Na noite em que celebrou a vitória na eleição que o tornou novamente presidente dos Estados Unidos, Donald Trump convidou ao palco em que discursava na Flórida o golfista Bryson DeChambeau, bicampeão do US Open e nove vezes do PGA Tour.
Ter o craque do golfe presente naquele momento ajudava o republicano a reforçar a mensagem de que os vencedores estavam ao seu lado.
Trump é um dos fãs e críticos esportivos mais poderosos dos Estados Unidos. Ele muitas vezes acusou ligas de diferentes modalidades de lhe fazer oposição sistemática, ao mesmo tempo que se aproximou de estrelas do esporte para moldar sua imagem e manter unida sua base de apoiadores —com outras, comprou briga.
“Ele procurou polir sua imagem pública associando-se ao esporte de várias formas. Ele faz isso porque procura comunicar um senso de si mesmo como um homem dominante e um magnata mestre”, disse à Folha Thomas Oates, doutor em comunicação de massa e professor da Escola de Jornalismo e Comunicação da Universidade de Iowa.
Para Oates, coautor do capítulo “Minha vida inteira é sobre vencer: a marca Trump e os usos políticos e comerciais do esporte”, parte do livro “Sport, Rhetoric and Political Struggle” (“Esporte, Retórica e Luta Política”, 2019, não disponível em português), Trump “introduziu um estilo particular de populismo que é mais parecido com o estilo de líderes autoritários como Kim Jong-Un e Vladimir Putin”.
Para o pesquisador, o republicano “usa os esportes não para parecer relacionável, mas para comunicar domínio”. “Não é novo, mas é incomum para líderes de democracias”, observou.
David L. Andrews, doutor em sociologia do esporte e professor da Universidade de Maryland, afirma que, pelo menos desde Woodrow Wilson (1856-1924), o 28º presidente dos Estados Unidos, todos os chefes de Estado usaram o esporte para promover sua personalidade. O que diferencia Trump é “a abordagem antagônica”.
“Enquanto a maioria dos políticos procura ganhar popularidade identificando-se com o brilho positivo, Trump procura identificar os aspectos negativos, na forma como o jogo é organizado, jogado, apitado, ou explora a presença de figuras específicas, para usar essa abordagem negativa como justificativa para promover sua liderança, seus pontos de vista e seus valores”, disse.
Trump volta à Casa Branca em meio a debates importantes, como o dos atletas transgênero. O republicano prometeu banir mulheres trans de competições femininas, dizendo que elas “ameaçam os esportes femininos”.
Com os Jogos Olímpicos de 2028 marcados para Los Angeles, há um temor de que isso possa colocá-lo em desacordo com COI (Comitê Olímpico Internacional), que permitiu que esportes individuais escolhessem suas próprias políticas de elegibilidade de gênero.
Também será sob seu mandato a Copa do Mundo de 2026. Foi durante seu primeiro governo que os Estados Unidos ganharam o direito de sediar o torneio. Na época, o presidente da Fifa (Federação Internacional de Futebol), Gianni Infantino, imediatamente fez questão de criar laços com o republicano. O dirigente já foi recebido no Salão Oval e também se sentou ao lado de Trump no Fórum Econômico Mundial, em Davos.
Nesta segunda-feira (20), o dirigente da entidade máxima do futebol estará em Washington, convidado por Trump para acompanhar a posse do republicano. Os dois tiveram um encontro antes do evento.
“Discutimos a Copa do Mundo de Clubes da Fifa deste verão e a Copa do Mundo da Fifa em 2026, dois torneios verdadeiramente globais nos quais os Estados Unidos desempenharão um papel fundamental na organização”, disse Infantino.
No cenário doméstico, as principais ligas norte-americanas estiveram sob tensão durante o primeiro mandato de Trump. O político chamou de antipatrióticos os protestos de jogadores de futebol americano, liderados pelo quarterback Colin Kaepernick, contra a brutalidade policial contra pessoas negras. Em resposta, os atletas se ajoelharam em massa.
A relutância do Golden State Warriors em aceitar o convite para ir à Casa Branca após ter triunfado na temporada 2016/17 da NBA (a liga norte-americana de basquete) fez com que Trump retirasse o convite. Ele criticou especialmente o astro Stephen Curry, a quem culpou pela hesitação em realizar o encontro.
Após o assassinato de George Floyd —homem negro brutalmente morto por policial branco, em 2020, o que desencadeou uma série de manifestações—, Trump disse que a NBA alienava seus fãs ao permitir que os jogadores se ajoelhassem em protesto durante o hino.
“Ao fazer isso, Trump usa o esporte como um veículo para mobilizar os gostos e desgostos, medos e ansiedades, de sua base política. Assim, embora suas denúncias esportivas pareçam de alguma forma apolíticas, elas são encaminhadas e avançam sua agenda política emotiva e divisiva”, afirmou David L. Andrews, também autor do livro “Making Sport Great Again?: The Uber-Sport Assemblage, Neoliberalism, and the Trump Conjuncture” (Palgrave, 2019, sem versão em português).
A ira de Trump, contudo, nem sempre levou as ligas esportivas a adotar uma postura defensiva. Ele já fez diversos comentários negativos em relação à seleção de futebol feminino dos Estados Unidos, especialmente sobre a jogadora Megan Rapinoe, depois que a equipe recusou uma visita à Casa Branca. Nesse mesmo período, a NWSL (National Women’s Soccer League, a liga nacional feminina de futebol) teve um “boom”.
Trump costuma encontrar mais apoio em esportes individuais, sobretudo nas lutas, como o boxe. Na década de 1980, muitos duelos notáveis ocorreram em cassinos de suas propriedades. Ele desenvolveu relacionamentos com figuras como Don King e Mike Tyson.
Hoje, é na WWE (World Wrestling Entertainment) e no UFC (Ultimate Fighting Championship) que vê uma base de fãs mais inflamada. Na Convenção Nacional Republicana de 2024, o político foi apresentado pela estrela Hulk Hogan e pelo chefe executivo do UFC, Dana White.
“Para eleitores/torcedores que sentem que a política de identidade marginalizou de maneira injusta homens brancos heterossexuais, por exemplo, —uma argumentação que eu, pessoalmente, rejeito—, eles podem procurar identificação em esportes que preservem ou promovam essa identidade. Isso caracteriza muitos torcedores da NFL, da Nascar e do MMA”, disse Michael L. Butterworth, doutor em retórica e cultura política, professor da Universidade do Texas.
Trump engajou e mobilizou com sucesso a orientação conservadora tácita e amplamente não reconhecida da cultura esportiva dos Estados Unidos. O esporte em geral é um veículo eficaz do projeto político de Trump, embora para todos os efeitos pareça ser amplamente apolítico e ‘apenas esporte’
Embora Trump tenha menos apoio declarado entre atletas de esportes coletivos, isso não significa que ele tenha um ambiente hostil nesses eventos. Pelo contrário. Donos de times das principais ligas doaram, de forma oficial, US$ 132 milhões (R$ 800 milhões, na cotação atual) para campanhas federais no ciclo 2020/24, com quase 95% sendo destinados para o partido do novo presidente, de acordo com a organização sem fins lucrativos OpenSecrets.
Nem isso, no entanto, afastou ligas como NBA (basquete), MLB (beisebol) e NFL (futebol americano) de polêmicas com Trump. Em 2016, a NBA transferiu seu All-Star Game da Carolina do Norte em protesto contra uma lei discriminatória. Em 2021, o beisebol fez o mesmo em relação às regras de votação da Geórgia.
“A marca de Trump é sobre domínio. Portanto, se figuras esportivas o contestarem ou assumirem posições que ele possa interpretar como repreensão, ele tentará implacavelmente desacreditá-los e humilhá-los”, disse Thomas Oates.
Folha de S.Paulo