Projetos de vigilância biométrica instalados na segurança pública têm o potencial de vigiar quase 83 milhões de pessoas
O relatório Mapeando a Vigilância Biométrica, divulgado na última quarta-feira (7), mostra que o Brasil tem hoje pelo menos 376 projetos de reconhecimento facial ativos, divididos nas 23 unidades federativas que responderam à pesquisa, feita entre julho e dezembro de 2024.
Juntos, esses empreendimentos na segurança pública têm o potencial de vigiar quase 83 milhões de pessoas, o equivalente a cerca de 40% da população brasileira. Eles movimentam ao menos R$ 160 milhões em investimentos públicos.
A pesquisa foi realizada pela Defensoria Pública da União (DPU) em parceria com o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), da Universidade Candido Mendes, no Rio de Janeiro, e mostra o avanço da vigilância digital na segurança pública, com destaque para as chamadas Tecnologias de Reconhecimento Facial (TRFs) .
Não responderam à pesquisa os estados do Amazonas, Maranhão, a Paraíba e Sergipe e, por isso, não estão nesta conta.
Soluções regulatórias
Apesar do avanço da vigilância biométrica, os pesquisadores apontam que as soluções regulatórias estão atrasadas e que o Brasil ainda não tem leis para disciplinar o uso dos sistemas de vigilância digital, em particular das câmeras de reconhecimento facial.
Eles destacam que faltam mecanismos de controle externo, padrões técnico-operacionais uniformes e transparência na implementação dos sistemas, o que amplia as chances de ocorrerem erros graves, violações de privacidade, discriminação e mau uso de recursos públicos.
Para exemplificar, o estudo mapeou 24 casos ocorridos entre 2019 e abril de 2025, nos quais afirma ter identificado falhas dos sistemas de reconhecimento facial.
“As preocupações com o uso dessas tecnologias não são infundadas”, alertam os especialistas, citando pesquisas internacionais segundo as quais, em alguns casos, as taxas de erros dos sistemas são “desproporcionalmente elevadas para determinados grupos populacionais, sendo de dez a 100 vezes maiores para pessoas negras, indígenas e asiáticas em comparação com indivíduos brancos”.
Lei de Proteção de Dados
Em entrevista ao Portal iG, o advogado André Santos Pereira, que é Delegado de Polícia do Estado de São Paulo, especialista em Inteligência Policial e Segurança Pública, analisou as ponderações dos pesquisadores.
André Santos Pereira,Delegado de Polícia especialista em Inteligência Policial e Segurança Pública
Segundo ele, estão em tramitação os projetos de lei que regulamentam a vigilância biométrica no Brasil.
No entanto, mesmo sem a definição dessa legislação, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPB) já traz limitações à utilização de dados.
“Essa captação de imagens, o tratamento dessas imagens e o processamento para determinada finalidade são regulamentados pela LGPD e devem seguir as regras da legislação vigente”, salienta ele.
O especialista reforça que há limites na vigilância da população pelo poder público.
“O primeiro ponto é que é preciso justificar a finalidade das câmeras que são instaladas nas ruas, se é voltada a interesse público. Além disso, a própria LGPD disciplina como é que esses dados devem ser ali utilizados. Então, é necessário que haja um protocolo rigoroso para se evitar vazamento desses dados. Ou seja, a segurança da informação tem que ser preservada e o cidadão, o titular das informações que foram coletadas, ele tem direito também a ter a correção de determinado dados ou até mesmo que a eliminação dos seus dados desses bancos de informações públicas, a depender da legislação”, enfatiza.
Falhas no sistema
A respeito de falhas no sistema apontadas na pesquisa, o especialista André Santos Pereira reconhece a gravidade do fato.
O estudo identificou 24 casos de falhas no sistema de reconhecimento facial, entre 2019 e 2025.
No entanto, na opinião de delegado, comparando o número de falhas apontado no estudo em seis anos com a quantidade de projetos de vigilância biométrica implantados no País e seus resultados positivos para a segurança pública, esse número acaba não sendo tão alarmante.
“É um número, obviamente, bastante sério, preocupante, e não podemos desprezar a carga de injustiça de cada um desses casos. Mas eu considero que esse número, dentro de uma análise global, no período de seis anos, não é tão alarmante, mesmo levando em conta que, numa análise individual, é óbvio que cada caso desses casos tem implicações seríssimas no aspecto da intimidade, da vida privada, até da própria dignidade da pessoa humana”, finalizou.
Desafios institucionais
Ao tratar dos “desafios institucionais e normativos”, os pesquisadores lembram que, em dezembro de 2024, o Senado aprovou o Projeto de Lei n.º 2338/2023, que busca regulamentar o uso de inteligência artificial, incluindo sistemas biométricos na segurança pública.
Para se tornar lei, a proposta terá que ser aprovada pela Câmara dos Deputados que, no mês passado, criou uma comissão especial para debater o tema.
O estudo defende a urgência de um “debate público qualificado, com a participação ativa da sociedade civil, membros da academia e representantes de órgãos públicos de controle e de organismos internacionais”.
IG Último Segundo