
Aprovação da urgência foi considerada um avanço para o governo na busca pelo equilíbrio fiscal
A Câmara dos Deputados aprovou, na noite desta terça-feira (8), o requerimento de urgência para o Projeto de Lei Complementar (PLP) 128/25, que corta isenções fiscais em, no mínimo, 10%.
A medida é considerada prioritária para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já que é vista como alternativa ao aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
Em meio à crise gerada pela decreto que reajustou as alíquotas do IOF, o PLP foi apresentado pelo deputado Mauro Benevides(PDT) e prevê corte gradual de 5% neste ano e mais 5% em 2026 em benefícios de natureza tributária, financeira e creditícia.
Na justificativa, Benevides argumentou que a elevação das alíquotas do IOF deixou clara a necessidade de medidas que reduzam distorções fiscais e ampliem a base tributária.
“A proliferação de regimes especiais e benefícios setoriais tem gerado um sistema tributário cada vez mais complexo, oneroso e ineficiente, além de criar inequidades entre contribuintes e setores econômicos” , destacou o deputado.
Com a urgência, aprovada nesta terça-feira, a tramitação do projeto é acelerada. Assim, a matéria deixa de passar pelas comissões e pode ser apreciada diretamente pelo Plenário da Casa Baixa. A expectativa é que o texto seja incluído para votação antes do recesso parlamentar, que começa no próximo dia 17.
A aprovação da urgência foi vista como uma vitória para o governo, que tem cobrado o Congresso por uma atuação mais contundente para auxiliar o Executivo a cumprir a meta fiscal. Isso porque os parlamentares aprovaram, nos últimos anos, medidas que ampliaram os benefícios fiscais, causando uma perda de arrecadação para a União, mas não têm atuado com a mesma dedicação para estabelecer alternativas que contribuam para a diminuição do déficit.
Entenda a proposta
O PLP 128/25 obriga o governo federal a reduzir, até o fim de 2026, no mínimo 10% dos benefícios tributários, financeiros e creditícios. O projeto altera a lei que estabeleceu o novo arcabouço fiscal do país, com o objetivo de reequilibrar receitas e despesas públicas e contribuir para a sustentabilidade das contas do Estado.
Na prática, isso significa que o governo precisará revisar e cortar parte dos incentivos que hoje reduzem sua arrecadação ou representam gastos indiretos. Entre os benefícios que deverão ser reduzidos estão os de natureza tributária, como isenções fiscais, reduções de alíquota e regimes especiais de tributação; os financeiros, como subsídios diretos e equalizações de juros; e os creditícios, como linhas de crédito com condições favorecidas ou garantias especiais, muitas vezes concedidas por bancos públicos.
A proposta preserva algumas exceções. Os cortes não se aplicam, por exemplo, aos incentivos concedidos a fundos constitucionais de financiamento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste; a entidades sem fins lucrativos; às zonas de livre comércio, como a Zona Franca de Manaus; a programas de bolsas de estudo; e a produtos da cesta básica.
“É claro que existem benefícios tributários previstos na Constituição que ficariam de fora, mas entendo que esse é justamente um dos pontos que será tratado no diálogo entre os três poderes. Há um sentimento bastante forte de que é possível avançar nessa pauta” , avaliou o líder do PT na Câmara, deputado Linbergh Farias(PT).
Além disso, o texto veda a criação de novos benefícios federais de natureza tributária, financeira ou creditícia, bem como a prorrogação dos que já existem. A única exceção prevista é quando a concessão de um novo benefício vier acompanhada da redução simultânea de outro, de mesma natureza e valor equivalente — garantindo, assim, que não haja aumento na renúncia fiscal total.
Os chamados “gastos tributários”, que representam os benefícios fiscais — ou seja, valores que o governo deixa de arrecadar para estimular determinados setores ou comportamentos econômicos — estão projetados em R$ 540 bilhões para 2025, o equivalente a 4,4% do PIB. Já os benefícios financeiros, que envolvem transferências diretas de recursos públicos, somaram R$ 73,1 bilhões.
Os benefícios creditícios totalizaram R$ 61,1 bilhões. Juntos, esses três tipos de benefícios representam atualmente um volume de R$ 678 bilhões, um montante expressivo, que justifica o esforço do governo em buscar maior racionalidade e equilíbrio fiscal.
A medida atende à diretriz fixada pela Emenda Constitucional nº 109/2021, que estabelece a meta de reduzir a renúncia fiscal total do país para o patamar de 2% do PIB. Ao cortar parte desses benefícios, o governo busca ampliar a eficiência do gasto público e gerar espaço fiscal para investimentos e políticas prioritárias, sem recorrer a aumentos de impostos ou ao descontrole da dívida pública.
“A proposta representa um avanço essencial para a construção de um modelo econômico mais justo, transparente e eficiente. Ao mesmo tempo, promove a sustentabilidade fiscal e um ambiente de negócios mais competitivo, resguardado de distorções por privilégios setoriais” , apontou o autor do PLP, deputado Benevides Filho.
Governo tem dois projetos com urgência
Com a aprovação do requerimento para o PLP, o governo conta agora com dois projetos de interesse tramitando em regime de urgência.
Na semana passada, a Câmara aprovou urgência para outro projeto de lei complementar que revisa benefícios fiscais. O PLP 41/19, de autoria do senador Esperidião Amin(PP), não corta diretamente os benefícios tributários, financeiros e creditícios já existentes, mas estabelece regras mais rígidas para a criação, renovação ou ampliação de novos incentivos no futuro. A ideia é tornar esse tipo de concessão mais criteriosa e transparente, evitando que o governo abra mão de receitas sem uma justificativa sólida ou retorno claro para o país.
Entre as novas exigências, o texto determina que os benefícios tenham validade de no máximo cinco anos, podendo ser renovados, e que passem por avaliações periódicas. Para serem concedidos, os incentivos precisarão cumprir critérios como metas de desempenho econômico, social e ambiental e impacto na redução das desigualdades regionais .
O PLP propõe mudanças na Lei de Responsabilidade Fiscal para exigir ainda que esses benefícios sigam padrões mínimos definidos em regulamento, como a fixação de metas objetivas e mensuráveis. Além disso, será necessário estimar o número de beneficiários e implementar mecanismos de monitoramento, avaliação e transparência.
O projeto foi aprovado no Senado em 2023, mas estava parado na Câmara dos Deputados. Após a derrubada do decreto do IOF e a crescente mobilização das redes sociais sobre o tema, a urgência para o PLP foi pautado e aprovado na Casa Baixa na quarta-feira passada, dia 2 de julho.
“Já havia sido aprovada urgência para um projeto do senador Esperidião Amin. Agora, temos dois projetos tramitando com urgência. Se houver um acordo entre o governo e o parlamento, ambos estão prontos para votação. Acredito que esse é um tema muito relevante” , destacou o deputado Lindbergh Farias.
Renúncia fiscal
Ao passo que a Câmara aprovou a urgência do PLP que reduz as isenções ficais, também referendou outro requerimento para projeto contrário ao corte de despesas.
Os deputados aprovaram a urgência para o PL 4635/2024, que prorroga até 31 de dezembro de 2030 a isenção ou redução de tributos incidentes sobre sistemas de comunicação máquina a máquina (M2M), que são usados principalmente em tecnologias como internet das coisas (IoT), rastreamento de veículos, medidores inteligentes, entre outros.
A prorrogação se refere especificamente às Taxas de Fiscalização de Instalação e Funcionamento ,cobradas pela Agência Nacional de Telecomunicação (Anatel) das empresas de telecomunicações; à Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública, que financia serviços públicos de rádio e TV; e à Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), uma contribuição cobrada, entre outros, dos serviços de telecomunicação.
Esses tributos incidem normalmente sobre estações de telecomunicações, mas, com a prorrogação prevista, as estações que integrem sistemas M2M continuarão beneficiadas por isenções ou reduções até 2030.
A renúncia fiscal decorrente da ampliação desse benefício pode chegar a centenas de milhões de reais por ano à medida que a tecnologia se expande, principalmente com o crescimento da Internet das Coisas (IoT).
Em 2020, quando os benefícios foram originalmente aprovados, a Receita Federal estimou uma perda potencial de cerca de R$ 1,8 bilhão em cinco anos com a isenção dessas cobranças, número que pode ser maior agora, considerando a ampliação da tecnologia.
Governo vai buscar novo acordo sobre IOF
Antes do recesso parlamentar, que começa em 17 de julho, o líder do governo na Câmara, José Guimarães(PT), deve buscar a construção de um novo acordo entre os congressistas e o Executivo para compensar as perdas na arrecadação e, assim, possibilitar o cumprimento da meta fiscal.
O deputado afirmou que, até o próximo dia 17, recebeu como missão articular a aprovação dos projetos de interesse do governo — como o PLP que corta em 10% as isenções fiiscais; a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil; a PEC 66, que propõe mudanças nas regras da aposentadoria dos servidores públicos e no pagamento de dívidas judiciais por estados e municípios; e a PEC da Segurança, que reestrutura as competências relativas à segurança pública no país.
“Nós queremos que, até o dia 17, a gente conclua, a bom termo, todas as votações que são necessárias para o país, porque essas matérias são importantes” , ressaltou Guimarães.
Entre essas matérias importantes, a prioridade é encontrar uma saída para o IOF.
“Minha responsabilidade agora é, primeiro, garantir a votação de tudo até o dia 17; e, segundo, buscar ainda nesta semana conversas entre a área econômica, a área política do governo e a presidência da Câmara para encontrar medidas que possam compensar a queda na arrecadação do IOF. É isso que vamos fazer” , assegurou Guimarães.
A urgência do governo para uma resolução acerca do IOF está relacionada à divulgação do próximo Relatório Bimestral de Receitas e Despesas, prevista para 22 de julho.
“A verdade é que, com o fim da cobrança do IOF, estamos diante de um buraco de R$ 10 bilhões. Se até o dia 22 isso não for resolvido, haverá impacto direto em programas sociais e possibilidade de contingenciamento” , alertou o líder do PT na Câmara.
“Acredito que a Câmara, o Senado e o Poder Executivo precisam discutir com seriedade as alternativas. Avançar com a votação de mais um projeto de urgência, como o PLP sobre benefícios tributários, é um bom indicativo. Isso ajuda a preparar o caminho e, se houver acordo, quem sabe na próxima semana já possamos votar a proposta” , apontou Farias.
Para esse acordo, o deputado José Guimarães afirmou que vai trabalhar para estabelecer uma ponte de diálogo entre o Congresso e o Planalto e, assim, chegarem a um alinhamento sobre o tema. “Vamos discutir o que fazer daqui até o dia 17. Evidentemente, apesar das divergências de conteúdo, vamos sim discutir medidas para compatibilizar o prejuízo causado pela extinção do IOF” , esclareceu.
IG Último Segundo