Autodefesa Preventiva e Violação do Irã no Direito Internacional


Flavio Goldberg, advogado e mestre em Direito
Arquivo pessoal

Flavio Goldberg, advogado e mestre em Direito

Há circunstâncias em que o Direito não pode ser reduzido à letra estanque dos tratados, mas precisa afirmar-se como cláusula de sobrevivência. Diante da tentativa persistente do Irã de alcançar capacidade nuclear bélica, não se trata mais de avaliar nuances diplomáticas ou conjecturar sobre intenções. Trata-se de reconhecer a materialização de uma ameaça real, sistemática e objetiva à existência de um Estado soberano, em violação direta aos princípios fundantes da ordem jurídica internacional.

A República Islâmica do Irã, ao promover o enriquecimento de urânio em níveis próximos aos utilizados para fins militares, ao ocultar instalações estratégicas de fiscalização da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), ao descumprir obrigações do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), do qual é signatária, e ao adotar reiteradamente uma retórica de extermínio contra Israel, coloca-se fora dos limites de legalidade permitidos ao convívio entre as nações.

O artigo 51 da Carta das Nações Unidas garante o direito inerente de legítima defesa, individual ou coletiva, em caso de ataque armado. A interpretação moderna desse dispositivo, consolidada tanto pela doutrina quanto pela prática dos Estados, autoriza o exercício da autodefesa preventiva sempre que a ameaça se revele iminente, inescapável e intransponível por vias diplomáticas. A ameaça não precisa ser consumada para ser legítima a reação. A escalada nuclear promovida por Teerã é a antessala de uma catástrofe, e, portanto, juridicamente suficiente para justificar a adoção de medidas preventivas.

A jurisprudência internacional reconhece que o direito à existência de um Estado é norma jus cogens, isto é, inderrogável, acima de tratados bilaterais ou multilaterais, e cuja violação compromete a estabilidade do próprio sistema internacional. Quando o Irã proclama, sem subterfúgios, que pretende eliminar Israel do mapa e, paralelamente, desenvolve meios materiais para tal fim, já não se está diante de uma hipótese remota, mas de um risco palpável que impõe resposta proporcional e tempestiva.

Ademais, o próprio sistema de segurança coletiva das Nações Unidas, por meio de múltiplas resoluções do Conselho de Segurança (1696, 1737, 1747, 1803, 1929 e 2231), reconheceu o caráter ilegal do programa nuclear iraniano, determinando a sua suspensão e a cooperação integral com a AIEA. O descumprimento reiterado dessas determinações deslegitima qualquer pretensão do Irã em se valer da soberania para blindar sua conduta. A soberania não é escudo para o crime internacional.

A eventual obtenção de armamento nuclear pelo Irã não constituiria ameaça apenas a Israel. Representaria um abalo estrutural no regime jurídico da não proliferação, fomentando uma corrida armamentista regional, com efeitos imediatos sobre Arábia Saudita, Egito e Turquia, além de fragilizar o regime multilateral de contenção nuclear que tem sido mantido, ainda que precariamente, desde a segunda metade do século XX. O risco transcende a questão bilateral entre Israel e Irã; trata-se de uma ameaça objetiva à paz internacional.

O Estado de Israel tem, portanto, fundamento jurídico, legitimidade moral e dever estratégico para adotar as medidas que se façam necessárias à neutralização de um programa nuclear claramente dirigido à sua destruição. Tal conduta, longe de configurar afronta à ordem jurídica, representa a preservação dessa mesma ordem frente a um regime que, por ação e intenção, dela se afasta.

O Direito Internacional, quando sério, não pode ser indiferente à autodefesa diante do extermínio anunciado. A responsabilidade de proteger, aqui, não é incumbência exclusiva de organismos multilaterais inoperantes, mas prerrogativa de um Estado ameaçado. Israel não se antecipa por impulso bélico; antecipa-se porque assim exige o princípio da precaução, a jurisprudência da Corte Internacional de Justiça e, sobretudo, a razão jurídica da legítima defesa preventiva.

Não há violação no ato que impede a consumação de um crime. Há, isto sim, o exercício legítimo de um direito que precede a retórica, a diplomacia e a inércia. Israel não deve pagar para ver, deve agir para continuar existindo. E o Direito, nesse caso, se estiver vivo, estará do seu lado.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do  iG.



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