Em poucos dias, o torcedor argentino passou da glória de viajar ao exterior com o câmbio favorável à desilusão de ver seu time ser derrotado antes do esperado.
O dólar mais barato parecia um convite para que os milhares de torcedores dos dois maiores clubes do país, Boca Juniors e River Plate, colorissem de azul e amarelo, e de vermelho e branco, praias, parques e, principalmente, lojas nos Estados Unidos.
Os cânticos ensaiados, os gritos nas arquibancadas e a confiança em ver os dois clubes avançarem na tabela tomaram os estádios americanos. Mas a aventura dos representantes do futebol argentino no Mundial de Clubes terminou cedo. Na quarta-feira (25), um dia após a despedida do Boca, em um inesperado empate com o Auckland City, o River foi eliminado pela Inter de Milão.
O atacante do Boca Juniors, Edinson Cavani (centro), consola Miguel Merentiel após o empate com o Auckland City, da Nova Zelândia.
A queda do Boca Juniors na fase de grupos do Mundial de Clubes, após o 1 a 1, desencadeou uma onda de críticas tanto na Argentina quanto ao redor do mundo, com comparações entre a trajetória do clube e a do modesto time amador da Nova Zelândia.
A imprensa estima que 50 mil torcedores do Boca viajaram para acompanhar o clube.
“Vergonhoso, não aprendem a lição”, apontou o jornal argentino Olé. “Desastre mundial”, disse o diário AS, da Espanha. “Uma torcida dos sonhos não é suficiente”, registrou o também espanhol Sport. A imprensa argentina destacou que o time foi, em poucos minutos, do flerte com a classificação à incapacidade de vencer um time “formado por professores, metalúrgicos, cabeleireiros, entre outros ofícios, que nas horas vagas jogam bola”, segundo o Olé.
Além de precisar vencer, a equipe dependia de uma vitória do Bayern de Munique contra o Benfica para sonhar com a classificação às oitavas de final — o que não aconteceu.
Há menos de um mês no comando do Boca, Miguel Ángel Russo admitiu, após a desclassificação, que a equipe deixou uma “imagem ruim” no torneio. Ele disse que a suspensão da partida, por conta de uma tempestade, atrapalhou o rendimento, pois o time teve de jogar já sabendo do resultado entre Bayern e Benfica.
Ausente no empate com o Benfica e na derrota para o Bayern, devido à recuperação de uma lesão, o uruguaio Edinson Cavani não conseguiu evitar a eliminação do Boca. “A partida de hoje, apesar de ter terminado em empate, não foi tão decepcionante”, disse ele após o jogo — uma declaração que incomodou a torcida.
Parte da torcida e da imprensa especializada argentina voltou suas críticas ao presidente do Boca, o ex-jogador Juan Román Riquelme. “O panorama é o seguinte: sem Copa Libertadores, após ser eliminado em casa pelo Alianza Lima, do Peru; sem Sul-Americana; e sem as oitavas de final do Mundial de Clubes, no qual saiu sem conseguir vencer nem mesmo o amador Auckland City”, resumiu o portal Ovación.
Rival de Riquelme no Boca, o ex-presidente da Argentina Mauricio Macri, que também já dirigiu o clube, o culpou pela derrota. “É a etapa mais triste da nossa história, estamos em um péssimo caminho”, disse.
Sócio de um bar temático próximo ao parque Lezama, na divisa com o bairro da Boca, em Buenos Aires, Ariel Stein ficou decepcionado com a despedida precoce. “Além do lado pessoal, por ser torcedor do time, é ruim para os negócios. A gente queria ver isso aqui lotado nos dias de jogos”, disse. “Mas torcer para o Boca é isso.”
Nesta quinta-feira (26), os torcedores do Boca tiveram um alívio com a notícia de que a volta do meio-campista Leandro Paredes ao clube está praticamente confirmada, restando apenas a execução da cláusula de saída da Roma.
O desencanto só não foi maior porque o principal adversário do clube cairia um dia depois, com o River sendo derrotado pela Inter de Milão por 2 a 0, em Seattle.
“Um tapa na cara”, diz a capa do Olé, sobre a eliminação do River. As críticas só foram menos intensas por se tratar de uma derrota para um time europeu. “As mais de 40 mil pessoas que lotaram o Lumen Field, em Seattle, não mereciam que o River saísse do Mundial de Clubes tão rápido. O clube provavelmente também não merecia”, afirmou o jornal.
“Vamos fazer uma avaliação do que precisamos para dar um salto. Temos que dar o salto nos momentos em que a equipe tem que ir para a frente. Temos que ser muito precisos ao planejar o segundo semestre deste ano”, disse o treinador do River, Marcelo Gallardo.
A imprensa argentina aproveitou para comparar o desempenho da dupla local com o dos times brasileiros que continuam no torneio (Palmeiras, Botafogo, Flamengo e Fluminense). “O Brasil atravessa a maior crise de sua história em termos de seleção, mas, a nível de clubes, é arrebatador”, disse o Clarín.
As derrotas dos dois times ultrapassaram o campo. O presidente Javier Milei aproveitou os resultados para insistir novamente em sua principal bandeira no mundo dos esportes — transformar os clubes em sociedades anônimas — e falou em “fracasso”, em mais um capítulo de sua guerra contra a AFA (Associação Argentina de Futebol).
Folha de S.Paulo