O termômetro apontava 32ºC, o sol castigava a Rua Javari, e o relógio marcava 15h quando o árbitro deu início ao duelo entre Juventus e Grêmio Prudente, nesta quarta-feira (19), pela Série A2 do Campeonato Paulista. O empate por 1 a 1 foi acompanhado por 463 pagantes.
Em meio à onda de altas temperaturas em São Paulo e em outras partes do país, nem todo o mundo pode ou faz questão de fugir de ambientes quentes. Para os torcedores do tradicional time da Mooca, a paixão resiste a qualquer clima. Para os atletas, a falta de refletores no estádio Conde Rodolfo Crespi —nome oficial da Javari— impede que os jogos sejam realizados depois do pôr do sol.
Quem costuma frequentar o local defende suas características. “Aqui é futebol raiz”, bradaram os amigos Pedro Rezende e Gabriel Souza, ambos de 15 anos, que estudam no período da manhã na Etec Camargo Aranha, bem perto do estádio. “Saímos da aula, deu tempo de jogar bola e vir para o jogo. Mesmo com o calor, é bem gostoso”, disse Pedro.
Na chegada do estádio, eles e os demais torcedores que levaram água tiveram que descartar as garrafinhas antes de entrar. No interior, cada copo era vendido por R$ 5.
Alguns dos presentes queriam se refrescar com um sorvete, mas essa opção não estava disponível. “Como não vendem sorvete num calor desse?”, gritou um torcedor que entrou apressado, cinco minutos antes de a bola rolar.
O produto deixou de ser comercializado na Javari há cerca de dois anos. Segundo uma família que vende doces e água no interior do estádio, o último sorveteiro parou de trabalhar pela idade avançada.
”Era o Marcão do Sorvete”, lembrou dona Maria Emilia, a Tia Mila, 80, que há 15 anos assumiu o espaço em que sua família trabalha na Javari. “Também tinha a Maria Paliteira, mas ela parou na mesma época que o Marcão”.
Vinicius Gustavo, 33, sobrinho-neto de Tia Mila, disse que sua família até gostaria de vender sorvete, mas no momento não é possível. “Precisa ter autorização dos conselheiros do clube. E o Juventus também não tem agenda o ano todo, então fica difícil para comprar um freezer.”
Quando a bola começou a rolar, a falta de velocidade e criatividade dos jogadores do Juventus esquentava ainda mais a cabeça dos torcedores. O time está na zona de classificação à próxima fase da Série A2 do Paulista (a divisão de acesso à elite estadual), mas poderia ter saído de campo com um resultado melhor do que o empate.
A frustração foi maior porque os donos da casa abriram o placar, com Adson, mas sofreram o empate em cabeceio de Douglas Santos, após cobrança de escanteio, aos 33 minutos da etapa final.
Mesmo com as pausas feitas pelo árbitro para que os dois times pudesse se hidratar, era visível o cansaço dos jogadores na parte final do confronto.
Reginaldo Oliveira, 53, fisiologista da equipe da Mooca, afirmou que duelos sob forte calor, inevitavelmente, têm um ritmo mais lento, sobretudo na segunda etapa.
De acordo com o profissional, a desidratação é a maior preocupação da comissão técnica quando as temperaturas estão elevadas.
“Em um jogo em qualquer horário, é considerado normal se um atleta tem uma perda de peso [por perda de líquido] de até 2%. De 2% a 4%, já se acende um sinal amarelo. Acima de 4%, são aqueles atletas que estão muito desidratados. Em dias de calor assim, os caras chegam a perder até 10%”, disse.
“É uma coisa que preocupa”, acrescentou. “O principal é hidratar muito durante o dia e na semana. Não adianta fazer isso só no dia do jogo.”
De qualquer maneira, claro, no dia do jogo, a programação é mais rígida, com abundante ingestão de líquidos. E os atletas têm de jantar uma hora após a partida. Como ela terminou perto das 17h, a janta estava marcada para as 18h.
“A reposição da perda de energia precisa ser feita da maneira mais rápida possível”, disse Oliveira.
De acordo com o fisiologista, que passou a integrar a comissão técnica do elenco profissional do Juventus no ano passado, o uso do GPS é importante para monitorar a quilometragem de cada atleta. O dado ajuda a calcular o desgaste, evitar lesões e administrar a carga de trabalho.
“Durante os treinos e durante os jogos, a gente fica perto do técnico passando essas informações para que ele possa tomar decisões. Hoje mesmo, já estava previsto que seria necessário fazer todas as cinco substituições. Os caras não aguentam, no segundo tempo muitos pedem para sair”, afirmou.
Quando a partida terminou, alguns atletas se sentaram no próprio gramado para recuperar o fôlego antes de deixar o campo, ainda sob sol forte.
Folha de S.Paulo