Existe algo em Londres quase tão comum quanto as famosas cabines telefônicas e ônibus de dois andares vermelhos: casas de apostas.
Todo bairro tem uma –Wikipedia me diz que são mais de mil. São fáceis de identificar: têm fachadas chamativas e letreiros bregas que destoam das simpáticas casas de tijolinhos marrons.
Por volta das 10h da manhã, passo em frente à que fica perto da minha casa. Pelo vidro, dá para ver uma sala escura com fotos de cavalos –ingleses adoram apostar nas corridas– e máquinas de jogos. Um homem no guichê atende um idoso de bengala que entra para fazer uma fezinha.
Que jogos de azar viraram questão de saúde pública, todo mundo sabe. Dois milhões de pessoas estão em risco de se tornarem viciadas na Inglaterra, segundo o Sistema Público de Saúde (NHS). Parece bem mais, dado o que se passa no futebol há décadas. Se no Brasil, problemas se multiplicam, e o tema voltou às manchetes esportivas com a investigação da Polícia Federal envolvendo Bruno Henrique, do Flamengo, há bons e maus exemplos vindos do que os ingleses têm aprendido, e efeitos em jogadores e torcedores. Até o país que inventou esse esporte sofre para lidar com a praga das bets.
Desde 2014, a Federação Inglesa de Futebol (FA) proíbe os envolvidos com futebol –incluindo jogadores, treinadores, árbitros, de apostarem em competições ou assuntos relacionados ao esporte em qualquer parte do mundo, e compartilharem informações privilegiadas que beneficiem apostadores. A FA, a Comissão de Apostas do governo britânico e casas de apostas conseguem descobrir se alguém violar as regras.
Punições são duras quando se leva em conta o tempo útil da carreira de um jogador. Há muitos casos. Kynan Isaac, do Straford Town, da 7ª divisão, foi banido por dez anos por ter tomado cartão amarelo de propósito na Copa da Inglaterra. Ivan Toney, do Brentford e seleção inglesa, apostava até contra o próprio clube, e teve a pena reduzida para oito meses de suspensão por ter sido diagnosticado como viciado em jogos de azar. Lucas Paquetá, do West Ham, acusado pela FA de ter tomado cartões amarelos para beneficiar parentes que teriam feito apostas, aguarda sentença, e pode ser banido para sempre do futebol.
Em 2023, especialistas de universidades britânicas mediram o número de anúncios ligados a apostas em dez partidas da Premier League, incluindo todos os clubes. O estudo revelou que as logomarcas apareciam até 3.500 vezes em um jogo transmitido na TV –em uniformes ou placas de publicidade. Em média, uma a cada 16 segundos.
No mesmo ano, os clubes da Premier League decidiram banir patrocínios de casas de apostas da frente das camisas, valendo a partir da temporada 2026/2027. Ouvi o comentário de que é como “colocar um band-aid em uma perna quebrada”, já que as bets poderão anunciar nas mangas ou placas de publicidade. Nesta temporada, metade dos clubes têm casas de apostas como patrocinadores master.
A solução parece ser longa e complexa. Precisa unir educação sobre o tema, da base ao profissional, a penas tão duras que façam o jogador ter medo de perder a carreira e não querer correr o risco. É, principalmente, responsabilidade de clubes e federações –que o emprega e lucra com isso.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.
Folha de S.Paulo