Emendas parlamentares dominam redes durante debate no STF


No STF, as emendas são discutidas no âmbito das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7688, 7695 e 7697, das quais o ministro Flávio Dino é relator.
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No STF, as emendas são discutidas no âmbito das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7688, 7695 e 7697, das quais o ministro Flávio Dino é relator.

O Supremo Tribunal Federal( STF) realizou, nesta sexta-feira (27), uma audiência pública para debater as emendas parlamentares impositivas. Embora os presidentes da Câmara, Hugo Motta(Republicanos), e do Senado, Davi Alcolumbre(União), estivessem confirmados na lista atualizada de participantes, ambos desistiram de participar do encontro em cima da hora.

A movimentação em torno do tema repercutiu nas redes sociais e colocou a destinação de verbas públicas, especialmente as ligadas ao chamado Orçamento Secreto, entre os assuntos mais comentados do dia.

Com a movimentação, os termos “Hugo Motta” e “Davi Alcolumbre” ficaram entre os cinco assuntos mais comentados do X na manhã desta sexta-feira. O fato dos presidentes terem desistido de comparecer ao STF e mandado representantes das advocacias da Casas Legislativas, para fazerem exposições estritamente técnicas em favor do formato atual das emendas parlamentares foi o ponto mais criticado pelos internautas. 

Além desses, a expressão “Emendas da Corrupção” figurou como o segundo assunto mais comentado durante quase todo o dia. O termo faz referência à falta de transparência na destinação das emendas impositivas, que, apesar de serem um instrumento de representatividade e descentralização de recursos, abrem brechas para práticas corruptas.

Essas verbas são criticadas e estão sob debate no STF porque, entre outros motivos, podem ser usadas para troca de favores políticos ou para garantir apoio ao governo; dificultam o controle global das contas públicas, já que engessam parte do orçamento; e, em alguns casos, têm sido associadas a esquemas de corrupção e desvio de verbas, como no Orçamento Secreto.

Governo x Congresso

Essa dinâmica tem sido uma das principais causas da crise entre o Executivo e Legislativo. Nos bastidores, interlocutores do governo apontam que Motta tem atuado em favor da liberação das emendas e pressionado o governo sobre isso, reclamando da demora na autorização do pagamento das verbas. Esse, inclusive, está sendo apontado como um dos motivos para o Congresso ter  pautado a derrubada do decreto que aumentou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) mesmo após acordo entre os líderes do Congresso e o Planalto. 

O valor expressivo destinado às emendas explica a tensão em torno da destinação desse dinheiro, que representa uma poderosa moeda de troca política, principalmente em ano pré-eleitoral. Somente em 2025, segundo estimativas em debate na Suprema Corte, o país deve gastar R$ 50 bilhões com as impositivas. Entretanto, o ministro Flávio Dino, relator da ação, afirmou que esse valor pode estar minimizado, já que Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores também têm aprovado esse tipo de despesa.

“Então, muito provavelmente, a conta de R$ 50 bilhões/ano é uma estimativa a estas alturas, muito minimizada. Porque, provavelmente, aí é um instinto, digamos assim, nós estamos falando seguramente de mais de R$ 100 bilhões, por ano, envolvendo os três níveis da federação” , alertou Dino durante a audiência pública desta sexta-feira. 

O economista Felipe Salto, especialista em contas públicas, destacou, durante a audiência, que os valores destinados a emendas cresceram 700% entre 2016 e 2024. Para comportar esse gasto, o governo precisa cortar despesas ou aumentar a arrecadação, o que acaba pesando no bolso do contribuinte. Segundo Salto, para cada emenda impositiva, seria necessário cortar uma despesa, princípio que não vem sendo seguido. 

“Nós precisamos cortar as emendas. As emendas, no patamar em que estão, prejudicam a sustentabilidade fiscal e impedem o Executivo de executar a sua função precípua. Ele é que cuida do orçamento” , analisou o economista.

Apesar de ser uma peça-chave no desgaste da relação entre o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva(PT) e o Congresso, o ministro ressaltou que as emendas não são exclusividade de um governo e que as preocupações acerca do tema têm sido crescentes ao longo dos últimos mandatos.

“O tema das emendas impositivas perpassa o governo da presidenta Dilma, do presidente Temer, Bolsonaro, do presidente Lula e do próximo presidente, seja quem for. Não estamos tratando de um tema de interesse de um governo, mas de todos os governos passados e de todos que virão” , destacou. 

O que está em debate no STF

No STF, as emendas são discutidas no âmbito das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7688, 7695 e 7697, das quais o ministro Flávio Dino é relator. Nesses processos, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a Procuradoria-Geral da República( PGR) e o Partido Socialismo e Liberdade ( PSOL), que constam como requerentes, contestam a constitucionalidade da destinação das verbas, sob o argumento de que essas, da forma como são feitas atualmente, fragilizam a harmonia entre os Poderes e interferem na organização das finanças públicas. 

Por isso, o STF analisa se o volume crescente de emendas impositivas — tanto individuais quanto de bancada — engessa o orçamento da União a ponto de comprometer a capacidade do governo de gerir as contas públicas com eficiência. Ou seja, sob o comando do ministro Dino, a Corte discute se há risco de perda de governabilidade fiscal, já que o Executivo é obrigado a executar um número crescente de despesas determinadas por parlamentares.

A Corte também está debruçada sobre o equilíbrio institucional entre Legislativo e Executivo. O debate gira em torno de até que ponto o Congresso pode interferir na execução do orçamento sem invadir a competência do Executivo, responsável, constitucionalmente, pela gestão orçamentária e financeira do país. 

“O que nós discutimos aqui é se nós vamos abolir o presidencialismo e atribuir a apropriação ou tornar legal a apropriação do orçamento pelo parlamento, sem as devidas responsabilidades que a Constituição atribui ao presidente. É saber se prevalece este modelo de apropriação do orçamento que se estabeleceu a partir de 2015 e que se reforçou em 2019 e em 2024 por emendas à Constituição”, disse o advogado Walfrido Warde Júnior, representante do PSOL. 

Outro ponto em debate é a necessidade de impor a obrigatoriedade de transparência e controle sobre as transferências realizadas, de forma que se alinhem aos princípios constitucionais de publicidade, moralidade, eficiência e legalidade na administração pública, dentro da imposição de medidas que garantam a mínima transparência quanto à destinação dos recursos. Nesse sentido, o STF quer avaliar se o uso dessas emendas respeita os princípios previstos na Constituição.

Para a vice-coordenadora da organização Transparência Eleitoral Brasil, Marilda Silveira, o atual sistema de emendas impositivas, com baixíssimo nível de transparência e capacidade de rastreabilidade dos recursos tem impacto sobre o sistema eleitoral, e, assim, promove a criação de verdadeiros feudos eleitorais.

“As emendas parecem se direcionar para a estabilização de um legado e isso confronta e conflita diretamente com a política de recuperação que o Supremo Tribunal Federal estabeleceu aqui para as mulheres e para os negros. Nós temos 82% de prefeitos reeleitos. Desses 82% só 14% são mulheres, 4% são negras. É só fazer conta. Esta política não produzirá efeitos diante desse cenário” , destacou.

Ainda está em pauta o controle efetivo sobre a execução das emendas. Sobre isso, o STF discute formas de garantir que os recursos destinados por parlamentares estejam sujeitos a critérios técnicos, fiscalização adequada e metas de interesse público, evitando desvios e favorecimentos indevidos.

Na avaliação do advogado-geral da União, Jorge Messias, as emendas são constitucionais, com regras já definidas pela legislação para a indicação desses recursos.

“No que diz respeito às emendas de bancada, os recursos delas provenientes deverão ser destinados apenas a projetos e ações estruturantes a serem definidos em ato normativo do poder executivo federal. Ainda no que se refere às emendas Pix, passou a ser exigido a apresentação e a aprovação de planos de trabalho previamente à transferência do recurso” , avaliou. 

Operação da PF mira desvio de emendas

Paralelamente à audiência pública, a Polícia Federal( PF) deflagrou, nesta manhã, a quarta fase da Operação Overclean, com foco no desvio de emendas parlamentares destinadas a municípios da Bahia. A investigação mira o deputado federal Félix Mendonça (PDT), seu assessor e prefeitos baianos suspeitos de integrar um esquema de corrupção, fraudes em licitações e lavagem de dinheiro. 

Durante o cumprimento de mandados de busca e apreensão, dois prefeitos foram presos em flagrante por porte ilegal de arma: Humberto Raimundo Rodrigues de Oliveira, de Ibipitanga, e Alan Machado, de Boquira, ambos afastados dos cargos. Segundo a PF, o assessor de Mendonça seria o principal operador financeiro do grupo. Em nota, o deputado negou qualquer irregularidade. 

A operação, realizada em conjunto com a CGU e a Receita Federal, cumpriu 16 mandados de busca e apreensão em cinco cidades baianas e resultou ainda na apreensão de mais de R$ 1 milhão em espécie com o ex-prefeito de Paratinga, Marcel José Carneiro de Carvalho (PT). As cédulas, incluindo notas de R$ 200, foram encontradas em gavetas e escritórios ligados ao político.

A gaveta com dinheiro contribuiu para a escalada do debate sobre as emendas parlamentares nas redes sociais. Somado a isso, a divulgação da destinação de por parte do deputado federal paulista Fábio Teruel (MDB), por meio da Prefeitura de Barueri, usadas para asfaltar o condomínio onde mora, fez com que o assunto fosse um dos mais comentados do dia. O emedebista enviou R$ 11 milhões à prefeitura, dos quais R$ 2,2 milhões foram usados para o asfalto.

Governo se pronuncia sobre demora no pagamento

A demora no pagamento das emendas impositivas vem sendo motivo de desgaste entre o Congresso e o Planalto. Nos bastidores, interlocutores apontam que Hugo Motta vem pressionando o governo para a destinação e até integrantes da base governista comentam que estão sendo cobrados por prefeitos e governadores sobre o envio das verbas. 

Sobre isso, a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, afirmou que o governo não tem interesse em retardar a execução das emendas e explicou que a demora no pagamento se deve a questões legais. 

“O orçamento de 2025 foi aprovado pelo Congresso Nacional em 20 de março e sancionado em 10 de abril, e não nos meses de dezembro/janeiro como aconteceu em 2023 e 2024. A execução de emendas parlamentares deste ano passou a ser realizada sob os novos ritos, exigências e prazos da Lei Complementar 210/2024, votada e aprovada para incorporar determinações do Supremo Tribunal Federal” , ponderou. 

A ministra ainda esclareceu que as datas de aprovação e sanção da Lei Orçamentária e a nova legislação que trata sobre o tema incidiram sobre o início do processo de execução das emendas parlamentares e, por isso, “não se pode falar em atraso ou lentidão da execução” .

“Pelo contrário, considerando períodos iguais dos anos anteriores, a execução atual está muito mais acelerada” , argumentou Hoffmann.  “Não há ação deliberada nem qualquer intenção, por parte do governo, de retardar a execução das emendas e prejudicar parlamentares. Seria até um contrassenso de nossa parte. A execução das emendas que cumprem as normas vigentes é obrigatória. Desde que aprovamos o Orçamento, iniciamos uma força-tarefa de técnicos para sua execução” , garantiu. 

O que são emendas impositivas

As emendas parlamentares impositivas são instrumentos previstos na Constituição que garantem a deputados e senadores o direito de indicar parte do orçamento da União para obras, projetos e ações em estados e municípios. Por lei, essas indicações devem ser obrigatoriamente executadas pelo governo federal.

Criadas a partir da Emenda Constitucional 86, de 2015, as emendas impositivas passaram a vincular legalmente o Executivo à sua execução. Isso significa que o governo não pode simplesmente ignorá-las ou deixá-las de fora da programação orçamentária, mesmo em caso de discordância política. Cada parlamentar tem direito a apresentar propostas que somam até 1,2% da Receita Corrente Líquida da União, sendo que metade desse valor precisa ser obrigatoriamente destinado à área da saúde. 

Além das emendas individuais, a Constituição também reconhece como impositivas as emendas de bancada estadual, quando apresentadas coletivamente por deputados e senadores de um mesmo estado.

Na prática, essas emendas funcionam como uma forma de descentralizar a alocação de recursos públicos, permitindo que parlamentares levem investimentos para suas bases eleitorais. São comuns, por exemplo, indicações para pavimentação de ruas, construção de escolas e hospitais, aquisição de ambulâncias ou equipamentos, além de apoio a projetos sociais e culturais.

Apesar de serem um avanço em termos de transparência e equilíbrio federativo, as emendas impositivas também geram debate. Críticos apontam que o crescimento desse tipo de despesa tem engessado o orçamento, dificultando o planejamento fiscal do Executivo e reduzindo sua margem de manobra diante de crises econômicas. Ainda assim, no atual arranjo político, elas são vistas por muitos parlamentares como uma ferramenta legítima de atuação e prestação de contas à sociedade, sobretudo em um país marcado por desigualdades regionais.

Emendas impositivas não são o mesmo que Orçamento Secreto

As emendas parlamentares impositivas e as emendas do relator — conhecidas popularmente como “orçamento secreto” — têm funções distintas dentro do Orçamento da União, ainda que ambas envolvam a destinação de recursos públicos por iniciativa do Congresso. A principal diferença está no grau de transparência, na obrigatoriedade de execução e na forma como são operacionalizadas.

As chamadas emendas impositivas são apresentadas diretamente por deputados e senadores e, desde mudanças constitucionais aprovadas em 2015 e 2019, passaram a ter execução obrigatória. Isso significa que o governo é legalmente obrigado a liberar os recursos, desde que as propostas respeitem os critérios técnicos e estejam dentro dos limites estabelecidos. Essas emendas são nominais, públicas e rastreáveis — o cidadão pode saber quem indicou, para onde foram os recursos e com qual finalidade.

Já as emendas do relator, classificadas como RP9, ficaram conhecidas por sua falta de transparência e pelo uso político no interior do Congresso. Embora o relator do Orçamento apareça formalmente como autor, na prática, os recursos eram direcionados a partir de negociações entre líderes partidários, governo e parlamentares, sem que houvesse registro oficial sobre quem havia feito cada indicação.

Esse modelo, amplamente utilizado entre 2020 e 2022, foi alvo de críticas por permitir a distribuição desigual de verbas, favorecendo aliados do governo e enfraquecendo a fiscalização pública. A situação chegou ao limite em 2022, quando o Supremo Tribunal Federal julgou o mecanismo inconstitucional, por violar os princípios da publicidade, da impessoalidade e da moralidade na administração pública.



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