Marco Aurélio Simon desapareceu em 1985 no Pico dos Marins, em Piquete (SP)
A Polícia Civil de São Paulo retomou as buscas pelo escoteiro Marco Aurélio Simon, que desapareceu, sem deixar vestígios, durante uma expedição no Pico dos Marins, em Piquete (SP). Daqui a um mês, o caso completa 40 anos.
Segundo informações enviadas pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP) ao Portal iG, em abril de 2025 a Superintendência da Polícia Técnico-Científica (SPTC) começou a realizar novos sobrevoos, utilizando sensores multiespectrais e inteligência artificial em uma área de mata densa.
O material coletado não apresentou “traços genéticos” com os de Marco Aurelio. A SSP afirma, no entanto, que as buscas vão prosseguir “com novos voos e aprimoramento dos algoritmos”. Após isso, a Delegacia de Piquete vai analisar os laudos periciais para concluir as investigações.
Nos primeiros anos da investigação, o inquérito chegou a ter mais de 400 páginas.
Muitas hipóteses sobre o desaparecimento
Marco Aurelio foi visto pela última vez no dia 08 de junho de 1985. Quatro décadas depois, o caso sem solução envolve possíveis falhas humanas e originou uma das maiores operações de busca que se tem notícia no país, além de teorias que alternam entre acidente, crime e sobrenatural.
Desde então, a família passou por momentos de tensão, frustração e enganação. Recebeu, por exemplo, trotes de pessoas dizendo que sabiam onde o adolescente estava, buscou ajuda espiritual com Chico Xavier e ouviu várias tentativas de explicação – nenhuma confirmada – sobre o sumiço do adolescente com 15 anos na época.
Vídeos e livros sobre o caso
Anos depois, com o aparecimento da internet, postagens em textos e vídeos, além de lives, surgiram em grande quantidade, abordando diversos aspectos da história.
Mas praticamente apenas uma pessoa de fato se dedicou a pesquisar o caso a fundo, o que gerou três livros, publicados entre 2006 e 2015, por Rodrigo Nunes.
O jornalista fez mais de 70 entrevistas, analisou documentos policiais e arquivos da família.
Em entrevista ao iG, Nunes destrincha o caso.
O escritor Rodrigo Nunes em entrevista ao programa “Vanguarda Comunidade”
Sempre alerta, mas nunca sozinho
Marco Aurelio fazia parte do Grupo Olivetano de Escoteiros, de São Paulo. Liderados pelo espanhol Juan Bernabeu, alguns deles chegaram a Piquete, a 217 quilômetros da capital, para uma prova de promoção ao nível sênior.
Recebidos pelo chefe do grupo local de escoteiros, foram levados até a base do pico, local que fica a aproximadamente uma hora e meia do centro da cidade.
Na base, montaram acampamento na casa do guia local, conhecido por Sr. Afonso, onde passaram a noite antes da tentativa de subida do pico, de 2.421 metros, o segundo mais alto do estado, um dos 30 mais elevados do país, formado por um maciço rochoso.
Segundo o pesquisador, ignorando a complexidade da trilha, Bernabeu recusou a ajuda de Afonso, mateiro experiente, e decidiu abrir caminho por conta própria, a primeira de uma série de decisões criticadas depois do desaparecimento de Marco Aurelio.
O Pico dos Marins se localiza na divisa dos estados de Minas Gerais e São Paulo
Joelho machucado durante a subida do Pico dos Marins
Em um determinado ponto da tentativa de subida, o escoteiro Osvaldo se machuca.
“Ele bate o joelho na pedra, dá uma luxação e ele não consegue mais andar, pisar. Então, em questão de segundos o chefe toma decisões rápidas”, relata.
“Ele fala pro Ramatis, que era outro escoteiro, que deveria descer com as mochilas, porque eles decidem voltar para o acampamento. Não tinha condições de continuar o percurso uma vez que o Osvaldo estava machucado e não aguentava mais andar. E ele pede ao Ricardo Salvioni, outro escoteiro, que o ajude a transportá-lo numa espécie de cadeirinha”, complementa Nunes.
Bernabeu decide retornar ao acampamento, mas ordena que Marco Aurélio seguisse à frente, sozinho, para desobstruir a trilha, enquanto os demais carregariam o escoteiro machucado e os equipamentos.
A decisão de Bernabeu viola regras básicas do escotismo, porque “a separação deve ser feita em dupla, e não sozinho”, relata Rodrigo.
Ivo Simon (à esquerda) e Marco Antônio (à direita), gêmeo de Marco Aurélio na serra, local em que o escoteiro desapareceu
Em 2016, numa entrevista para a TV Vanguarda, afiliada da Globo na região, o pai de Marco Aurelio fez essa queixa em relação ao procedimento adotado por Bernabeu.
”Poderia ter sido evitado (o desaparecimento) sem dúvida alguma se nós tivéssemos tido um chefe (de escoteiro) mais qualificado porque um princípio básico em qualquer expedição é nunca separar elementos num lugar desconhecido”, relatou Ivo Simon.
Equipado apenas com um giz para marcar pedras, e um apito, o adolescente desapareceu na névoa densa e no frio intenso, com temperaturas próximas a zero. O clima contribui para que os rastros de giz sumam com a serração.
Provável caminho errado na descida
Rodrigo relata que aproximadamente 15 minutos após a separação, “eles chegaram numa bifurcação onde havia uma trilha pela direita e outra pela esquerda.
Nessa bifurcação, havia um vão entre duas pedras onde, segundo eles, era “impossível de passar com um garoto acidentado e, provavelmente, o Marco Aurélio teria pego o caminho da direita”.
O guia resolve pegar a trilha da esquerda e desce com os outros escoteiros até a base, onde chegam por volta de 5h30.
Marco Aurelio não estava no acampamento
Ao retornarem ao acampamento montado no quintal do guia Afonso, o grupo percebeu a ausência de Marco Aurélio.
Juan Bernabeu (à direita) e Coronel Airton (à esquerda) em interrogatório na serra
Bernabeu partiu novamente, desta vez sozinho, pensando que encontraria Marco Aurelio, desrespeitando novamente protocolos, passando aproximadamente 4 horas na mata procurando pelo garoto.
Segundo relatos na internet, Juan Bernabeu mora em Manaus e atua como advogado. Em declarações dadas nos últimos anos, ele chegou a dizer que só se manifestaria sobre o caso se a polícia descobrisse algum fato novo do caso.
Em uma live no Youtube, em 2021, ele contraria o que montanhistas falam sobre os perigos do pico, especialmente dos riscos de uma pessoa se perder, e parece não considerar notícias de desaparecidos no local ao longo das últimas décadas.
”Lá (no Pico dos Marins) você não se perde. Lá você sai, de alguma maneira ou de outra, você sai. E por que você sai? Você está vendo casas. Qualquer direção você chega lá”.
A reportagem do iG tenta contato com Bernabeu.
Operação de buscas no Pico dos Marins foi uma das maiores do país
Quando as autoridades foram finalmente avisadas, cerca de 4 horas depois, iniciou-se a operação de buscas.
Durante quase 30 dias, cerca de 300 profissionais – incluindo soldados do 5º Batalhão de Infantaria Leve de Lorena(SP), equipes do Comando de Operações Especiais de São Paulo (COI), cães farejadores de Taubaté (SP), espeleólogo (exploradores de cavernas) e um helicóptero enviado pelo então governador Franco Montoro – vasculharam a região.
Cartaz de “procura-se” divulgado na época do desaparecimento
A única pista concreta foi a mochila do adolescente, abandonada intacta fora da barraca, com todos os pertences.
Irmãos gêmeos
Para realizar as pesquisas que originaram os livros, Rodrigo conversou, por exemplo, com o motorista José Benedito.
Benedito disse que, quatro dias após o desaparecimento, transportou um jovem sujo e exausto em Campos do Jordão, a pouco mais de 100 quilômetros de Piquete, até Pindamonhangaba. As duas cidades também ficam no interior paulista.
O relato oficial, porém, só chegou às autoridades dois anos depois. Benedito admitiu à polícia que temia represálias durante o regime militar, vigente até 1985, e preferiu silenciar.
Para verificar a história, a delegada Sandra Vergal recorreu a um recurso incomum: convocou Marco Antônio, irmão gêmeo idêntico de Marco Aurélio, vestido com o uniforme de escoteiro, para confrontar o motorista.
Benedito manteve a versão, mas, sem provas físicas ou registros da época, o depoimento permanece como uma peça intrigante, porém não conclusiva, no quebra-cabeça do desaparecimento.
Chico Xavier e a esperança além da ciência
Desesperados por respostas, a família de Marco Aurélio buscou ajuda do médium Chico Xavier, então uma figura reverenciada por suas supostas capacidades de comunicação com o “plano espiritual”.
Em uma sessão com parentes do escoteiro, Xavier teria dito à família que não conseguia “estabelecer contato” com o adolescente, o que, em sua doutrina, indicaria que ele “não estaria entre os mortos”.
A declaração, embora rejeitada pela polícia como evidência, alimentou a crença dos parentes de que Marco Aurélio poderia estar vivo, em algum lugar.
Trecho de transmissão ao vivo de 35 anos do caso de desaparecimento de Marco Aurélio
Policial aposentado foi um dos primeiros a chegar no pico para as buscas
A reportagem do iG conversou com Olindo Roberto Bonifácio, morador de Piquete e que participou ativamente da procura por Marco Aurelio.
Policial Rosoviário Federal aposentado, Lilão, como é conhecido na cidade, chegou a ter um breve contato com a mãe do escoteiro.
Ele acha difícil que o caso tenha uma conclusão.
Alega, por exemplo, que não há como afirmar que Marco Aurelio foi morto por um animal, já que se isso tivesse ocorrido, ele acredita que, por exemplo, peças de roupa do escoteiro teriam sido encontradas.
O iG perguntou para Olindo sobre como a população da cidade reagiu com a repercussão do desaparecimento, detalhes sobre as buscas, sobre a tecnologia utilizada na época para os trabalhos e a participação das pessoas com doações para quem atuava na montanha.
Qual foi a reação das pessoas em Piquete quando ficaram sabendo do caso?
”Aqui todo mundo ficou comovido. Eu fiquei sabendo no primeiro dia. A tia dele veio em casa me pedir para que eu fosse lá para a montanha. Eu fui um dos primeiros a chegar lá e solicitei o corpo de bombeiros e outras coisas”.
Como o Sr. fez para ajudar nas buscas?
”Desde as primeiras horas do sumiço do menino, eu fiquei lá na montanha então eu não posso dizer muita coisa do povo da cidade, por que fiquei 29 dias trabalhando lá, amanhecendo e escurecendo lá. Então, eu só fiquei para ajudar porque eu pensei como se fosse um filho meu que tivesse desaparecido”.
Com a tecnologia de buscas de hoje, o Sr. acha que Marco Aurélio teria sido encontrado, ou isso não faria diferença?
”As tecnologias não adiantariam de nada. Porque lá, foi vasculhado de ‘fio a pavio’, só faltou Deus voltar, virar a montanha de cabeça para baixo. Como eu disse anteriormente, caía todo mundo, mas não caía Marco Aurélio”.
O Sr. recebeu pessoas em casa durante as buscas?
”Eu não recebi ninguém em casa porque vivi o tempo todo lá na montanha. Eu só vinha para casa para pegar doações. Mantive todo mundo alimentado lá em cima. Eu vinha, pegava as doações que o povo dava, para manter todo mundo que estava lá comendo”.
Gêmeos Marco Aurélio e Marco Antônio
Teorias e ausências
Além das hipóteses sobrenaturais, como supostos “portais dimensionais” no Pico dos Marins, sequestro por alienígenas, a polícia trabalhou com outras possibilidades.
Entre elas, a de um acidente fatal, como uma queda em abismo não mapeado, um ataque de animal ou até mesmo um crime envolvendo o chefe Juan Bernabeu, que nunca foi formalmente acusado.
Trinta anos depois, durante escavações na serra, foram encontrados vestígios de necrochorume (líquido de decomposição orgânica) e fios de cabelo, mas análises genéticas não identificaram material compatível com o DNA de Marco Aurélio.
O caso permanece sem respostas e o Pico dos Marins guarda um dos maiores mistérios não resolvidos do Brasil.
Em outra live, também há quatro anos, com o pai, o irmão gêmeo de Marco Aurelio e os escoteiros, o irmão gêmeo refutou qualquer hipótese de algo premeditado pelo chefe dos escoteiros.
”Sempre me magoou profundamente quando as pessoas diziam que o chefe podia ter cometido um crime contra Marco Aurélio. Só quem não conhecia Juan iria imaginar um negócio desse”, disse Marco Antônio.
Na mesma transmissão, Osvaldo, o que machucou o joelho, disse que o desaparecimento de Marco Aurelio foi uma ”fatalidade”, mas não arriscou dizer o que acha que de fato aconteceu com o amigo de escotismo.
O pai de Marco Aurelio deixou claro que nunca deixou de sonhar em rever o filho um dia: ”A esperança continua”, disse ele.
IG Último Segundo