se ampliou. Os anos 2000, porém, foram marcados por maus resultados esportivos e, principalmente, por confrontos violentos entre torcedores das tribunas Boulogne e Auteuil. Dois torcedores morreram nos arredores do estádio em 2006 e 2010.

Para resolver a situação, foi implementado o “plano Leproux”, uma política de segurança radical. ‘’O plano conseguiu limpar o ambiente do estádio, mas também eliminou a paixão: os cantos, bandeiras e animações desapareceram. Para recuperar a atmosfera sem comprometer a segurança, o PSG suspendeu o plano Leproux em 2016, permitindo o retorno de grupos organizados’’, afirmou Hourcade.

Apesar da suspensão, as estratégias estabelecidas para conter a violência foram mantidas. “Com um modelo elitista ao estilo inglês: aumento do preço dos ingressos, presença de VIPs, torcedores sentados e supervisionados, e a exclusão das associações de torcedores. O ambiente no estádio tornou-se calmo, sem violência, mas também sem entusiasmo nos últimos anos’’, acrescentou o sociólogo.

Fora do estádio, mesmo que o PSG conquiste a Copa do Mundo de Clubes, a calmaria em Paris deve permanecer: não há previsão de pontos de encontro para uma eventual comemoração. As forças de segurança, no entanto, estarão em peso nas ruas no dia seguinte à final —não por causa do futebol, mas por outro motivo. Na segunda-feira, celebra-se o feriado nacional de 14 de julho, conhecido como Fête nationale ou Dia da Bastilha, que marca dois eventos simbólicos da Revolução Francesa: a Tomada da Bastilha, em 1789, e a Festa da Federação, em 1790.



Folha de S.Paulo