Os 12 trabalhos de Ancelotti – 07/06/2025 – Juca Kfouri


Em Guayaquil, ao nível do mar porque também os equatorianos que jogam fora sofrem na altitude de Quito, Carlo Ancelotti estreou com positivo, sofrível e sofrido 0 a 0.

Com o que terminou a rodada das Eliminatórias em deprimente quarto lugar.

Positivo, está escrito, apenas porque a seleção equatoriana era favorita e, sem sua dupla de atacantes mais letais, Enner Valencia e Plata, pouco incomodou a meta brasileira.

Na verdade, as melhores chances de gol acabaram por ser brasileiras, embora nada que justificasse ganhar o jogo.

Esperar milagres de Carlo Ancelotti fez parte do insistente pachequismo nacional.

Em enquete feita na TV UOL, 55% dos torcedores cravaram vitória brasileira apertada, 23% apostaram em goleada, 16%, no empate, e apenas 6%, na derrota.

Ou seja, 78% acreditavam num triunfo, baseados em absolutamente nada, ou, pior, em são Ancelotti.

O italiano mascou nove chicletes pacientemente e se comportou feito lorde, sem revelar na face o descontentamento que lhe consumia a alma.

Ancelotti não é o são Francisco de Assis, e seu primeiro trabalho pela América do Sul pode ser considerado bom —apenas pelo resultado.

Na próxima terça-feira, em Itaquera, será a vez do segundo trabalho, contra o Paraguai, que, a exemplo da Argentina e do Equador, está na frente do Brasil. Só dois pontos, mas à frente (a Argentina está 12…).

Quem viu Portugal ganhar da Alemanha de virada por 2 a 1, em Munique, e o festival de futebol em Espanha 5 x 4 França, pela Liga das Nações, percebeu que a diferença do futebol de lá para o de cá é diretamente proporcional à diferença entre o basquete daqui para o da NBA (Haliburton, Haliburton, Haliburton!!!).

Ancelotti sabe disso e certamente assistiu aos dois clássicos europeus para concluir que as Eliminatórias são seu menor problema. Duro será fazer bonito na Copa do Mundo.

Para tanto, ele terá mais três jogos oficiais, contra Paraguai e Chile, no Brasil, e Bolívia, na infernal altitude de La Paz, onde poderá experimentar o chiclete de coca.

Garantida a vaga na Copa norte-americana, coisa obrigatória até para um pecador, Ancelotti terá oito amistosos até a estreia.

Faltam, portanto, 11 dos 12 trabalhos de Ancelotti.

Ele terá de matar um leão por dia, uma hidra por semana, aves todos os meses, capturar cavalos, touros, corças e javalis, cães e touros, limpar os estábulos da CBF, e até buscar o cinturão, ou a faixa de campeão, os pomos de ouro do hexacampeonato.

Pois viu em Guayaquil o tamanho da dificuldade, e, se alguém disse a ele que em Itaquera será mais tranquilo, terá mentido deslavadamente.

Porque, se a seleção repetir a atuação no Equador, ouvirá vaia colossal, tradição nos estádios paulistanos desde o velho Pacaembu e do Morumbi, antes de violentarem o nome do primeiro e adocicarem o do segundo.

Ancelotti está diante de desafio realmente hercúleo para responder perguntas simples como: por que Vinicius Junior não joga de amarelo ou azul como de merengue?

Ou: por que Bruno Guimarães engole a bola no Newcastle e tem indigestão com ela na seleção?

Ainda bem que o filho de Zeus não era apenas forte e valente.

Era também muito inteligente, como ficou claro na resolução dos Doze Trabalhos.

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Folha de S.Paulo