Há casos em que fazer uma comparação é bem arriscado. Um deles é, ao se escolher entre duas ou mais opções, não serem expostos argumentos que expliquem ou sustentem essa escolha.
É o que aconteceu com a IFFHS (Federação Internacional de História e Estatísticas do Futebol), que apresentou a sua lista dos dez melhores jogadores de todos os tempos.
A federação colocou Lionel Messi em primeiro lugar, acima de Pelé, que ficou em segundo. O top five tem ainda Diego Maradona, compatriota de Messi, o português Cristiano Ronaldo e o holandês Johan Cruyff.
A IFFHS apenas mostra os nomes, sem informar quem os escolheu (uma pessoa?; um colegiado?) e sem trazer um texto que explique os critérios utilizados. Fundada em 1984, na Alemanha, a entidade tem na presidência desde 2014 um saudita, Saleh Saem Bahwini.
Tentei contato por escrito com a federação, solicitando a fundamentação a respeito da lista, contudo não houve retorno.
Sem esse conteúdo, é impossível saber as razões de o excepcional argentino, que aos 37 anos prossegue em atividade, defendendo o Inter Miami (EUA), ter sido colocado no topo.
Pelé é amplamente considerado por especialistas em futebol como o melhor da história. Tanto que ele mesmo dizia que, quando havia uma discussão sobre o assunto, a referência era Edson Arantes do Nascimento.
“Quem é melhor: Pelé ou Messi?” “Quem é melhor: Pelé ou Maradona?” “Quem é melhor: Pelé ou Cruyff?” “Quem é melhor: Pelé ou Di Stéfano?” E por aí vai. A comparação é sempre com Pelé, o que já leva a uma resposta sobre quem teve maior excelência no futebol.
Voltando a Messi x Pelé, neste duelo de camisas 10, é difícil estabelecer um cotejo adequado porque atuaram em épocas distintas.
O brasileiro, morto no fim de 2022 aos 82 anos, era considerado um jogador completo: ótimo finalizador, com as duas pernas (a direita era a melhor), ótimo cabeceador, ótimo driblador, ótimo condutor de bola, visão de jogo e inteligência tática excepcionais, velocidade invejável (especialmente para piques curtos), técnica inigualável, fisicamente incansável.
Pelé foi um artilheiro nato, mesmo sem ser centroavante –era ponta de lança. Fez 1.282 gols na carreira (alguns levantamentos apontam 1.283), todos documentados, apesar de mais de 500 não terem sido em partidas tidas como oficiais.
Jogou quando a tecnologia ainda engatinhava, com a TV se expandindo e décadas antes de a internet se estabelecer. Talvez tenha sido ainda mais fantástico do que foi, pois parte de seus feitos não está disponível para apreciação. E é notável que, mesmo em um mundo pré-digital, tenha se tornado um ícone global, conhecido e admirado em todo o planeta.
Pelé esteve em quatro Copas do Mundo (Suécia-1958, Chile-1962, Inglaterra-1966 e México-1970) e ganhou três (1958, 1962 e 1970), tendo papel vital em duas delas (a primeira e a última).
Reconhecidamente, Messi não cabeceia bem e ampara seu jogo na perna esquerda –a direita é fraca. São pontos que o colocam abaixo de Pelé.
No número de gols, considerando todos os jogos disponíveis por clubes e seleção (incluindo nas categorias de base), ele soma 889. Mesmo que estenda sua carreira por mais alguns anos, é improvável que alcance o total de Pelé.
Em consulta a uma mesma fonte, a RSSSF (Rec.Sport.Soccer Statistics Foundation, que compila estatísticas futebolísticas), Messi marcou 890 gols em 1.158 partidas oficiais, média de 0,77 por jogo, e Pelé, 778 gols em 851 partidas oficiais, média de 0,91 por jogo
O argentino disputou cinco Copas do Mundo (Alemanha-2006, África do Sul-2010, Brasil-2014, Rússia-2018 e Qatar-2022). Venceu uma, a mais recente, e foi vice na de 11 anos atrás. Com a conquista no Oriente Médio, e só devido a ela, coloquei-o acima do genial Maradona.
Que cada um tire sua conclusão. A minha, com argumentação (diferentemente da IFFHS), é que Pelé foi, com certa vantagem, superior ao que Messi, o melhor deste século até agora, é.
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Folha de S.Paulo
