Um mês após conquistar a Copa do Mundo de tênis de mesa, Hugo Calderano repetiu um feito ao chegar à final do Campeonato Mundial, o torneio mais prestigioso da modalidade, só atrás dos Jogos Olímpicos.
Mas no jogo mais importante da carreira, o brasileiro perdeu para Wang Chuqin por 4 games a 1, em uma partida em que o chinês, atual número 2 do mundo, mostrou a força de uma China “mordida” pela derrota na Copa, quando o brasileiro derrotou, em sequência, o próprio Wang Chuqin e o líder do ranking, Lin Shidong.
Calderano já havia feito história nas Olimpíadas, ao ser o primeiro não asiático ou não europeu a chegar às semifinais do torneio —a medalha fugiu por pouco. Em abril, não apenas chegou a uma final. Venceu a Copa ao enfileirar vitórias contra aqueles que ocupavam as primeiras posições do ranking mundial. A conquista escancarou uma crise no tênis de mesa chinês e gerou dúvidas se as derrotas foram algo pontual ou não.
Agora, ao chegar ao vice-campeonato no Mundial, já se sabe que não foi só um desvio. Calderano colocou o Hemisfério Sul no mapa do tênis de mesa mundial, porque foi o primeiro latino-americano a entrar no top 10 do ranking, onde permanece sem interrupções há sete anos. Também venceu taças em eventos WTT e ajudou o Liebherr Ochsenhausen, o time que defende na Alemanha, a ganhar campeonatos e chegar à final deste ano da Bundesliga. Mas isso é diferente de ganhar a Copa e ameaçar o domínio chinês no Mundial.
A Copa do Mundo é anual, e o Mundial, realizado desde 1926, ocorre a cada dois anos, em um sistema com apenas partidas eliminatórias, enquanto a Copa tem uma curiosa fase de grupos, em que é frequente ver os jogadores classificados serem definidos por games vencidos. O Mundial reúne também mais participantes.
Em comum, ambos os torneios podem ser considerados ainda mais difíceis do que os Jogos Olímpicos, já que não há limite de atletas por país. Assim, nas disputas individuais, em vez de só dois mesa-tenistas da China, ainda a maior potência nesse esporte, é possível haver cinco, como ocorreu nesta edição em Doha. Tanto a Copa quanto o Mundial, no entanto, não têm os holofotes nem a audiência que os Jogos atraem.
Um giro rápido por redes sociais chinesas como Bilibili e Douyin mostra que até mesmo os netizens, como são chamados os internautas do país, estão impressionados com o mesa-tenista brasileiro, o que vai além da surpresa com os resultados. Há mensagens de respeito às técnicas de Calderano, e a partida contra Liang Jingkun foi definida como “exemplo do que de fato atrai a atenção do público e eleva o esporte”. “Até os comentaristas da transmissão ficaram em silêncio. Isto não foi apenas sorte, foi pura habilidade.”
Na semifinal, Calderano mostrou a força habitual nos dois primeiros sets e venceu com certa tranquilidade. Veio a reação, e ele teve sangue frio para se manter no jogo e fazer dez pontos consecutivos depois de o game decisivo começar com três pontos do chinês. No momento mais bonito, desfilou: defendeu atacando, quebrou o ritmo, usou o backhand com as duas mãos do fundo da quadra e terminou com uma casquinha.
Outros netizens começaram a prestar atenção à vida pessoal e à inteligência de Calderano, destacando o fato de ele falar sete idiomas —incluindo mandarim—, resolver um cubo mágico em segundos e jogar bem outros esportes. Também expressaram surpresa de ele ter começado a praticar tênis de mesa aos 13 anos, enquanto na China é comum ver crianças de cinco anos de idade já treinando para valer, algo muito cultural.
Todos esses predicados fora da mesa são bem conhecidos no Brasil, mas a vida privada de Calderano vem cada vez mais chamando a atenção no país, talvez devido à entrada da Cazé TV nas transmissões. Bem no estilo do canal, que mostra atletas em postagens mais descontraídas, fora do modelo da mídia tradicional, o relacionamento com a mesa-tenista Bruna Takahashi, antes algo bem discreto, virou um tema recorrente, assim como a relação com os pais, grandes incentivadores da carreira do atual número três do ranking.
Fato é que nada tirou o foco de Calderano do tênis de mesa, e ele mostra que pode chegar a Los Angeles-2028 como um dos favoritos. Porque zebra ele definitivamente deixou de ser. Até os chineses concordam.
Folha de S.Paulo