O torcedor que tem acompanhado as partidas da Copa do Mundo de Clubes deve ter reparado na prevalência das empresas de apostas esportivas em lugar de destaque nos uniformes. Dos 32 times participantes, nove (cerca de 30%) estampam a logomarca de uma bet como patrocinadora máster na parte frontal das camisas.
Os seis sul-americanos —Palmeiras, Flamengo, Fluminense, Botafogo, River Plate e Boca Juniors— são patrocinados por bets, além de Monterrey, do México, Porto, de Portugal, e Inter de Milão, da Itália.
Segundo especialistas, as bets apostam na exposição global para atrair clientes a um mercado ainda relativamente novo, ao mesmo tempo em que injetam dinheiro e ajudam a alavancar clubes equilibrados financeiramente.
Companhias de viagem e turismo vêm na sequência, com o patrocínio a seis equipes (18,8%), todas europeias, exceto o Inter Miami, de Lionel Messi, dos Estados Unidos. Telecomunicações (quatro), automóveis (três), serviços financeiros (duas) e bebidas (duas) aparecem em seguida entre as principais patrocinadoras.
Consultor e professor da FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado), José Sarkis Arakelian afirmou que o mercado de apostas online é caracterizado pela baixíssima diferenciação de produtos e serviços, o que faz com que as empresas tenham de buscar alternativas no mercado para chamar a atenção dos clientes.
“A experiência do usuário é sempre muito parecida. É um serviço quase ‘comoditizado’ e o consumidor vê pouca diferenciação no aspecto tangível, o que faz com que as empresas passem a trabalhar muito focadas no intangível, que é o conceito da marca, a confiança, a familiaridade junto ao público-alvo.”
Arakelian acrescentou que, no caso dos principais europeus na competição, como PSG, Real Madrid e Manchester City, os patrocínios —de Qatar Airways, Emirates e Etihad Airways, respectivamente— são de grandes empresas aéreas árabes que contam com o apoio dos governos de seus países para atrair visibilidade às regiões.
“São patamares diferentes. No nível mais alto, estão as chamadas empresas-estado, que se voltam para as maiores marcas globais”, afirmou o professor da FAAP.
Segundo ele, embora os times brasileiros não tenham o mesmo poderio financeiro do primeiro escalão europeu, eles já conseguem se equiparar àqueles que compõem a segunda prateleira da Europa.
“Na medida em que os times brasileiros têm mais faturamento e oferecem maior remuneração, eles passam a atrair e reter mais talentos. Muitos jogadores que, até um tempo atrás, iriam para o mercado europeu, passaram a jogar no Brasil.”
Após a vitória por 3 a 1 do Flamengo sobre o Chelsea, o técnico rubro-negro Filipe Luís expressou uma visão parecida. “Acredito que existe uma elite no futebol, onde oito ou dez clubes no mundo fazem parte. E eles são muito superiores. Tirando essa elite, acredito que os brasileiros estão no mesmo nível desse segundo escalão europeu pela forma que temos de competir, entender o jogo, acostumados a atuar em vários tipos de gramado, altitude.”
Estimativas da consultoria Convocados indicam que, impulsionados pelas casas de apostas, os valores de patrocínio máster dos 20 times da Série A devem alcançar R$ 988 milhões em 2025, um crescimento de 70% na comparação com o ano anterior.
Conforme estimativas de Alexandre Fonseca, CEO da Superbet, patrocinadora do Fluminense, o setor deve movimentar cerca de R$ 2 bilhões em patrocínios e publicidade no esporte em 2025, o que inclui contratos máster com clubes, naming rights de campeonatos e arenas, cotas de mídia e presença em placas e painéis de LED.
“Esse ciclo de fortalecimento financeiro e técnico explica o desempenho dentro de campo nos Estados Unidos, vencendo favoritos europeus e mostrando que o Brasil voltou a jogar de igual para igual com a elite mundial”, defendeu Fonseca.
Arakelian ressaltou que o dinheiro das bets contribui para a formação de elencos competitivos e resultados esportivos dentro de campo, mas enfatizou que o investimento sozinho, sem que venha acompanhado de melhorias de gestão e governança, não é capaz de fazer todo o trabalho.
Um exemplo citado é o do Corinthians, também patrocinado por uma bet, mas longe do rival Palmeiras como protagonista do futebol brasileiro na última década.
“Times saneados aproveitam o capital para investir no elenco e gerar resultados, enquanto outros pegam esse dinheiro para pagar erros do passado.”
Sócio e analista da Nord Investimentos, Victor Bueno acrescentou que, mesmo com um dos maiores contratos de patrocínio do futebol brasileiro, o Corinthians vive situação “muito delicada”. Isso porque ela não envolve apenas o tamanho da dívida, que se aproxima da casa dos R$ 3 bilhões, mas também a capacidade do clube de honrar seus compromissos.
“O Corinthians não tem a capacidade de pagar essa dívida nem no curto e, possivelmente, nem no longo prazo. E se não existir nenhum fator de transformação da gestão das finanças, muito provavelmente o time vai acabar em maus lençóis”, afirmou Bueno.
Sócio e economista-chefe da empresa de investimentos TCP Partners, Ricardo Jacomassi disse que o trabalho de reconstrução de um clube passa pela reestruturação da gestão financeira, contábil e patrimonial e pela implantação de conselhos de administração profissionais.
“Toda esta mudança favoreceu alguns clubes, que se tornaram espelho para equipes menores de ligas de acesso. Um caso é o do Bragantino, que, após a aquisição pela Red Bull, fez uma transformação sem precedentes e se tornou referência para clubes menores”, disse Jacomassi.
Consultor de marketing esportivo e professor do Insper, Eduardo Corch afirmou que clubes bem estruturados têm maior potencial de atrair patrocinadores fortes, ampliar as receitas e criar as condições para investir em infraestrutura, como centros de treinamento e estádios, além de elencos competitivos.
“É claro que nada disso garante o sucesso esportivo imediato, mas aumenta muito a probabilidade de alcançar bons resultados. E, quando esses resultados aparecem, criam oportunidade de participação em torneios internacionais, retroalimentando esse ciclo com mais visibilidade, premiações e novas oportunidades comerciais.”
Economista e sócio da consultoria Convocados, Cesar Grafietti ponderou que não há um único caminho a ser seguido pelos clubes.
“Palmeiras e Flamengo possuem condição financeira bastante equilibrada, receitas elevadas e dívidas controladas, enquanto o Botafogo é uma SAF com pouca transparência, de uma rede multiclubes cujo ativo francês está em dificuldades, e que ninguém sabe a real situação financeira”, afirmou Grafietti.
No caso do Fluminense, o time vive basicamente de valores esporádicos, como premiações e transferências de atletas, mas lida com dívidas elevadas.
“No final, temos três modelos de negócios, o que apenas mostra que o desempenho em campo é, muitas vezes, apenas reflexo de uma boa gestão de elenco. E para isso não há regra: os clubes podem ter receitas elevadas, acionistas que investem ou clubes que gastam e se endividam.”
Folha de S.Paulo