“O direito a uma gravidez de respeito”, por Amanda de Moraes


Ao longo da história, a vida de uma mulher, para ser completa, era associada à possibilidade de ser mãe. A função materna era vista como uma imposição social; o casamento, necessário a uma vida feliz.  Ainda hoje há resquícios desse destino tido por muitos como inquestionável. Resultado? Sofrimento e sensação de desajustes a quem pensa ou vive de forma distinta. Algumas mulheres, por causa dessa pressão, escolhem a maternidade, mesmo que não seja um desejo. Outras escolhem dar à luz por devoção e propósito. Seja como for, é um momento marcante na vida de qualquer mulher.

Repleta de simbolismos, a gravidez gera expectativas, frustrações, alegrias e medos.  Desejada ou não, é uma etapa de mudanças em todas as áreas da vida feminina. O coração aumenta a quantidade de sangue bombeado por minuto. O corpo se transforma. O paladar, outrora fonte de prazer, pode ser um problema quando a aversão por alguns alimentos se apresenta. O humor muda de repente. A rotina é abruptamente alterada. Todo o organismo se reestrutura para dar conta de uma outra vida, além de si.

Todo esse processo é marcado por uma grande vulnerabilidade física, emocional e social, que demanda cuidados, os quais impactam a vida do bebê e da mãe.

Se, por um lado, é dever cuidar dessa nova vida com responsabilidade, existirão direitos? Sim, e eles devem ser assegurados. Desde 2011, foi instituída no Sistema Único de Saúde (SUS) a Rede Cegonha, que consiste em uma série de cuidados para a humanização da gravidez, a fim de garantir um nascimento seguro e saudável. Além disso, o Governo Federal concede às gestantes o benefício Composição Gestante (BCG), para auxiliar na proteção à mãe e ao bebê, promovendo maior atenção a uma fase essencial para o desenvolvimento da criança.

Ter um acompanhante durante todo o período de trabalho de parto e pós-parto, seja em sistema público, seja em privado, também é um direito (Lei 11.108/2005). Diminui a ansiedade, traz conforto e segurança, por ser uma fonte de suporte e proteção. Às vezes, o que muitas mulheres merecem é saber que não estão sozinhas.

O pré-natal, acompanhamento médico que a gestante recebe ao longo de sua gravidez, é o momento inicial de construção de uma nova percepção de si mesma e do mundo que está por vir. Os trabalhadores da Saúde, assim como os parceiros e parceiras, têm como missão olhar com cuidado e sensibilidade, fortalecendo o vínculo com a mulher.

Apesar disso, mulheres ainda sofrem inúmeras violências, de diferentes partes. A violência obstétrica pode ser compreendida como tratamento abusivo, desrespeitoso e negligente às mulheres durante a sua gestação, parto e pós-parto, desaguando, muitas das vezes, em lesão corporal, abuso sexual, violência psicológica.

Esse tipo de conduta desumana, aliás,  pode ser praticado por profissionais, familiares, parceiros ou quaisquer pessoas que estejam envolvidas no processo gestacional.

De acordo com a Fundação Perseu Abramo, uma em cada quatro mulheres já sofreu violência obstétrica no Brasil: falta de anestésico, xingamentos, episiotomia sem autorização (corte entre a vagina e o ânus), manobras violentas, como a de Kristeller (pressionar a parte superior do útero para forçar o bebê a sair).

Não raro, o direito ao parto normal é subtraído de muitas mulheres, sem qualquer justificativa razoável. “Faça uma cesariana! É mais rápido e já agendamos o dia.” – dizem. Para agravar, acompanhantes são proibidos de estar nesse momento, a despeito de ser um direito, previsto em lei.

A lista é imensa e analisada caso a caso. E, diante desse cenário, precisamos posicionar-nos. Para além da vida da mulher, a gestação e o nascimento é um processo comum a todos nós. Somos gerados em um ventre e viemos ao mundo pelo parto. Todos os seres humanos atravessaram esse caminho para ultrapassarem o portal da vida. Proteger e cuidar de uma gestação significa cuidar de todos os seres humanos, em seus momentos iniciais.

Por fim, se tudo isso acima talvez pareça exagerado a alguém, é didático que pensemos que esse alguém só está no mundo porque foi gerado por uma mulher. A violência por ela sofrida também por ele foi sentida. Da mesma sorte, se houve o mais belo dos sentimentos: o amor.

Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes
Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes



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