A possibilidade de a seleção brasileira ter uma camisa vermelha como seu segundo uniforme na Copa do Mundo de 2026 desagradou ex-jogadores, reacendeu o debate político sobre a simbologia do manto, além de criar uma polêmica em um momento no qual a conexão com a torcida está fragilizada.
A ideia não é uma unanimidade na CBF (Confederação Brasileira de Futebol) não só pela tradição de usar o azul como segunda camisa, mas principalmente pela possibilidade de dividir os torcedores pela escolha de uma cor que não está presente na bandeira do Brasil, o que abriria uma brecha para os críticos fazerem associações políticas.
Desde que o site Footy Headlines informou sobre a mudança, políticos de direita se uniram para criticar a possível mudança. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, afirmou que a troca precisa ser “repudiada veementemente” e repetiu uma frase que seu pai costuma usar em discursos: “Nossa bandeira não é vermelha, e nunca será”.
Edu, ex-ponta-esquerda do Santos e da seleção brasileira nas Copas de 1966, 1970 e 1974, ecoou a crítica. “Nada a ver, não somos um país comunista. E lógico que a intenção disso é totalmente política, mas não tem nada a ver com a história da nossa seleção. Seleção brasileira é verde, amarelo, azul e branco”, disse ele à Folha.
“Fomos campeões do mundo com a amarelinha. A coisa já está muito feia dentro de campo, já temos uma seleção fraca moralmente e psicologicamente. Não precisamos de mais essa”, acrescentou.
Paulo Sergio, ex-atacante da seleção brasileira, campeão do mundo em 1994, disse que não trocaria o azul pelo vermelho, mas que poderia mudar de ideia caso entendesse o conceito. “A azul representa a nossa bandeira desde que me conheço por gente. Em dez anos de Europa sempre nos reconheceram por essas cores”, afirmou.
Na política, o vermelho é tradicionalmente associado aos partidos de esquerda, como o PT, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Nos últimos anos, a direita passou a criar uma forte conexão com a cor amarela, diretamente ligada à camisa da seleção brasileira, dividindo os torcedores país afora.
“Para alguns grupos, [a mudança] pode ser considerada uma afronta, sobretudo para esses grupos mais polarizados, à direita, que veem o fantasma do comunismo em tudo”, afirmou o professor Marco Antonio Carvalho Teixeira, da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo).
A Nike, com a qual a CBF renovou seu contrato no ano passado, estendendo o vínculo até 2038, pelo valor de US$ 100 milhões (R$ 563 milhões) até o fim do compromisso, foi alertada sobre isso. A fornecedora de materiais esportivos, no entanto, resolveu seguir em frente com sua estratégia de marketing, que além da cor vermelha levará o símbolo da Jordan, marca controlada pela Nike.
Publicamente, contudo, nem a Nike nem a CBF confirmam a confecção da camisa vermelha.
Eu só acho uma coisa: a camisa da seleção em termos de futebol é a coisa mais importante que tem. A bandeira do Brasil é verde, amarela, azul e branco, não tem vermelho. Não que eu não goste do vermelho, meu pai era torcedor do Jabaquara, o Jabuca, que é todo vermelho. Acho que deveria continuar com o princípio de seguir com as cores do Brasil, isso é muito importante
Cássio Brandão, colecionador de camisas de futebol, detentor de um recorde registrado pelo Guiness pelo maior acervo do mundo, disse que a confederação poderá seguir um “caminho perigoso”.
“Em se concretizando essa história entramos em um caminho que não gosto, e considero até perigoso. Do quanto se cuida da própria história e do quanto não consegue frear esses movimentos mercadológicos”, afirmou.
“Precisamos ser cuidadosos ainda, a camisa não foi lançada, mas tem uma questão que é um fato: a camisa de uma nação representa muito e a da seleção brasileira muito mais”, acrescentou Brandão.
Nas conversas com a Nike, a CBF teria sugerido lançar a vermelha com um terceiro uniforme para evitar as críticas, mas a empresa não costuma fazer três camisas para seleções por entender que os modelos dois e três poderiam concorrer nas vendas.
Segundo Brandão, na Europa, esse tipo de mudança mais radical não é tão incomum. Ele destaca, porém, que sempre há um propósito além do mercadológico.
“Quando a Alemanha vem para o Brasil jogar a Copa do Mundo com uma segunda camisa que faz uma referência ao Flamengo, time de maior torcida do país, ela fazia um aceno claro. Um cartão de boas-vindas para ser bem recebido no país. Ali tinha um propósito claro. Nessa do Brasil qual o propósito?”, questiona.
Ao longo de sua história, a seleção brasileira já utilizou uniformes com cores alternativas, que não estão presentes na bandeira do Brasil. Em duas ocasiões, usou inclusive camisas vermelhas, ambas em jogos pelo Campeonato Sul-Americano, competição que em 1975 seria rebatizada como Copa América.
A última vez que a equipe canarinho utilizou um manto sem suas cores tradicionais foi em 2023, quando atuou todo de preto no amistoso contra a Guiné. Na ocasião, o uniforme foi usado como uma forma de protesto contra o racismo no futebol.
Embora a “amarelinha” seja a mais famosa, a camisa azul também traz boas recordações para torcedores da seleção brasileira. Foi o modelo com o qual o Brasil ganhou seu primeiro título mundial, em 1958, na Suécia. Ao todo, a cor já foi usada em 12 oportunidades durante Copas do Mundo, com oito vitórias para o Brasil, três derrotas e um empate.
Folha de S.Paulo