“Como lidar com o sabotador controlador”, por Jalme Pereira


Desde que entrou na empresa, Gustavo era conhecido por fazer tudo “do jeito certo”. Revisava o trabalho dos colegas. Não conseguia tirar férias sem deixar um dossiê de instruções. Preferia fazer ele mesmo do que confiar nos outros. Não gostava de delegar. Na vida pessoal, também centralizava tudo — da compra do mercado à organização da viagem em família.

Aos poucos, isso foi cobrando um preço alto. Dizia que ninguém o ajudava, mas a verdade é que ninguém conseguia. Seu perfeccionismo criava um ambiente sufocante. Até que um dia, durante uma entrega importante, ficou doente e precisou se afastar por semanas. Foi quando percebeu que havia criado indivíduos dependentes e inseguros — e que o “controle total” havia custado sua liberdade, saúde e confiança nas pessoas. Foi nesse momento que descobriu o sabotador que o acompanhava há anos: o “Controlador”.

O Controlador: Uma Virtude Disfarçada

É o padrão mental que te leva a acreditar que tudo precisa estar sob o seu controle para dar certo — desde tarefas mais simples até o comportamento das pessoas ao seu redor. É uma atitude inflexível, muitas vezes disfarçada de “liderança forte”.  A lógica inconsciente é: “Se eu não cuidar de tudo, algo vai sair errado e a culpa será minha.” O Controlador acredita que a melhor forma de proteger os outros (e a si mesmo) é assumindo o controle de tudo — mas, com isso, perde o que mais precisa: colaboração genuína, confiança e leveza.

Sinais de que você está sendo sabotado pelo desejo de controlar

  • Vive em estado de vigilância constante, como se tudo pudesse dar errado se você não estiver no comando.
  • Costuma revisar ou refazer as tarefas porque não confia no resultado dos outros.
  • Costuma explodir por dentro (ou por fora) quando as coisas não saem exatamente como imaginou — especialmente com quem considera “lento”, “incompetente” ou “pouco comprometido”.
  • Tende a impor rotinas, controlar escolhas e se frustra quando os outros não seguem o que você acha certo.
  • Costuma culpar os outros por “não ajudarem” — sem perceber que raramente dá espaço para que isso aconteça.
  • Está sempre resolvendo, prevendo, corrigindo — e chama isso de eficiência.
  • Sufoca a autonomia dos outros gerando colegas dependentes, filhos inseguros e equipes que só funcionam sob vigilância.
  • Constrói relações baseadas em obediência, não em confiança. E isso cria distanciamento, ressentimento e relações frágeis.
  • Mantém-se ocupado o tempo inteiro como forma de anestesiar sentimentos desconfortáveis como medo, frustração ou insegurança.
  • Quando algo dá errado, você tende a culpar os outros, justificar seus erros ou evitar ouvir críticas.
  • Se sente sozinho, mesmo cercado de gente. A centralização afasta os outros e gera uma solidão silenciosa, que pode evoluir para tristeza profunda ou até depressão leve.

Por Que Abrir Mão do Controle Assusta Tanto?

Porque controlar dá a falsa sensação de segurança. E muitos de nós crescemos ouvindo que “se você quiser bem-feito, faça você mesmo”. Além disso, o controle se confunde com responsabilidade e competência — por isso é tão elogiado no início da carreira. Mas, com o tempo, esse excesso começa a prejudicar não só os outros, mas você mesmo. A grande virada acontece quando você percebe que confiança, flexibilidade e autonomia são mais poderosos que o controle.

Um Caminho Concreto para Confiar Mais e Controlar Menos

  1. Reconheça o medo por trás do controle: Pergunte a si mesmo: “Do que estou tentando me proteger quando tento controlar tudo?”. Geralmente, há medo de errar, de ser criticado ou de depender de alguém e se decepcionar.
  2. Observe seus gatilhos: Com quais pessoas você sente mais necessidade de controlar? Em quais situações (prazos apertados, reuniões, mudanças inesperadas) o controlador aparece com mais força?
  3. Experimente o “deixar acontecer”: Pratique ceder o comando em situações menores — deixe alguém conduzir uma reunião, por exemplo, ou aceite um plano feito por outro. Você pode se surpreender com os resultados e com a liberdade que isso traz.
  4. Aceite a imperfeição como parte do processo: A tentativa de garantir que tudo saia como esperado é um peso desnecessário. Mude o foco de “controle do resultado” para “construção de confiança no processo”.
  5. Comunique expectativas com empatia: Controlar não é o mesmo que comunicar. Em vez de dar ordens ou assumir tudo, explique o que você espera e pergunte: “Como posso te ajudar a assumir essa parte?”. Isso fortalece a autonomia do outro — e diminui sua carga.
  6. Pratique o elogio ao diferente: Treine sua mente para reconhecer boas soluções mesmo quando elas são diferentes da sua. Substitua o pensamento “Eu teria feito melhor” por “Essa foi uma forma diferente e funcionou”.
  7. Dê pequenos passos na direção da confiança: A confiança se constrói em ações simples: permitir que o outro tente, aceite erros e aprenda. Comece por uma tarefa pequena e vá aumentando, até perceber que você não precisa estar no controle para que tudo funcione bem.

O Que Você Ganha Quando Solta o Controle

  • Você dorme melhor, vive com menos tensão e sente mais leveza no dia a dia.
  • Suas relações melhoram, porque as pessoas se sentem mais respeitadas e valorizadas.
  • A colaboração aumenta, e as pessoas confiam mais em você, porque sabem que podem contribuir.
  • Seus relacionamentos amadurecem — você passa a inspirar, não a sufocar.
  • Você se sente mais livre e presente, com tempo e energia para o que realmente importa.

A ilusão de que tudo precisa sair do seu jeito é um fardo disfarçado de responsabilidade que você não precisa carregar. Talvez você não precise de mais controle — só de mais confiança. Confiança em si. Confiança nos outros. E confiança de que, mesmo sem o controle total, as coisas podem fluir — e você pode viver com muito mais leveza.

Jalme Pereira é músico, palestrante, desenhista e trabalha na Universidade Veiga de Almeida (UVA)
Jalme Pereira é músico, palestrante, desenhista e trabalha na Universidade Veiga de Almeida (UVA)



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