A história real por trás da Loira do Banheiro


A história real por trás da Loira do Banheiro
Reprodução Freepik

A história real por trás da Loira do Banheiro

Poucas lendas urbanas brasileiras  são tão conhecidas e repetidas quanto a da loira do banheiro. Presente no imaginário coletivo de gerações de estudantes, ela é frequentemente evocada em rituais infantis diante do espelho, envolta em mistério, medo e fascínio.

Mas o que poucos sabem é que por trás do mito existe uma personagem histórica real — e com uma trajetória surpreendente.

Quem revela essa história exclusivamente ao Portal iG é Thiago de Souza, pesquisador de cultura sobrenatural e criador do canal “ O Que Te Assombra ”, que investiga as raízes e significados das assombrações brasileiras.

Nome verdadeiro

“A loira do banheiro não apenas existiu como foi uma figura muito destacada na história do Brasil. Ela teve contato com personagens importantes do Segundo Império”, conta Thiago.

Túmulo de Maria Augusta de Oliveira Borges
Divulgação Thiago de Souza

Túmulo de Maria Augusta de Oliveira Borges

Seu nome verdadeiro era Maria Augusta de Oliveira Borges. Nascida em 1864 em Guaratinguetá, interior de São Paulo, ela era filha dos viscondes da cidade — seu pai, Francisco de Assis de Oliveira Borges, conhecido como Chico Pintor, era uma figura de influência política e social.

Ainda muito jovem, aos 14 anos, Maria Augusta foi obrigada a se casar com o conselheiro Francisco Antônio Dutra Rodrigues, renomado professor de direito romano e governador do estado de São Paulo. O casamento foi arranjado por ninguém menos que o Conde d’Eu, marido da Princesa Isabel.

“É maravilhoso pensar que a mulher que virou o maior fantasma da nossa história foi casada com o governador de São Paulo”, afirma Thiago.

Mas a jovem Maria Augusta não aceitava o destino que lhe foi imposto. Insatisfeita com o casamento e após a morte do pai, fugiu para a França levando algumas joias.

O escândalo foi imenso: uma mulher abandonar o marido e romper com as convenções sociais era algo inconcebível na época. Ainda assim, ela retornou ao Brasil para oficializar o divórcio e voltou à Europa, onde morreria pouco tempo depois, em 1891, vítima de raiva humana.

O início da lenda

Após sua morte, o corpo foi embalsamado e enviado de volta ao Brasil a pedido de sua mãe. Sem túmulo preparado, Maria Augusta foi colocada dentro de uma redoma de vidro no que seria seu antigo quarto, na mansão da família em Guaratinguetá.

Ali, conta-se, começaram os fenômenos inexplicáveis. “Diziam que ela batia no vidro e pedia água”, relata Thiago. A associação com a água atravessa boa parte da mitologia da loira do banheiro — possivelmente ligada à hidrofobia, um sintoma da raiva, que a impede de beber água mesmo com sede.

Sua mãe, após sonhar com Maria Augusta pedindo para ser enterrada, finalmente providenciou o sepultamento em uma capela no cemitério dos Passos. A história poderia terminar aí. Mas o destino reservava novos capítulos.

Alguns anos depois, a mansão foi vendida ao Estado e transformada em uma escola pública.

A antiga casa nobre deu lugar ao cotidiano estudantil — e ao início da lenda. “Dois alunos mataram aula e entraram no que acreditavam ser o quarto onde ela ficou embalsamada. Havia um piano lá dentro. De repente, uma luz apareceu e o piano começou a tocar sozinho”, relata Thiago. O pânico dos estudantes se espalhou, e os boatos de aparições aumentaram.

loira do banheiro
Divulgação Thiago de Souza

Único registro que se tem da Loira do Banheiro

Em 1919, um incêndio destruiu parte da escola. Muitos atribuíram o episódio à presença sobrenatural de Maria Augusta. A fama da assombração cresceu a ponto de paralisar atividades escolares. Em uma reunião para tentar resolver a situação, o diretor convocou professores para um encontro noturno — mas, antes que a conversa começasse, um lustre caiu sobre a mesa principal. Ninguém ficou.

“É daí que nasce a lenda da loira do banheiro como a conhecemos hoje”, afirma Thiago. “Ela tem uma importância muito grande na propagação desse tipo de história. É provavelmente anterior até à Bloody Mary americana.”

Apesar do apelido, Maria Augusta não era exatamente loira.

Segundo Thiago, seus cabelos eram ruivos. Mas há um componente simbólico poderoso na imagem da mulher loira como figura assombrosa.

“A estética da época atribuía à mulher loira um ar angelical. Isso gerava uma surpresa — alguém que parecia bela e inofensiva se revelava um espírito perturbador. Há uma questão racial e de idealização da beleza aí que não podemos ignorar”, analisa.

Esse contraste entre aparência e ameaça é recorrente em outros relatos. Thiago cita, por exemplo, o caso de uma jovem loira encontrada morta nos anos 1970 em Itu, enterrada com um vestido de noiva doado por uma costureira.

A “loira desconhecida” passou a ser considerada milagreira local e também teria sido vista na estrada Jundiaí-Itu, onde seu corpo foi achado.

“A noiva fantasma, assim como a loira do banheiro, traduz o imaginário coletivo da época. Era comum pensar que o propósito da mulher era se casar. Quando ela morria antes disso, acreditava-se que sua alma ficava presa, num tipo de looping”, explica.

A força da lenda também se mantém viva por meio da tradição oral. Crianças de todo o Brasil repetem o ritual de invocar a loira no espelho do banheiro escolar, geralmente em tom de desafio.

“É curioso como a figura dela ressurge com força depois da pandemia. Parece que estamos mais abertos a falar sobre morte, medo, espiritualidade e o inexplicável”, diz Thiago.

Ele destaca ainda que essas histórias sobrenaturais cumprem um papel social importante.

“Elas são diagnósticos precisos do que a sociedade pensava em determinada época. A história da Maria Augusta é uma aula de antropologia. Ela mostra a brutalidade da violência contra a mulher, a imposição de papéis e a luta silenciosa de uma jovem que, à sua maneira, foi revolucionária.”

Para Thiago, contar essas histórias é também uma forma de reconstruir nossa memória coletiva e afetiva. “No Brasil, a gente costuma desprezar as próprias mitologias. Mas essas narrativas fazem parte da nossa matriz simbólica. Contá-las é um exercício de pertencimento.”

A loira do banheiro, portanto, não é apenas uma assombração de escola. Ela é um espelho da nossa história — política, social e simbólica.

Uma mulher que, ao se recusar a viver sob as regras impostas pelo poder patriarcal do Império, transformou-se em lenda. Uma mulher que, mesmo após a morte, continua assombrando não apenas corredores escolares, mas também nossa forma de olhar para o passado.



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